Os resultados de um estudo que utilizou um programa intensivo de quatro anos destinado à redução da pressão arterial (PA) mostram que a intervenção diminuiu não apenas a PA, mas também o risco global de demência de forma significativa durante esse período.
A demência por todas as causas — desfecho primário do estudo — teve redução significativa de 15% no grupo de intervenção versus grupo submetido ao tratamento convencional. O comprometimento cognitivo leve (CCL; fase pré-demencial), um desfecho secundário, também foi significativamente reduzido em 16%.
“A diminuição da PA é eficaz na redução do risco de demência em pacientes com hipertensão arterial”, concluiu o Dr. He Jiang, Ph.D., médico, professor de epidemiologia e medicina e diretor no Tulane University's Translational Science Institute, nos Estados Unidos. “Esta intervenção comprovada e eficaz deveria ser implementada em grande escala para reduzir o ônus global da demência.”
O Dr. He apresentou os resultados do China Rural Hypertension Control Project em 11 de novembro nas American Heart Association (AHA) Scientific Sessions 2023, evento realizado nos Estados Unidos.
Danos em órgãos-alvo
O Dr. Keith Ferdinand, médico também afiliado à Tulane University, comentou sobre os achados durante uma coletiva de imprensa feita durante o evento. Este resultado “abre a nossa oportunidade de reconhecer que os danos aos órgãos-alvo causados pela hipertensão agora também se aplicam à demência”, disse ele.
Os pesquisadores conseguiram “reduzir rigorosamente a PA de 157 para 127,6 no grupo intervenção, e de 155 para 147 no grupo controle e, observando os valores de p para todos os diversos desfechos, [notamos que] foram muito robustos”, explicou ele.
Outra característica interessante da estratégia utilizada neste estudo é que “foi uma verdadeira assistência feita em equipe”, ressaltou. Os intervencionistas treinados que atuaram no estudo, denominados “médicos rurais”, colaboraram com os médicos da atenção primária e iniciaram os medicamentos. “Eles seguiram um protocolo simples de tratamento e foram capazes de ajudar os pacientes, garantindo a adesão e a disponibilidade de medicamentos gratuitos, orientação de saúde sobre estilo de vida e aferição da PA em domicílio.”
Assim, acrescentou o médico, “uma das questões é se este modelo seria factível em outros lugares do mundo, em locais com poucos recursos e entre populações desfavorecidas nos EUA”.
Prioridade de saúde pública
Estima-se que o número global de pessoas vivendo com demência aumentará de 57,4 milhões em 2019 para 152,8 milhões em 2050, segundo o Dr. He. “Na ausência de tratamento curativo, a prevenção primária da demência por meio da redução dos fatores de risco, como a diminuição da PA, torna-se uma prioridade de saúde pública.”
Ensaios randomizados anteriores não tiveram tamanho amostral e duração suficientes, mas relataram uma melhora não significativa da demência, que foi associada ao tratamento anti-hipertensivo em pacientes com hipertensão ou história de acidente vascular cerebral, observou ele.
Este novo estudo teve como objetivo testar a eficácia da intervenção intensiva sobre a PA na redução do risco de demência por todas as causas e de déficit cognitivo durante um período de 48 meses de intervenção vs. assistência convencional.
Foi realizado um ensaio clínico aberto, cego em relação aos desfechos e randomizado por clado, com 33.995 indivíduos de 325 vilarejos na China que apresentavam hipertensão não tratada e idade ≥ 40 anos. Os vilarejos foram randomizados para os grupos de intervenção ou de assistência convencional, e estratificados por província, condado e município.
Os pacientes eram elegíveis se apresentassem PA sistólica média não tratada > 140 mmHg e/ou diastólica > 90 mmHg, ou PA sistólica média tratada > 130 mmHg e/ou diastólica > 80 mmHg. Também foram considerados elegíveis os pacientes que apresentavam história de doença cardiovascular, doença renal crônica ou diabetes e que apresentavam PA sistólica média > 130 mmHg e/ou PA diastólica > 80 mmHg em seis aferições feitas em dois dias diferentes.
Todos os participantes foram cadastrados no China New Rural Cooperative Medical Scheme, que providencia serviços de saúde a 99% dos residentes rurais, observou o Dr. He.
A intervenção foi um protocolo simples de cuidados escalonados para o tratamento da hipertensão arterial, com o objetivo de atingir uma PA sistólica < 130 mmHg e diastólica < 80 mmHg.
Os médicos rurais iniciaram e titularam o tratamento anti-hipertensivo com base em um protocolo, e conseguiram distribuir medicamentos gratuitos ou com desconto aos pacientes. Eles também deram orientações de saúde sobre modificação do estilo de vida e adesão ao tratamento, e instruíram os pacientes sobre o monitoramento domiciliar da PA.
Os pacientes receberam treinamento, supervisão e foram atendidos por médicos da atenção primária e por especialistas em hipertensão.
