Como o tabagismo causa câncer?

Marilynn Larkin

21 de novembro de 2023

Uma nova pesquisa sugere que o tabagismo está associado a “mutações stop-gain” (também conhecidas como “mutações sem sentido”), nas quais há o ganho de um códon de parada. Essas alterações interferem na formação de genes supressores de tumor, que ajudam a manter as células anômalas sob controle.

Uma análise de DNA de mais de 12 mil amostras de tumores de 18 tipos diferentes de câncer mostrou como o tabagismo trunca os supressores de tumor, desativando-os.

Dr. Jüri Reimand

“Nosso estudo mostra que as assinaturas do tabagismo no DNA geram essas mutações prejudiciais, as quais truncam proteínas que contribuem para o surgimento do câncer e sua crescente complexidade ao longo do tempo”, disse ao Medscape o autor sênior Dr. Jüri Reimand, Ph.D., afiliado ao Ontario Institute for Cancer Research, no Canadá.

O estudo também identificou que fatores de estilo de vida, como dieta e consumo de álcool, podem ter efeitos prejudiciais semelhantes no DNA.

Além disso, disse o Dr. Jüri, a equipe identificou mutações sem sentido geradas por enzimas APOBEC (polipeptídeos catalíticos da enzima de edição do RNAm da apolipoproteína B), “que podem ajudar a decifrar o papel das APOBECs na gênese e na progressão tumoral”. As mutações sem sentido da APOBEC foram associadas ao câncer da mama e a outros tipos de tumor.

O estudo foi publicado on-line em 3 de novembro no periódico Science Advances.

Tabagismo e mutações

Os pesquisadores analisaram o impacto das mutações na codificação de proteínas em 12.341 genomas tumorais de pacientes com 18 tipos de câncer. Eles constataram que as mutações sem sentido eram ainda mais presentes nas assinaturas de DNA do tabagismo, de enzimas APOBEC e de espécies reativas de oxigênio.

Essas mutações frequentemente afetam genes supressores tumorais, como TP53, FAT1 e APC, impedindo-os de se formarem completamente e de produzir proteínas que impedem o crescimento de células anômalas, o que leva ao câncer.

De acordo com a nova pesquisa, fatores ambientais podem impactar as mutações sem sentido. Por exemplo, no câncer de pulmão, as mutações sem sentido provocadas pelo uso de tabaco correlacionam-se com a história de tabagismo, o que significa que estas mutações são evitáveis.

Em comparação com pacientes que tinham história de tabagismo, os genomas tumorais de não tabagistas ao longo da vida apresentavam menos mutações sem sentido associadas ao consumo de tabaco. E, embora não tenham sido encontradas diferenças significativas na carga de mutações sem sentido entre os tabagistas atuais e aqueles que cessaram o uso de tabaco recentemente, ambos os grupos tiveram significativamente mais mutações sem sentido do que os não tabagistas ao longo da vida e aqueles que cessaram o uso anos antes.

No Cancer Genome Atlas (TCGA), as amostras de câncer de pulmão apresentavam, por genoma, em média 10,5 mutações sem sentido associadas ao tabagismo: 73% dos tumores tinham pelo menos uma e 39% tinham pelo menos 10 dessas mutações que levam à formação de proteínas truncadas.

Análises adicionais revelaram que o tabagismo parece ser o principal causador das mutações sem sentido, não só no câncer do pulmão e nos tumores de cabeça e pescoço, mas também no câncer de esôfago, todos eles ligados à exposição direta ao tabagismo.

Para os médicos, a prevenção é uma mensagem importante e prática.

Dr. Jüri Reimand

Notavelmente, maiores níveis de consumo de tabaco foram associados a maiores cargas de mutações sem sentido, indicando que, quanto mais um indivíduo é exposto ao tabaco, maior é a probabilidade de surgirem mutações sem sentido que perturbam a função dos genes nas células expostas. Portanto, essas mutações “parecem ser influenciadas por fatores ambientais e de estilo de vida, como o tabagismo ou a exposição passiva à fumaça de tabaco”, escreveram os autores.

