Qual é o papel da medicina de precisão no acompanhamento de pacientes com câncer de mama? Para o Dr. Rodrigo Dienstmann, atual diretor do programa Medicina de Precisão das Oncoclínicas em São Paulo (SP) e pesquisador do grupo Oncology Data Science no Vall d’Hebron Instituto de Oncología (Espanha), embora existam estudos em andamento, a genômica ainda não é capaz de guiar o tratamento adjuvante na doença inicial. Por outro lado, a biópsia líquida vem se mostrando uma ferramenta promissora. “Se for possível fazer um clearance do DNA tumoral circulante (ctDNA) no contexto neoadjuvante, isso é altamente prognóstico”, destacou o médico na 24ª edição do congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC 2023), realizado em novembro no Rio de Janeiro.
Em sua apresentação, o Dr. Rodrigo afirmou que a biopsia líquida pode ser feita para doença residual mínima e para doença residual molecular no sentido de escalonar ou “desescalonar” terapias adjuvantes. No primeiro caso (doença residual mínima), a avaliação é feita em um único momento, enquanto, no segundo tipo (doença residual molecular), a avaliação é seriada.
Outra questão importante, segundo o médico, é que, quando se trata de biopsia líquida, é preciso lembrar que os painéis serão diferentes ─ a depender da gravidade da doença. “Os painéis de doença metastática não servem para a doença de mama inicial”, ressaltou.
Sensibilidade: um ponto importante
Tecnicamente, lembrou o palestrante, ao lidar com a biopsia líquida, os médicos precisam estar mais preocupados com a sensibilidade do teste do que com a razão de risco (em inglês: hazard ratio [HR]). E, nesse contexto, ainda há espaço para melhorar, pois a sensibilidade atualmente é relativamente baixa. “Existe uma perspectiva de melhora, mas não é aumentando o número de genes. Utilizar um e dois genes é pouco, mas mais que 16 é provavelmente desnecessário”, disse o Dr. Rodrigo, destacando que o caminho provavelmente será combinar outros testes à biopsia líquida, tal como um perfil de metilação.
Mas, ainda assim, ao lançar mão da biopsia líquida na doença inicial, é importante estar atento à qualidade do teste escolhido. "Temos de fazer o melhor teste disponível, não há espaço para qualquer teste, precisa ser o melhor, de altíssima sensibilidade”, apontou o médico, acrescentando que, provavelmente, será necessário testar mais de uma vez (teste seriado) para aumentar a precisão do resultado.
Cautela na interpretação: outro ponto importante
A biopsia líquida fornece um resultado positivo ou negativo. E os profissionais atuam de acordo com esse resultado. “Preciso saber se eu vou lidar com um paciente que vai recidivar”, afirmou o Dr. Rodrigo.
Em um dos estudos apresentados na sessão, foram utilizadas análises seriadas de ctDNA personalizadas em pacientes com câncer de mama positivo para receptor hormonal (HR)/negativo para HER2 e em pacientes com câncer de mama triplo-negativo recebendo quimioterapia neoadjuvante (estudo I-SPY2).
Os autores observaram que as taxas de positividade foram maiores entre as pacientes triplo-negativo. Mas a positividade do ctDNA foi associada a uma redução da sobrevida livre de recorrência em ambos os subtipos de câncer de mama. Já a negatividade do ctDNA após quimioterapia adjuvante foi relacionada com melhores resultados, mesmo em pacientes com câncer residual extenso. [1]
Mas, apesar de o resultado negativo na biopsia líquida estar associado a um prognóstico favorável, segundo o Dr. Rodrigo, é preciso cautela. “Mesmo [esse resultado] sendo negativo, ainda existe uma possibilidade muito grande de recidiva”, afirmou.
A grande dúvida, no entanto, é se algum dia a análise do ctDNA após cirurgia será capaz de revelar um valor preditivo negativo tão alto que possa determinar que a adjuvância não é necessária.
Para o Dr. Rodrigo, é possível que isso ocorra no futuro, particularmente para pacientes com câncer de mama triplo-negativo. “Na população positiva para HR, penso que não vamos conseguir eliminar a hormonioterapia adjuvante”, destacou, lembrando que, no momento, em função do método ainda apresentar uma relativa baixa sensibilidade, mais do que utilizar o ctDNA negativo para guiar tratamento, os estudos têm utilizado resultados positivos para escalonar a terapia.
Mesmo com a possível evolução do método, um aspecto que provavelmente será mantido é em quem não deve ser feito. “Não devemos testar população de baixo risco, mesmo quando a paciente puder arcar com os custos”, alertou o especialista, explicando que a biopsia líquida pode apresentar resultados falso-positivos e, com isso, gerar um estresse desnecessário.
Para o palestrante, é possível que o método se torne mais barato futuramente. “Sou um believer da biópsia líquida, 100%, mais até do que da biologia do tumor, no contexto da doença inicial para guiar o tratamento”, disse.
Não se deve crer que um único teste será a solução para todos os problemas, destacou o moderador da sessão, Dr. Carlos Barrios, professor da University of Miami (EUA), pesquisador do Centro de Pesquisa em Oncologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diretor do Grupo Latino Americano de Investigação Clínica em Oncologia (LACOG) e médico coordenador de Pesquisa Clínica do Grupo Oncoclínicas. “É preciso usar o PET, a resposta patológica completa, além de selecionar o tipo de doença específica. E, em cima disso, avaliar o resultado do ctDNA”, disse durante debate, afirmando que a combinação de várias estratégias é o que poderá indicar, com mais segurança, quais pacientes necessitam de mais tratamento e quais não.
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Citar este artigo: Biopsia líquida pode ajudar a tornar o tratamento oncológico mais personalizado - Medscape - 20 de novembro de 2023.
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