Quando um paciente recém-diagnosticado com câncer chega à consulta, ele espera que o médico proponha uma intervenção terapêutica de imediato para combater a neoplasia; no entanto, quando a conduta indicada é a vigilância ativa, “há um paradigma a ser quebrado”, afirmou o Dr. Murilo Luz, uro-oncologista na Beneficência Portuguesa de São Paulo, em entrevista ao Medscape sobre os desafios da vigilância ativa.
A expectativa pelo tratamento não surpreende, além da alta letalidade do câncer em geral e do alerta social sobre os perigos da doença, que é tema de novelas, filmes e livros, a vigilância ativa, atualmente comum e indicada especialmente em casos de câncer de próstata ou tireoide, é uma conduta relativamente recente. “Antigamente, ao menor sinal de neoplasia evidenciada pela biópsia, tínhamos a necessidade intempestiva de tratar com cirurgia ou radioterapia. No entanto, diversos estudos começaram a demonstrar que essa abordagem não estava melhorando a mortalidade [associada ao câncer de próstata] na população masculina. Estávamos simplesmente fazendo um overtreatment [ou tratamento prescindível], submetendo pacientes, que provavelmente não precisavam, a procedimentos invasivos ou a toxicidade”, compartilhou o Dr. Fabio Schutz, oncologista e coordenador no setor de oncologia clínica na Beneficência Portuguesa de São Paulo, que também concedeu entrevista ao Medscape sobre o tema.
Apesar de a vigilância ativa ser uma conduta clínica totalmente respaldada pelas diretrizes atuais, o Dr. Murilo ponderou que não é amplamente aceita “por gerar muita insegurança”. Segundo o médico, “é preciso muita didática e confiança na relação médico-paciente para que ele aceite se submeter a essa abordagem acreditando que será segura e eficaz”, afirmou.
Para o Dr. Fabio, a parceria multidisciplinar é fundamental; o urologista precisa estar alinhado com o oncologista, pois ambos são parte integral dessa abordagem. Além disso, é necessário que o paciente tenha uma boa adesão terapêutica e comprometimento com a própria saúde, pois é preciso comparecer a consultas com regularidade, bem como realizar exames de PSA a cada três ou seis meses e repetir a ressonância magnética e a biópsia com mais frequência, explicou o Dr. Fabio. “Esses são critérios fundamentais para que a vigilância ativa seja feita de maneira segura”, enfatizou.
O Dr. Murilo concorda: um dos principais impeditivos para que o paciente aceite seguir com a vigilância ativa, disse o médico, é o compromisso com o processo, que requer visitas mais frequentes ao hospital para os exames de acompanhamento.
Os pacientes costumam questionar se existe risco de a neoplasia progredir muito rapidamente caso adotem a vigilância ativa ou, no caso dos pacientes mais novos, se a doença poderia progredir no futuro, impossibilitando o tratamento. “Digo aos pacientes que, se a doença progredir, será de maneira bastante lenta e nós identificaremos logo, sem perder a janela de oportunidade do tratamento”, disse o Dr. Murilo, afirmando que explica ao paciente que ele será monitorado de maneira segura e, se necessário, poderá partir para as intervenções terapêuticas em tempo hábil.
O médico pontua também que clareza e simplicidade são importantes ao explicar as opções terapêuticas para o paciente, com tempo para o esclarecimento de todas as dúvidas. No entanto, fatores cruciais para essa escolha são o nível de escolaridade e a formação sociocultural do paciente. Segundo o Dr. Murilo, esses elementos também interferem na compreensão sobre as repercussões das intervenções cirúrgicas e da radioterapia.
Os indivíduos que recusam a vigilância ativa e seguem diretamente para o tratamento justificam que se sentem mais confortáveis com essa abordagem, pois desejam realmente eliminar o tumor do próprio organismo. Geralmente, a cirurgia é a primeira escolha, pois, embora a radioterapia seja bastante efetiva, a ideia de que o tumor “permanece dentro do organismo” é comum. “Cabe a nós, médicos, esclarecer esses temores e anseios com base na realidade científica. É um esforço para que o paciente compreenda que o tratamento, seja cirúrgico ou radioterápico, não necessariamente resulta em uma probabilidade maior ou menor de cura”, comentou o Dr. Murilo.
Independentemente de a consulta ser feita via Sistema Único de Saúde (SUS) ou na rede privada, o atendimento no qual a conduta será discutida requer mais tempo, visto que é preciso conversar com o paciente, explicar a indicação e como a vigilância ativa funciona. Os protocolos adotados pelos hospitais terciarios ou universitários, para os quais os pacientes do SUS que recebem diagnóstico de câncer são encaminhados, adaptam a extensão das consultas para cada fase do atendimento: diagnóstico, planejamento terapêutico e acompanhamento. “Mesmo com a alta demanda no SUS, temos conseguido fazer o gerenciamento do tempo para trabalhar a vigilância ativa, principalmente na consulta inicial”, disse o Dr. Murilo. “Uma vez explicado o processo, o protocolo torna-se mais dinâmico”, afirmou.
Em termos econômicos, ambos os médicos concordaram que, tanto a vigilância ativa como o tratamento são onerosos, pois demandam consultas, exames e intervenções terapêuticas. No entanto, estudos de custo-efetividade indicam que, em curto prazo, a vigilância ativa é a opção mais barata, além de ser menos invasiva. Em uma avaliação de dados do mundo real conduzida por Magnani et al., [1] concluiu-se que a vigilância ativa teve um custo menor quando comparada à cirurgia (−47,6%) e à radioterapia (−68,2%) em um período de dois anos. Quando as abordagens foram reavaliadas com cinco anos de acompanhamento, essa vantagem diminuiu para −5,6% e −37,8%, respectivamente. O mesmo foi observado no trabalho de Sharma et al., [2] onde os autores concordam que a vigilância ativa é uma estratégia custo-efetiva no controle do câncer de próstata localizado durante os primeiros anos após o diagnóstico. Conforme o acompanhamento se prolonga, a relação de custo-efetividade tende a diminuir.
No contexto privado, o Dr. Fabio diz que a vigilância ativa é vista com bons olhos pelas fontes pagadoras. “Acredito que essa prática reduza um pouco a sobrecarga do sistema de saúde”.
Sobre o uso sistemático da vigilância ativa no SUS, está sendo conduzido um estudo de coorte multicêntrico em escala nacional, o VigiaSUS, pautado na implementação de um protocolo de vigilância ativa em pacientes com câncer de próstata. O projeto tem como objetivos: “diminuir em 50% o número de intervenções (prostatectomias e/ou radioterapia) em pacientes com câncer de próstata de risco favorável; realizar análise de custo-efetividade da estratégia de vigilância ativa em relação à cirurgia e radioterapia; avaliar os desfechos oncológicos, qualidade de vida, diferenças étnico-raciais e aspectos econômicos; desenvolver o protocolo assistencial de vigilância ativa; e capacitar urologistas, radioterapeutas e oncologistas dos centros participantes do estudo em todas as regiões do país”. [3]
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Citar este artigo: Os desafios da vigilância ativa: ‘há um paradigma a ser quebrado’ com o paciente - Medscape - 16 de novembro de 2023.
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