A intervenção coronária percutânea (ICP) em pacientes com doença arterial coronariana (DAC) estável reduz a frequência dos episódios de angina, aumenta a capacidade de realizar exercícios físicos e melhora a qualidade de vida, segundo resultados de um estudo randomizado e controlado por placebo, revelando vantagens que não haviam sido comprovadas até então.
“O efeito da ICP foi imediato e se manteve durante 12 semanas, sendo consistente em todos os desfechos”, disse o Dr. Christopher A. Rajkumar, cardiologista intervencionista ligado ao Imperial College Healthcare Trust, no Reino Unido.
Os resultados do estudo ORBITA-2 foram apresentados recentemente nas Sessões Científicas de 2023 da American Heart Association e simultaneamente publicados on-line no periódico New England Journal of Medicine.
A melhora dos sintomas tem sido uma justificativa para a ICP em pacientes com DAC estável, mas as evidências relacionadas eram provenientes de estudos não controlados, disse o Dr. Christopher. Todavia, o primeiro estudo ORBITA, que também era controlado por placebo e randomizado, não demonstrou benefícios.
O Dr. Christopher reconheceu que o benefício da intervenção coronária percutânea no ORBITA-2 foi menor do que o relatado anteriormente em estudos não randomizados. Ele também apontou que 59% dos pacientes ainda apresentavam pelo menos alguns sintomas de angina após a ICP.
Embora o estudo ORBITA-2 demonstre que a ICP é superior ao placebo (nenhuma intervenção), ele concordou que pacientes bem orientados, incluindo aqueles que desejam evitar um procedimento invasivo, ainda podem escolher de forma sensata o tratamento farmacológico antianginoso em vez da cirurgia. As diretrizes atuais recomendam a realização de intervenção coronária percutânea em pacientes com angina refratária ao tratamento clínico.
Embora o Dr. Christopher não estivesse inclinado a especular sobre como esses dados poderiam mudar as diretrizes, ele disse que agora os pacientes com DAC estável e angina “têm a opção de [escolher entre] dois tratamentos de primeira linha respaldados por evidências”.
Um estudo ‘notável’
"O ORBITA-2 é um estudo bastante notável, pois colegas cirurgiões me perguntam há muitos anos se a ICP realmente funciona", disse o médico Dr. Martin B. Leon, professor de medicina vinculado ao Columbia University Irving Medical Center, nos Estados Unidos.
"Agora posso afirmar com confiança, com base em um estudo controlado por placebo, que a ICP certamente tem um impacto favorável em pacientes com angina comprovada, estenose coronariana grave e isquemia demonstrada".
Os principais critérios de inscrição para o estudo ORBITA-2 foram a presença de angina, estenose coronária grave em pelo menos um vaso e isquemia verificada em exames de imagem realizados sob estresse ou por meio de métodos invasivos. Ao contrário do estudo ORBITA, que se limitou à doença uniarterial e não exigiu evidências objetivas de isquemia, o ORBITA-2 utilizou as alterações no quadro clínico da angina como desfecho primário, em vez da melhora na capacidade de exercício físico.
Em relação à intervenção simulada (placebo), os pacientes selecionados aleatoriamente para o procedimento intervencionista tiveram um aumento de mais de duas vezes na razão de chances de melhora no controle da angina (razão de chances [RC] de 2,2; P < 0,001) com base em um escore capaz de registrar sintomas de angina e o uso de medicamentos antianginosos em um aplicativo para smartphone.
A vantagem da ICP sobre a intervenção simulada também foi significativa em todos os desfechos secundários, dentre os quais foi verificado um aumento de quase quatro vezes (RC de 3,76; P < 0,001) nas chances de melhora dos sintomas de angina segundo a escala da Canadian Cardiovascular Society (CCS) e um aumento de um minuto (de 10 minutos e 40 segundos para 11 minutos e 40 segundos) no tempo de exercício na esteira (P = 0,008).
Considerando a qualidade de vida mensurada por um questionário de autoavaliação e pelo instrumento EQ-5D-5L, quase todos os desfechos foram favoráveis à ICP com alta significância estatística (normalmente com um P < 0,001).
