Se o ritmo atual de emissão de gases estufa não for drasticamente reduzido, as consequências para a saúde da maior parte da população mundial serão "catastróficas", com aumento generalizado de mortes associadas ao calor, bem como de disseminação de doenças e aumento da pressão por atendimento médico.
A previsão é do 8º relatório Lancet Countdown, liderado pela University College London, que conta com a participação de 114 especialistas provenientes de 52 instituições de todo o mundo ─ inclusive da Organização Mundial da Saúde (OMS). O documento traz o que há de mais atualizado sobre as complexas relações entre alterações climáticas e efeitos na saúde humana.
O texto indica que, se o aumento da temperatura do planeta superar 2 ºC até 2100, o número de óbitos anuais relacionados ao calor pode crescer 375% até meados deste século. No compasso atual, a previsão é de um aumento de 2,7 ºC.
Nesse cenário, estima-se que doenças infecciosas potencialmente letais se espalhem ainda mais até 2050. A dengue, velha conhecida dos brasileiros, pode continuar a sua rápida expansão global, com potencial de transmissão aumentando em até 37%. A malária e o vírus do Nilo Ocidental também têm elevado risco de alastramento.
“Os perigos crescentes das alterações climáticas estão hoje custando vidas e meios de subsistência em todo o mundo. As projeções de um planeta 2 °C mais quente revelam um futuro perigoso, e são um lembrete sombrio de que o ritmo e a escala dos esforços de mitigação observados até agora têm sido lamentavelmente inadequados para salvaguardar a saúde e a segurança das pessoas”, afirmou a Dra. Marina Romanello, Ph.D., diretora-executiva do Lancet Countdown na University College London.
“Com 1.337 toneladas de dióxido de carbono emitidas a cada segundo, não estamos reduzindo as emissões de forma suficientemente ágil para manter os riscos climáticos dentro de níveis em que os nossos sistemas de saúde possam suportar", completou.
A alta das temperaturas dos oceanos também afetará a saúde dos seres humanos. Águas mais quentes favorecem, entre outras coisas, a propagação de bactérias Vibrio, que podem causar doenças diarreicas, infecções graves e sepse.
Desde 1982, as áreas costeiras adequadas ao patógeno cresceram cerca de 329 km por ano. O relatório prevê uma aceleração ainda mais intensa desse espalhamento, com aumento de casos de infecção humana entre 23% e 39% até meados do século.
A elevação das temperaturas, combinada a mudanças nos padrões de chuvas e à redução de áreas agricultáveis, pode restringir o acesso a alimentos a uma fatia maior da população mundial. Em um cenário de aumento de 2 ºC, as ondas de calor podem contribuir para que mais de 524,9 milhões de pessoas se enquadrem no status de insegurança alimentar entre 2041 e 2060, elevando os níveis globais de desnutrição.
Diante de tantos efeitos nocivos às populações, os sistemas de saúde já sobrecarregados enfrentarão diversas pressões adicionais ligadas às mudanças climáticas.
Mesmo na situação atual, com o aquecimento em torno de 1,14 ºC, esses serviços já sofrem as consequências. Um levantamento feito no âmbito do relatório mostra que 27% das cidades avaliadas referiram preocupações com a sobrecarga dos sistemas de saúde em função do aumento da temperatura do planeta.
“Estamos enfrentando uma crise em cima de outra crise”, alertou a Dra. Georgiana Gordon-Strachan, Ph.D., diretora do Centro Regional Lancet Countdown para Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento.
O relatório também destaca os prejuízos econômicos associados à inação para conter as alterações climáticas. Em 2022, o total de perdas resultantes de fenômenos meteorológicos extremos – que tendem a se intensificar com o aquecimento global – foi de 264 bilhões de dólares. A cifra é 23% maior do que o registrado em 2010-2014.
Também no ano passado, a exposição ao calor causou a perda potencial de 490 bilhões de horas de trabalho em todo o mundo. Isso se reflete em menores rendimentos no Produto Interno Bruto (PIB) dos países, afetando em proporções mais significativas os países de baixa e de média renda.
Os econômicos prejuízos, por sua vez, limitam a capacidade de investimento dessas nações na adaptação e na recuperação dos efeitos negativos provocados pelo aquecimento global.
Apesar da sobria previsão, os pesquisadores destacam que ainda é possível agir para impedir as consequências mais graves das mudanças climáticas. “Ainda há espaço para esperança”, afirmou a diretora-executiva, Dra. Romanello, citando a próxima conferência do clima da ONU, onde o trabalho será apresentado. A COP28 acontecerá em Doha, Dubai, entre 30 de novembro e 12 de dezembro.
“Se as negociações climáticas conduzirem a uma eliminação equitativa e rápida dos combustíveis fósseis, além de acelerarem a mitigação e de apoiarem os esforços de adaptação para a saúde, as ambições do Acordo de Paris [assinado por líderes mundiais em 2015] de limitar o aquecimento global a 1,5 °C ainda serão alcançáveis e um futuro próspero e saudável estará ao nosso alcance", descreveu.
Para reduzir as emissões, contudo, será essencial acelerar a transição energética para fontes de energia renováveis. Segundo o documento, além de derrubar as emissões de carbono, esse movimento traria benefícios imediatos à saúde.
Ao mesmo tempo, essas mudanças também têm o potencial de evitar muitas das 1,9 milhões de mortes anuais que são resultado direto da exposição ao ar com poluição de combustíveis fósseis.
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Citar este artigo: Lancet Countdown: Aquecimento global pode causar consequências de saúde ‘catastróficas’ - Medscape - 6 de agosto de 2023.
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