França — O rastreamento dos tumores de mama, de colo do útero e de próstata deve continuar a ser feito nas pessoas transexuais após o processo de transição, mas as técnicas devem ser adaptadas, disse o Dr. Gene De Haan, afiliado ao Interstate Medical Office East da Kaiser Permanente nos Estados Unidos. A declaração foi feita durante o último congresso da International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO 2023). [1]
Seja feminilizante ou masculinizante, o tratamento hormonal realizado para a transição de gênero está associado a aumento do risco de câncer, em especial de tumores dependentes de hormônios? "Há poucos dados em longo prazo, mas as informações disponíveis atualmente são tranquilizadoras", disse o ginecologista em resposta a uma preocupação frequente entre as pessoas transexuais.
De todo modo, as recomendações de rastreamento devem ser aplicadas e adaptadas ao sexo do indivíduo após a transição. Por exemplo, o rastreamento do câncer de mama é recomendado tanto para as mulheres como para os homens transexuais, enquanto a triagem do câncer de próstata continua a ser de interesse para mulheres transexuais.
Risco importante de câncer de mama
No que se refere ao rastreamento do câncer de mama, observam-se peculiaridades no caso dos indivíduos nascidos do sexo masculino e que usam estrogênio. Segundo as últimas recomendações da World Professional Association for Transgender Health (WPATH), "devem ser levadas em consideração a duração do tratamento hormonal, a dose, a idade atual e idade ao início da hormonioterapia".
As diretrizes criadas para as mulheres cisgênero devem ser aplicadas às pessoas nascidas do sexo feminino após um mínimo de cinco anos de tratamento hormonal feminilizante, disse o Dr. Gene. Na França, o rastreamento consiste em fazer a cada dois anos, a partir dos 50 anos de idade, uma mamografia seguida de ultrassonografia, se necessário, e o exame clínico das mamas.
A WPATH afirma que as mamas das mulheres transexuais, portanto que cresceram com o tratamento hormonal, podem parecer mais densas na mamografia. "Os implantes mamários ou a injeção de preenchimentos também podem tornar a mamografia mais difícil de interpretar", acrescentou o ginecologista, que é especialista em saúde de pessoas transexuais.
Embora continue menor do que nas mulheres cisgênero, o risco de câncer de mama nas mulheres transexuais não é negligenciável. Um estudo holandês com mais de 2 mil mulheres transexuais identificou cerca de 20 casos de câncer de mama após a hormonioterapia, com um acompanhamento mediano de 18 anos, o que significa uma incidência 46 vezes maior do que nos homens cisgênero, mas três vezes mais baixa do que nas mulheres cisgênero. [2]
Rastreamentos por vezes assustadores
Para os homens transexuais, o rastreamento por mamografia ainda é recomendado, mesmo que tenham optado pela mastectomia. Nesse caso, o risco de câncer ainda existe, uma vez que normalmente o tecido mamário não é inteiramente removido durante o procedimento, para aproximar o resultado do fenótipo masculino.
"A mastectomia nos homens transexuais não é igual à mastectomia indicada para a prevenção do câncer de mama para as mulheres em risco." Tecnicamente, a mamografia já não é mais possível após a cirurgia, mas a vigilância deve continuar, inclusive com o exame regular do tecido mamário residual.
Quando se trata de rastreamento do câncer cervical, também deve ser mantido para os homens transexuais. O rastreamento é feito a partir da coleta de material do colo do útero, com exame citológico em indivíduos entre 25 e 29 anos, e uma busca por papilomavírus humano (HPV) de alto risco em pessoas de 30 a 65 anos. Inicialmente o exame é feito de três em três anos, e passa a ser feito a cada cinco anos depois dos 30 anos de idade.
Para os homens transexuais, fazer a coleta de material do colo do útero "pode ser desagradável [em termos] físicos e emocionais", o que reforça a necessidade de adaptação do procedimento, disse o Dr. Gene. Como a testosterona causa atrofia das mucosas do trato genital, o exame pode ser desconfortável e doloroso.
"É importante que os profissionais assegurem que os exames com espéculo sejam feitos com cautela para minimizar a dor e o estresse provocados em pessoas transexuais masculinas", diz a WPATH. Se o procedimento for mal tolerado, a coleta pode ser feita após a sedação do paciente.
Redução do antígeno prostático específico (PSA) em uso de antiandrogênios
O autoteste de HPV parece ser o caminho mais apropriado. Além disso, alguns países como a Austrália e os Países Baixos recomendam esta alternativa para homens transexuais. Um estudo feito com esta população mostrou que, além de ter um excelente valor preditivo negativo (perto de 95%), o autoexame é muito elogiado por esses indivíduos. [3]
Por fim, o ginecologista lembrou que as mulheres transexuais ainda correm risco de ter câncer de próstata, mesmo em uso de estrogênio. A recomendação é que sejam informadas deste risco e do potencial benefício de serem testadas a partir dos 50 anos.
Deve-se ter em mente, no entanto, que alguns antiandrogênios prescritos como parte da hormonioterapia feminilizante podem reduzir o nível de PSA. "Para pacientes usando estrogênio ou antiandrogênio, é melhor reduzir o limiar normal de PSA, de 1 ng/mL."
Se houver indicação de um exame da próstata, pode-se considerar fazer o toque vaginal em vez de um exame retal, quando esta abordagem for possível. "Nas pacientes que fizeram vaginoplastia, a próstata pode ser palpada na parede anterior da neovagina", disse o especialista, que acredita que esta seja a via mais apropriada para avaliar adequadamente os contornos da próstata.
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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Citar este artigo: Rastreamento do câncer em pessoas trans: é preciso adaptar a conduta - Medscape - 16 de novembro de 2023.
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