A intensificação dos conflitos na Faixa de Gaza deixou hospitais, médicos e pacientes na linha de fogo. Ao longo do último final de semana, ganharam os noticiários e as redes sociais as ofensivas militares em hospitais na Faixa de Gaza ─ em especial no maior hospital da região, o Al-Shifa. Na madrugada de quarta-feira (14), veio a público a invasão do Al-Shifa, que fica ao Norte de Gaza. Sem eletricidade, água, insumos básicos ou medicamentos, o hospital abriga ainda milhares de refugiados.
Organizações internacionais se manifestam pela garantia de proteção aos estabelecimentos e equipes de saúde na região, e profissionais enfentam o dilema de resguardar a própria vida ou prestar atendimento médico à população.
“Estamos extremamente preocupados com a segurança dos funcionários e dos pacientes. Protegê-los é fundamental”, afirmou o diretor-geral da organização, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, Ph.D.
As forças de defesa de Israel afirmam que se trata de uma operação de precisão, baseada em informação de inteligência e “direcionada contra o Hamas em uma área muito específica do Hospital-Shifa”, e que segue fazendo o possível para mitigar o risco aos civis.
Na avaliação do diretor-geral da OMS, “mesmo se instalações de saúde forem usadas com fins militares, aplicam-se sempre os princípios da distinção, precaução e proporcionalidade.”
“A segurança dos pacientes e do pessoal, bem como a integridade dos sistemas de cuidados de saúde na comunidade em geral, são de extrema preocupação. O direito humanitário internacional deve ser respeitado”, disse o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Após a ação israelense no maior hospital do enclave palestino, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução em que pede “pausas e corredores humanitários urgentes e prolongados em toda a Faixa de Gaza”.
A OMS afirma que as dificuldades de comunicação com o território impediram atualizações sobre o número de mortos e feridos nos últimos dias. A entidade conseguiu confirmar, contudo, uma ampla redução na capacidade de resposta dos serviços de saúde.
Segundo a organização, apenas um quarto dos hospitais em Gaza está atualmente funcionando. Dos 36 existentes na região, 26 estão fechados devido a danos nas instalações ou por falta de combustível para operar os geradores.
O total de leitos hospitalares caiu de 3.500, antes do início dos conflitos, para cerca de 1.400 leitos. A região tem uma população de aproximadamente de 2,2 milhões de pessoas.
Em declaração conjunta, representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Fundo de População das Nações Unidas apelam por “medidas internacionais urgentes com o intuito de cessar imediatamente os ataques a instituições de saúde em Gaza”.
“Bebês prematuros e recém-nascidos em suporte de vida estão morrendo devido a cortes de energia, oxigênio e água no hospital Al-Shifa, enquanto outros estão em risco. Os funcionários de vários hospitais relatam falta de combustível, de água e de suprimentos médicos básicos, colocando a vida de todos os pacientes em risco imediato”, diz o texto.
A situação no hospital Al-Shifa também foi destacada por instituições humanitáriaas como Médicos sem Fronteiras (MSF) e pelo Crescente Vermelho, que seguem atuando no Norte de Gaza.
No fim de semana, profissionais de saúde britânicos realizaram uma vigília em frente à residência oficial do primeiro-ministro em Londres. Eles traziam cartazes com 189 nomes de trabalhadores do setor que já teriam morrido desde o começo do conflito.
O cuidado como prioridade
Com geradores inoperantes devido à falta de combustível, médicos realizam cirurgias e outros procedimentos com o auxílio da lanterna de seus celulares. Diante da falta de anestésicos e de medicamentos para controle da dor, mesmo amputações estão sendo feitas sem sedação.
Neste contexto, indaga-se por que muitas equipes de saúde resistem em deixar o local, e migrar para o sul, seguindo as exigências de Israel. “Você acha que eu fiz uma faculdade de medicina e uma pós-graduação, por um total de 14 anos, apenas para pensar na minha vida e não na dos meus pacientes? (...) Esta não é a razão pela qual me tornei médico.” disse o Dr. Hammam Alloh, um reconhecido médico palestino, em entrevista à jornalista Amy Goodman, do portal Democracy Now. “Se eu for, quem vai cuidar dos meus pacientes? Nós não somos animais. Temos o direito de receber atendimento médico adequado. Não podemos simplesmente ir embora.”
A entrevista foi concedida em 31 de outubro, por telefone. Dr. Hammam Alloh e outros membros de sua família morreram após um bombardeio aéreo atingir a sua casa no sábado (12). O médico atuava no hospital Al-Shifa.
Além do risco de vida, os profissionais em Gaza enfrentam o peso emocional de não conseguir fornecer os cuidados desejados aos pacientes em um cenário de guerra, sem recursos e sem descanso.
Ao longo do fim de semana, as redes sociais foram inundadas de imagens de profissionais de saúde e pacientes em sofrimento. Um vídeo mostrando bebês prematuros aglomerados em arranjos improvisados, depois que as incubadoras deixaram de funcionar com a falta de eletricidade, foi um dos mais compartilhados.
O número de vítimas entre os profissionais de saúde sensibilizou colegas de profissão em diversas partes de mundo. Associações de médicos de vários países vêm prestando solidariedade aos profissionais de Gaza e se juntado ao coro que pede o fim das hostilidades contra os estabelecimentos de saúde.
Créditos:
Imagem principal: Dreamstime
Medscape Notícias Médicas © 2023 WebMD, LLC
Citar este artigo: Saúde na linha de fogo: ‘Se eu for embora, quem vai tratar meus pacientes?’ - Medscape - 15 de novembro de 2023.