O estudo teve um desenho audacioso: ao ingressar na pesquisa, os pacientes interromperam o uso de todos os medicamentos antianginosos para serem submetidos a um ecocardiograma sob estresse com dobutamina e outros exames iniciais. Em seguida, os antianginosos foram suspensos novamente após duas semanas, no momento da randomização dos participantes.
Usando um protocolo de estudo que recrutou pacientes que não estavam usando medicamentos, “divergimos intencionalmente das diretrizes clínicas”, disse o Dr. Christopher.
Dos 439 participantes inscritos, 301 foram selecionados aleatoriamente após duas semanas, quando os pacientes já estavam sedados. Os pacientes do grupo controle permaneceram sedados por pelo menos 15 minutos. Todos os 151 pacientes randomizados para a intervenção coronária percutânea e os 150 pacientes do grupo controle poderiam ser submetidos à análise por intenção de tratar após 12 semanas.
Um escore inédito da carga de sintomas anginosos foi criado a partir do registro de episódios diários de angina e unidades de medicamentos antianginosos usadas diariamente por meio do aplicativo para smartphone. Numa escala ordinal, um escore diário igual a zero representaria a ausência de sintomas anginosos e a não utilização de antianginosos.
À medida que a gravidade da angina ou o uso de medicamentos aumentavam, os escores diários se elevavam. Caso fosse registrado um episódio de angina intolerável (obrigando que o paciente fosse retirado do cegamento da pesquisa), síndrome coronariana aguda, ou morte, esses eventos levariam aos maiores escores possíveis, chegando ao valor máximo de 79.
A razão de chances favorável à redução da carga de sintomas no grupo submetido à intervenção coronária percutânea refletiu uma diminuição relativa da angina observada no primeiro dia após o procedimento. Durante todo o período de acompanhamento, mais pacientes no grupo da ICP apresentaram um escore de angina igual a zero e mais pacientes com angina não tomaram medicamentos antianginosos.
A evidência objetiva de que a ICP reduziu os sintomas e melhorou a qualidade de vida dos pacientes com angina e doença arterial coronariana estável foi recebida na apresentação da AHA com aplausos efusivos.
ORBITA-2 aborda críticas ao ORBITA original
A Dr.ª Connie N. Hess, debatedora convidada pela AHA e cardiologista intervencionista ligada à University of Colorado Medicine, nos EUA, trouxe uma perspectiva sobre as diferenças entre os estudos ORBITA-2 e ORBITA. Segundo ela, o estudo atualizado "abordou uma hipótese completamente diferente", direcionando seu foco para a angina em vez da capacidade de realização de exercícios físicos.
Dentre as críticas ao estudo ORBITA original (que a Dr.ª Connie ressaltou ser o primeiro estudo controlado por placebo sobre ICP já realizado em pacientes com DAC estável), ela ressaltou as seguintes: a primeira foi a exclusão dos pacientes com doença multiarterial; a segunda foi o fato de que não havia necessidade de comprovação objetiva de isquemia; e a terceira foi que o estudo teve uma duração curta, de apenas seis semanas.
“O ORBITA-2 abordou muitas dessas preocupações”, disse a Dr.ª Connie. Porém, ao observar que 80% dos pacientes no estudo mais recente ainda tinham doença uniarterial, ela questionou se o verdadeiro efeito da intervenção coronária percutânea na melhora dos sintomas ainda poderia estar sendo subestimado.
O estudo ORBITA-2 foi apoiado pelas seguintes organizações: National Institute for Health and Care Research (NIHR) Imperial Biomedical Research Centre; Medical Research Council (NIHR); British Heart Foundation; Philips e St. Mary's Coronary Flow Trust.
O Dr. Christopher A. Rajkumar informou ter conflitos de interesses relevantes. O Dr. Martin B. Leon informou ter vínculos financeiros com as seguintes empresas: Abbott Vascular, Anteris, Boston Scientific, Edwards Lifesciences, Foldax e Medtronic. A Dr.ª Connie N. Hess informou ter vínculos financeiros com mais de 20 empresas farmacêuticas, mas nenhuma delas está relacionada ao tema do estudo.
Este conteúdo foi originalmente publicado no MDedge.com ─ Medscape Professional Network.
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Citar este artigo: ORBITA-2: Angioplastia finalmente comprovada como benéfica na angina estável - Medscape - 16 de novembro de 2023.
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