Baixos níveis de serotonina: uma nova explicação para a covid-19 longa?

Sara Novak

13 de novembro de 2023

Antidepressivos podem ser a chave para o tratamento da covid-19 longa? Pesquisadores da University of Pennsylvania descobriram uma ligação entre a doença e os níveis de serotonina no organismo, e isso pode levar a uma nova explicação para o quadro. O estudo até indica um possível tratamento.

A serotonina é um neurotransmissor que tem muitas funções no organismo, sendo o alvo dos antidepressivos mais prescritos — os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS).

A serotonina é muito estudada pelos seus efeitos no cérebro ― regula a mensagem entre os neurônios, com influência no sono, no humor e na memória. Está presente no intestino e é encontrada em células ao longo do trato gastrointestinal, sendo absorvida pelas plaquetas no sangue. A serotonina intestinal, conhecida como serotonina circulante, é responsável por uma série de outras funções, como a regulação do fluxo sanguíneo, da temperatura corporal e da digestão.

Os baixos níveis de serotonina podem resultar em diversos sintomas aparentemente não relacionados ao neurotransmissor, como é o caso da covid-19 longa, dizem os especialistas. Este quadro acomete cerca de 7% dos estadunidenses e está associado a uma ampla gama de problemas de saúde, como fadiga, dispneia, sintomas neurológicos, artralgia, formação de coágulos, palpitação e problemas digestivos.

A covid-19 longa é difícil de tratar, porque os pesquisadores ainda não conseguiram identificar os mecanismos fisiopatológicos por trás da doença prolongada após a infecção pelo SARS-CoV-2, disse um dos autores do estudo, Dr. Christoph A. Thaiss, Ph.D., professor assistente de microbiologia na Perelman School of Medicine da University of Pennsylvania.

A esperança é que o estudo possa ter implicações para novos tratamentos, disse o professor.

"A covid-19 longa pode ter manifestações não só no cérebro, mas em muitas partes diferentes do organismo, por isso é possível que a redução [dos níveis] de serotonina esteja envolvida em muitos aspectos diferentes da doença", disse Dr. Christoph.

O estudo, publicado no periódico Cell, encontrou níveis mais baixos de serotonina nos pacientes com covid-19 longa, em comparação aos indivíduos que tiveram diagnóstico de covid-19 na fase aguda da doença, mas se recuperaram inteiramente.

A equipe de pesquisa descobriu que as reduções da serotonina eram provocadas por baixos níveis circulantes do vírus SARS-CoV-2 — o que causa inflamação persistente — e pela incapacidade do organismo de absorver o triptofano, um aminoácido que é precursor da serotonina. A hiperatividade das plaquetas também tem papel importante, pois elas servem como o principal meio de absorção da serotonina.

O estudo não faz recomendações terapêuticas, mas compreender o papel da serotonina na covid-19 longa abre caminho para uma série de ideias novas que podem preparar o cenário para novos ensaios clínicos e mudanças no atendimento aos pacientes com a doença.

"O estudo nos dá alguns alvos possíveis que podem ser analisados em futuros ensaios clínicos", disse Dr. Christoph.

A persistência de vírus circulante é um dos principais fatores responsáveis pelos baixos níveis de serotonina, disse um dos coautores do estudo, o médico Dr. Michael Peluso, que é professor assistente de pesquisa em doenças infectocontagiosas na Faculdade de Medicina da University of California, nos EUA. Isto indica a necessidade de reduzir a carga viral usando medicamentos como o nirmatrelvir/ritonavir, que foi aprovado pela Food and Drug Administration dos EUA para o tratamento da covid-19, e o VV116, que ainda não foi liberado para tratar a doença.

Uma pesquisa publicada na edição de fevereiro de 2023 do periódico New England Journal of Medicine revelou que o antiviral oral VV116 era tão eficaz quanto o nirmatrelvir/ritonavir na redução da carga viral no organismo e na recuperação da infecção pelo SARS-CoV-2. O nirmatrelvir/ritonavir também demonstrou reduzir a probabilidade de evoluir com covid-19 longa depois da fase aguda da infecção.