A equipe também descobriu que mutações sem sentido relacionadas à APOBEC associadas especificamente à expressão do gene APOBEC3A foram observadas em tumores de mama e de cabeça e pescoço. Normalmente, as enzimas APOBEC são componentes essenciais da defesa imunológica antiviral e da diversificação de anticorpos somáticos. Eles desativam os vírus, induzindo mutações sem sentido no RNA viral.

Constatou-se que amostras de câncer de mama com maior expressão de APOBEC3A tinham significativamente mais mutações sem sentido geradas por APOBEC, em comparação com tumores que tinham menor expressão desse gene.

Conforme o TCGA, nos tumores primários da mama, os processos da APOBEC foram associados a uma média de 1,1 mutações sem sentido por amostra e afetaram um quarto das amostras. Nos tumores da mama metastáticos, a carga foi maior (média de 2,3 mutações sem sentido por amostra; 32% das amostras), o que coincidiu com atividade mais prolongada ou níveis mais elevados da APOBEC em casos de neoplasias avançadas.

Implicações clínicas

“Para os médicos, [trabalhar pela] prevenção é importante e factível”, disse o Dr. Jüri. “Há décadas sabemos que fumar causa mutações no DNA que, por sua vez, provocam câncer. Mas, através destas mutações sem sentido, a ideia pode agora ser ainda mais compreensível para todos. Isto pode permitir a detecção precoce de indivíduos com maior risco de câncer, tais como tabagistas frequentes, que poderiam fazer exames mais cedo e com mais frequência.”

“À medida que começarmos a ter perfis ambientais e de estilo de vida dos pacientes mais detalhados em grandes conjuntos de dados genômicos tumorais, nos tornamos capazes de aprender mais sobre como surgem as mutações e como exatamente elas alteram as células”, acrescentou. “Hoje, não temos boas evidências para verificar as possíveis associações, mas, à medida que a comunidade desenvolve novos recursos genômicos para o câncer, podemos descobrir mais sobre como os nossos ambientes e hábitos moldam o genoma e a lógica celular no câncer.”

Comentando o estudo para o Medscape, a Dra. Christine Ambrosone, Ph.D., vice-presidente sênior de ciências populacionais e presidente de prevenção e controle no câncer no Roswell Park Comprehensive Cancer Center, nos Estados Unidos, disse: “Esta pesquisa fornece novas hipóteses sobre os mecanismos subjacentes da carcinogênese e o papel das mutações sem sentido e das mutações que truncam [genes] na etiologia do câncer, particularmente quando ocorrem em genes importantes, como o TP53”.

Dra. Christine Ambrosone

“É interessante [observar] o achado de que quanto mais um indivíduo é exposto ao tabagismo, maior é a probabilidade de adquirir estas mutações sem sentido”, disse a Dra. Christine, que não participou do estudo. “Esta pesquisa contribui para corroborar as evidências esmagadoras indicando que a exposição ao tabaco é uma das principais causas de tumores e é mais uma peça do quebra-cabeça que pesquisadores precisam montar para tratar e curar neoplasias.”

“No entanto”, acrescentou ela, “conscientizar as populações sobre os malefícios do uso do tabaco é o primeiro passo para a prevenção dos tumores relacionados ao tabagismo”.

O estudo foi financiado pelos seguintes fundos destinados ao Dr. Jüri Reimand: Project Grant of Canadian Institutes of Health Research, Operating Grant of the Cancer Research Society e Investigator Award from the Ontario Institute for Cancer Research. O Dr. Jüri Reimand também recebeu apoio do New Investigator Award do Terry Fox Research Institute. Os autores da pesquisa e a Dra. Christine Ambrosone informaram não ter conflitos de interesses relevantes ao tema.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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