Como se defender de ataques nas redes sociais

Tara Haelle

17 de novembro de 2023

Estados Unidos – Um vídeo de apenas 15 segundos se tornou um fenômeno viral e temporariamente abalou a vida e interrompeu a o atendimento no consultório da  Dra. Nicole Baldwin, pediatra, em janeiro de 2020. Na reunião anual da American Academy of Pediatrics, ela compartilhou com os participantes como o seu vídeo pró-vacina no TikTok levou uma horda de ativistas antivacinas a inundar os seus perfis nas redes sociais, a deixar comentários com histórias falsas sobre o seu atendimento médico em vários sites de revisão médica e a ameaçá-la pessoalmente.

A resposta inicial ao vídeo foi positiva, com 50 mil visualizações nas primeiras 24 horas após a postagem e mais de 1,5 milhão de visualizações no dia seguinte. No entanto, dois dias depois da publicação, um ataque organizado inciado no Facebook exigiu que a Dra. Nicole recrutasse a ajuda de 16 voluntários, trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana, para ajudar a banir e bloquear mais de 6 mil usuários do Facebook, Instagram e TikTok. Apenas quatro dias após o vídeo ter ido ao ar, ela precisou relatar ameaças pessoais à polícia e começou a contatar sites como Yelp, Google, Healthgrades, Vitals, RateMDs e WebMD para que removessem comentários falsos sobre suas atividades profissionais.

Dra. Nicole Baldwin

Hoje, anos após essas duas semanas cansativas de intensos ataques, a Dra. Nicole encontrou duas vantagens na experiência: mais pessoas conheceram os seus perfis, permitindo-lhe compartilhar informações baseadas em evidências com um público ainda maior; e agora ela pode ajudar outros médicos a se protegerem e a reduzirem o risco de enfrentar ataques semelhantes, ou orientá-los sobre como lidar com essa situação. A médica compartilhou muitas dicas e recursos durante a sua palestra para ajudar os pediatras a se prepararem para a possibilidade de se tornarem alvos, quer o tema seja vacinas ou outro qualquer.

Riscos e benefícios on-line

Uma enquete da Pew feita nos Estados Unidos com adultos, em setembro de 2020, identificou que 41% foram vítimas de assédio on-line, com um quarto tendo sofrido assédio grave. Mais da metade dos entrevistados respondeu que o assédio e o bullying on-line são um grande problema — e a pesquisa abrangeu a população geral, não só médicos e cientistas.

"Agora, esses números seriam maiores", disse a Dra. Nicole. "Muita coisa mudou nos últimos três anos; o panorama é muito diferente".

A pandemia contribuiu para essas mudanças, aumentando, inclusive, o assédio a médicos e pesquisadores. Um estudo de junho de 2023 revelou que dois terços dos 359 entrevistados em uma pesquisa on-line disseram ter sofrido assédio nas redes sociais, um número substancial mesmo após contabilizar o viés de seleção das pessoas que optaram por responder à pesquisa. Embora a maioria dos ataques (88%) estivesse relacionada à defesa dos direitos do paciente on-line por parte dos entrevistados, quase metade (45%) se referiam ao sexo do médico, 27% se referiam à raça e/ou etnia e 13% à orientação sexual.

Embora os comentários de ódio sejam provavelmente o tipo mais comum de assédio on-line, outras manifestações podem incluir o compartilhamento ou a marcação (tagging) do seu perfil, criação de perfis falsos para difamação, comentários falsos sobre o seu trabalho, telefonemas e mensagens de ódio direcionados a seu consultório, além de práticas como pesquisa virtual e divulgação de dados privados (doxxing), em que alguém divulga amplamente on-line o seu endereço pessoal, número de telefone, e-mail ou outras informações de contato.

Apesar dos riscos de todas essas formas de assédio, a Dra. Nicole reforçou o valor de os médicos se manterem presentes nas redes sociais, dado o grau de desinformação que floresce on-line. Recentemente, um relatório da Kaiser Family Foundation revelou a incerteza das pessoas em relação à veracidade de alegações sobre saúde. Apenas um terço das pessoas tinha certeza de que as vacinas anticovídicas não causaram milhares de mortes em pessoas saudáveis, e só 22% delas estavam seguras de que a ivermectina não é um medicamento eficaz para a covid-19.

"Há tanta coisa que precisamos fazer e ajustar nessas plataformas para disponibilizar conteúdo baseado em evidências, de modo que as pessoas não se deparem com tantas informações equivocadas compartilhadas por outros usuários", disse a Dra. Nicole. Ela ainda destacou a importância de manter uma presença on-line, dado que o público ainda tem altos níveis de confiança nos seus médicos.

"Eles confiam no seu próprio médico, e, embora você possa não ser o médico que os atende, pela minha experiência, quando você constrói uma comunidade de seguidores, se torna uma fonte confiável de informações, e isso é muito importante", disse a Dr. Nicole. "Há lugar para todos no ciberespaço, e precisamos de todos vocês".