Os pesquisadores estão investigando formas de manipular diretamente os níveis de serotonina, potencialmente usando ISRS. Mas, primeiro, é preciso entender se a melhora dos níveis de serotonina faz alguma diferença.

"O que precisamos agora é de um bom ensaio clínico para ver se a alteração dos níveis de serotonina em pessoas com covid-19 longa leva ao alívio dos sinais e sintomas", disse Dr. Michael.

Na verdade, a pesquisa mostrou que o ISRS fluoxetina, bem como um suplemento de glicina-triptofano, melhoraram a função cognitiva nos modelos de roedores infectados com SARS-CoV-2, que foram usados numa parte desse estudo.

O Dr. David F. Putrino, Ph.D., que dirige uma clínica para covid-19 longa no Mount Sinai Health System, nos EUA, disse que a pesquisa está ajudando a "entender o panorama biológico" que tem surgido com outras pesquisas sobre os mecanismos envolvidos nos sinais e sintomas da covid-19 longa.

Mas o Dr. David, que não participou do estudo em tela, adverte contra o uso de ISRS em pacientes com covid-19 longa ou de qualquer outro tratamento que aumente a serotonina sem antes testar os níveis do neurotransmissor para comprovar se são realmente inferiores aos de pessoas saudáveis.

"Não queremos partir da premissa de que todos os pacientes com covid-19 longa têm níveis mais baixos de serotonina", disse Dr. David.

Além disso, os pesquisadores precisam investigar se os ISRS aumentam os níveis da serotonina circulante. É importante notar que os cientistas encontraram níveis mais baixos de serotonina circulante, mas que os níveis de serotonina no cérebro permaneceram normais.

Tradicionalmente, os ISRS são usados para aumentar os níveis de serotonina no cérebro, não no organismo como um todo.

"Se isso contribui para o aumento dos níveis sistêmicos da serotonina, é algo que precisa de ser testado", disse a Dra. Akiko Iwasaki, Ph.D., que não participou do estudo. Ela é pesquisadora e codiretora no COVID-19 Recovery Study da Yale School of Medicine.

Até agora, os pesquisadores não identificaram um biomarcador único que pareça causar a covid-19 longa em todos os pacientes, disse a Dra. Akiko. Algumas pesquisas têm encontrado níveis mais altos de certas células imunitárias e biomarcadores, como monócitos e linfócitos B ativados, indicando uma resposta de anticorpos mais forte e contínua ao vírus. Outra pesquisa recente realizada por Dra. Akiko, Dr. David e outros cientistas, publicada no periódico Nature, mostrou que pacientes com covid-19 longa tendem a ter níveis mais baixos de cortisol, o que pode ser um fator envolvido na fadiga extrema sentida por muitos dos que sofrem com a doença.

As descobertas do estudo publicado no periódico Cell são promissoras, mas precisam ser replicadas em mais pessoas, disse a Dra. Akiko. E, mesmo que sejam replicadas numa população de estudo maior, este ainda seria apenas um biomarcador que está associado a um subtipo da doença. É necessário compreender melhor quais os biomarcadores se associam aos sinais e sintomas para que tratamentos mais eficazes possam ser identificados, disse a professora.

Tanto o Dr. David como a Dra. Akiko ponderaram que não existe um único fator que explique a covid-19 longa como um todo, pois é uma doença complexa causada por uma série de mecanismos diferentes.

Ainda assim, baixos níveis de serotonina podem ser uma peça importante do quebra-cabeça. O próximo passo, disse Dra. Akiko, é descobrir quantos dos milhões de estadunidenses com covid-19 longa têm este biomarcador.

"As pessoas que trabalham no campo da covid-19 longa devem agora considerar este caminho e pensar em formas de dosar a serotonina nos seus pacientes."

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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