Na consulta de acompanhamento no 48o mês, os participantes foram avaliados por neurologistas que apresentavam cegamento em relação à randomização. Os especialistas fizeram vários testes e avaliações, como a coleta de dados sobre a história clínica e psiquiátrica do paciente e sobre fatores de risco de demência, bem como avaliação neurológica usando o Mini-Mental State Examination, o Functional Activities Questionnaire e o Quick Dementia Rating System.
O desfecho primário foi demência por todas as causas, definida de acordo com as recomendações dos grupos de trabalho para as diretrizes diagnósticas da doença de Alzheimer do National Institute on Aging e da Alzheimer's Association.
Os desfechos secundários foram o CCL, um desfecho composto de demência ou CCL e outro composto de demência ou óbito.
O diagnóstico final de demência por todas as causas ou CCL foi feito por um painel de especialistas com cegamento para a intervenção.
Após 48 meses, 91,3% dos pacientes completaram o acompanhamento para desfechos clínicos. Os participantes apresentavam em média 63 anos de idade, 61% eram mulheres e 23% tinham grau de escolaridade menor do que o ensino fundamental, observou o Dr. He.
As diferenças líquidas entre os grupos nas reduções das PAs sistólica e diastólica foram de 22,0 e 9,3 mmHg, respectivamente (p < 0,0001).
Também foram observadas diferenças significativas entre os grupos no desfecho primário e em todos os secundários.
Eventos adversos graves foram mais comuns no grupo de assistência convencional, e não houve diferença entre os grupos na ocorrência de quedas ou síncope.
Resultados dos desfechos primário, secundários e de segurança |
||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Desfecho |
Redução intensiva da PA |
Assistência convencional |
Risco relativo (intervalo de confiança de 95%) |
Valor de p |
||
N |
Taxa por ano (%) |
N |
Taxa por ano (%) |
|||
Desfecho primário |
668 |
1,12 |
734 |
1,31 |
0,85 (0,76-0,95) |
0,0035 |
CCL |
2.506 |
4,19 |
2.808 |
5,02 |
0,84 (0,80-0,87) |
< 0,0001 |
Demência ou déficit cognitivo |
3.174 |
5,31 |
3.542 |
6,34 |
0,84 (0,81-0,87) |
< 0,0001 |
Demência ou óbito |
1.908 |
3,04 |
2.092 |
3,54 |
0,86 (0,81-0,92) |
< 0,0001 |
Evento adverso grave |
6.201 |
9,16 |
6.329 |
9,86 |
0,94 (0,91-0,98) |
0,0006 |
Queda com necessidade de atendimento médico |
166 |
0,25 |
157 |
0,24 |
1,01 (0,80-1,28) |
0,92 |
Síncope com necessidade de atendimento médico |
127 |
0,19 |
102 |
0,16 |
1,20 (0,87-1,66) |
0,27 |
Segundo o Dr. He, o efeito se manteve em todos os subgrupos de idade, sexo, escolaridade, tabagismo, índice de massa corporal, PA sistólica e glicemia plasmática de jejum no início do estudo.
Primeira evidência definitiva
O Dr. Daniel W. Jones, médico afiliado ao University of Mississippi Medical Center, nos Estados Unidos, ex-presidente da AHA e convidado para debater o estudo, apontou que resultados anteriores do China Rural Hypertension Control Project sobre desfechos cardiovasculares, relatados no início de 2023 no periódico Lancet, mostraram que, de forma semelhante aos achados do grande estudo SPRINT, a redução da PA sistólica para uma meta inferior a 130 mmHg durante o acompanhamento de 36 meses reduziu um desfecho composto de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca com necessidade de hospitalização e morte por doença cardiovascular.
Os achados do SPRINT também sugeriram uma possível redução nos índices de demência, comparou ele.
Agora, nestes novos resultados, “houve um benefício claro do controle intensivo da PA na redução do risco de demência e disfunção cognitiva”, disse ele. "Esta é, de forma relevante, a primeira evidência definitiva de redução do risco de demência demonstrada em um ensaio clínico controlado e randomizado. Este achado corrobora os dados observacionais que mostram uma forte relação entre PA e demência."
Porém, por ser o primeiro estudo desse tipo, a replicação dos resultados é muito importante, observou ele.
A pesquisa também mostrou que a intervenção, recorrendo a médicos rurais com um treinamento mínimo, manteve o controle da PA durante 48 meses. “Este modelo pode ser usado, com modificações, em qualquer cenário, inclusive nos EUA”, concluiu.
O estudo foi subsidiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia da China. Os pesquisadores estadunidenses não receberam suporte financeiro para este estudo. Os pesquisadores e o Dr. Daniel W. Jones informaram não ter conflitos de interesse financeiros relevantes ao tema.
American Heart Association (AHA) Scientific Sessions 2023. Apresentado em 11 de novembro de 2023.
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
Créditos: Imagem principal: Getty Images
Medscape Notícias Médicas © 2023 WebMD, LLC
Citar este artigo: Redução da pressão arterial diminui risco de demência - Medscape - 20 de novembro de 2023.
Comente