A Dr. Nicole revelou então o que as pessoas deveriam fazer para tornar as coisas mais fáceis no caso de um futuro ataque. "A melhor defesa é um bom ataque”, disse, "portanto, certifique-se de que todas as suas contas estão seguras".

Ela recomendou as seguintes medidas:

Para os médicos alvos de ataques especificamente devido à defesa da vacinação, a Dr. Nicole recomendou entrar em contato com o Shots Heard Round the World , site criado por um médico cujo consultório foi atacado por ativistas antivacinas. O site disponibiliza um kit de ferramentas que qualquer pessoa pode baixar para obter dicas sobre como preparar-se para possíveis ataques e o que fazer caso seja alvo de um.

Em seguida, a Dr. Nicole analisou como configurar diferentes perfis de redes sociais para ocultar automaticamente determinados comentários, incluindo aqueles com palavras comumente usadas por assediadores e trolls on-line:

  • Ovelhas

  • Gado

  • Farma

  • Cúmplice

  • Morra

  • Psicopata

  • Palhaço

  • Vários palavrões

  • O emoji do palhaço

No Instagram, acesse "Configurações e privacidade > Palavras ocultas" para configurar opções de esconder comentários e mensagens ofensivas, bem como para gerenciar palavras e frases personalizadas que devem ser automaticamente ocultadas.

No Facebook, acesse o “Painel de controle profissional > Assistência à Moderação” para adicionar ou editar critérios que ocultarão automaticamente comentários em sua página. Além de esconder comentários com palavras-chave, você pode ocultar aqueles de contas novas, contas sem fotos de perfil ou contas sem amigos ou seguidores.

No TikTok, clique no ícone de três linhas do menu no canto superior direito e escolha "Privacidade > Comentários > Filtrar palavras-chave".

Na plataforma X, anteriormente conhecida como Twitter, acesse " Configurações e suporte > Configurações e privacidade > Privacidade e segurança > Silenciar e bloquear > Palavras silenciadas".

No YouTube, acesse "Gerenciar a sua comunidade e comentários" e selecione "Saiba sobre as definições de comentários".

A Dra. Nicole não desencorajou os médicos a postar sobre tópicos controversos, mas disse que é importante estarem cientes de quais são esses temas, o que é fundamental para que estejam preparados para a possibilidade de que uma postagem resultar em assédio on-line. Esses tópicos incluem vacinas, segurança de armas de fogo, atendimento de afirmação de gênero, escolha reprodutiva, sono seguro/compartilhamento de camas, amamentação/aleitamento e máscaras contra a covid-19.

Se você publicar um destes temas e antecipar as chances de assédio, a Dr. Nicole recomenda ativar as suas notificações para estar ciente do início dos ataques e alertar sua equipe no consultório e a equipe da central de atendimento sobre a possibilidade de eles receberem chamadas. Uma outra dica é, quando possível, postar o seu conteúdo em um momento no qual seja mais provável que consiga monitorar a postagem. A Dra. Nicole reconheceu que esta última orientação nem sempre é relevante, uma vez que os ataques podem levar alguns dias para começar ou ganhar força.

Defendendo-se em um ataque

Mesmo após todas essas precauções, não é possível impedir um ataque, por isso a Dra. Nicole ofereceu sugestões sobre o que fazer caso ocorra, começando por respirar fundo.

"Se você for atacado, por favor mantenha-se calmo, o que é muito mais fácil dizer do que fazer", disse a médica. "Mas saibam que isso também passará. Estas coisas acabam.”

A pediatra aconselha a procurar ajuda, se necessário, recrutando amigos ou colegas para atuar na moderação e no banimento ou bloqueio. Caso preciso, alerte o seu empregador sobre o ataque, uma vez que os agressores podem entrar em contato com ele. Algumas pessoas podem optar por desativar os comentários no seu post, mas fazer isso "é uma decisão realmente pessoal", disse a médica. Não há problema em desativar comentários se não houver tempo ou suporte para lidar com eles.

No entanto, a Dra. Nicole disse que opta por não desativar os comentários, pois quer ser capaz de banir e bloquear as pessoas para diminuir a probabilidade de um ataque futuro. Além disso, cada comentário favorece a postagem no algoritmo, aumentando a visibilidade do conteúdo original. "Então, às vezes, essas coisas são uma bênção disfarçada", disse a médica.

Se os comentários estiverem habilitados, faça capturas da tela dos mais flagrantes ou ameaçadores e, em seguida, denuncie-os, além de banir e bloquear os autores. As capturas de imagem funcionam como evidências, já que o bloqueio removerá o comentário.

"Faça pausas quando precisar", disse a pediatra. "Não fique acordado a noite toda", já que só haverá mais pela manhã. E se você estiver usando palavras-chave para ocultar muitos desses comentários, isso irá escondê-los dos seus seguidores enquanto você estiver longe. A Dra. Nicole também aconselhou a monitorar as suas avaliações on-line em sites de revisão médica/consultórios para saber se está a recebendo comentários falsos que precisam ser removidos.

Ela também abordou como lidar com trolls, indivíduos on-line que intencionalmente antagonizam outras pessoas com comentários ou conteúdos inflamatórios, irrelevantes, ofensivos ou perturbadores. A regra nº 1 é não estabelecer contato — "não alimente os trolls" — mas a Dra. Nicole reconheceu que isso pode ser difícil algumas vezes. Em vez disso, ela usa a gentileza ou o humor para desarmar ou contrariar informações imprecisas, agradecendo em seguida por compartilharem sua opinião. É importante lembrar que você está no comando da sua própria página, por isso quaisquer reclamações sobre censura ou violação da liberdade de expressão não são relevantes.

Se os comentários estão ficando fora de controle e você não conseguir administrá-los, várias plataformas de redes sociais oferecem opções para limitar interações ou controlar quem pode comentar na sua página.

No Instagram, em "Configurações e privacidade", verifique "Interações limitadas", "Comentários > Permitir comentários de" e "Marcações e Menções" para restringir quem pode comentar, marcar ou mencionar a sua conta. Se precisar de uma pausa completa, é possível desativar os comentários clicando nos três pontos no canto superior direito da publicação, ou tornar a sua conta temporariamente privada em "Configurações e privacidade > Privacidade da conta".

No Facebook, clique nos três pontos no canto superior direito das publicações para selecionar "Quem pode comentar na sua publicação?" Além disso, em "Configurações > Privacidade > Sua Atividade", você pode ajustar quem visualiza suas futuras publicações. Se as coisas estiverem fora de controle, aqui há também a opção para desativar temporariamente a sua página em "Definições > privacidade > Informações da página no Facebook".

No TikTok, clique nas três linhas no canto superior direito do seu perfil e selecione "Privacidade > Comentários" para ajustar quem pode comentar e filtrar comentários. Para tornar sua conta privada, acesse "Definições e privacidade > Privacidade > Conta privada".

Na plataforma X, anteriormente conhecida como Twitter, clique nos três pontos no canto superior direito do tuíte para alterar quem pode responder a ele. Se optar por selecionar "Somente você", então ninguém pode responder a não ser que tenha sido mencionado. É possível controlar a marcação em "Definições e privacidade > Privacidade e segurança > Público, mídia e marcação".

Caso você ou o seu consultório se deparem com comentários falsos em sites de revisão, denuncie esses comentários e alerte o site sempre que possível. Além disso, deixe suas contas de redes sociais no modo privado e certifique-se de que não há fotos da sua família disponíveis publicamente.

Autocuidado nas redes sociais

A Dr. Nicole reconheceu que sofrer um ataque nas redes sociais pode ser intenso e até assustador, mas destacou que isso é raro e superado pelos "inúmeros comentários positivos recebidos constantemente". A pediatra também lembrou aos participantes que estar nas redes sociais não significa estar disponível o tempo todo.

"Com o tempo, a forma como utilizo as redes sociais certamente mudou. É um processo dinâmico", disse a médica. "Há momentos em que estou bastante ativa e posto muito, mas também enfrentei dificuldades com a minha saúde mental, experenciando ansiedade e depressão leve, então fiz uma pausa nas redes sociais durante algum tempo. Quando voltei, publiquei sobre as minhas lutas relacionadas à saúde mental, e vocês não acreditariam em quantas pessoas apreciaram isso.

Informações precisas de uma fonte confiável

Em última análise, a Dra. Nicole vê a sua presença on-line como uma extensão do seu trabalho de orientação dos pacientes.

"É lá que os nossos pacientes estão. Eles ficam no seu consultório por apenas 10 a 15 minutos, talvez uma vez por ano, mas estão nessas plataformas todos os dias durante horas", disse a médica. "Eles precisam receber essas informações dos médicos, porque há pessoas aleatórias por aí que estão divulgando desinformação".

A médica osteopata Dra. Elizabeth Murray, pediatra emergencista no Golisano Children’s Hospital da University of Rochester, concordou que há um valor substancial quando médicos compartilham informações precisas on-line.

"A desinformação e a informação falsa que visam enganar estão se proliferando, mas, no fim das contas, conhecemos os fatos", disse a Dra. Elizabeth. "Sabemos o que os pais querem ouvir e o que querem aprender, por isso precisamos compartilhar essas informações e fornecer os fatos".

A Dra. Elizabeth achou a sessão muito útil, porque há muito a aprender sobre diferentes plataformas de redes sociais, e isso pode parecer impossível se não estivermos familiarizados com as ferramentas.

"As redes sociais vão estar sempre aqui. Precisamos aprender a conviver com todas essas plataformas", disse a Dra. Elizabeth. "É um conjunto de habilidades que precisamos aprender e ensinar aos nossos filhos. Nunca se sabe ao certo o que se pode postar, pois, mesmo que pareça inocente ou fundamentado pela ciência, por diversas razões pode causar problemas a alguém. Talvez vocês estejam prontos, porque em pediatria nossa ênfase principal é a prevenção".

Não houve financiamento para esta apresentação. A Dra. Nicole Baldwin e a Dra. Elizabeth Murray informaram não ter conflitos de interesse.

Este conteúdo foi originalmente publicado no MDedge — Medscape Professional Network.

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