COMENTÁRIO

Guerra nuclear: profissionais da saúde em todo o mundo devem continuar lutando para prevenir uma tragédia

Dr. George D. Lundberg

Notificação

18 de setembro de 2023

Dr. George D. Lundberg

Em 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos destruíram a cidade de Hiroshima, no Japão, com a primeira bomba atômica usada em uma guerra. Uma segunda bomba destruiu Nagasaki em 9 de agosto do mesmo ano. A bomba de Hiroshima deu fim ao conflito com o Japão, encerrando a Segunda Guerra Mundial. O desastre em Nagasaki foi o resultado de falhas de comunicação. Desde então, não houve mais nenhuma outra explosão nuclear em guerras, em grande parte devido ao posicionamento dos profissionais da saúde que passaram a declarar o seguinte fato: não existe uma resposta médica adequada à guerra nuclear.

Em 5 de agosto de 1983, o periódico JAMA publicou a primeira edição temática (dentre muitas outras publicadas posteriormente todos os anos) sobre Hiroshima, dedicada especificamente à prevenção da guerra nuclear.

Essa edição inicial continha uma descrição original do autor japonês Dr. Taro Takemi sobre como ele reconheceu a situação da bomba atômica e informou o imperador, que, após consultar seus conselheiros, encerrou a guerra.

A capa da edição anual do JAMA sobre Hiroshima era composta por uma arte original dos Marukis, que visitaram Hiroshima logo após a explosão e retrataram os impactos da bomba por meio de pinturas. O incrível trabalho desses artistas foi descoberto em uma galeria próxima a Tóquio em 1983.

Capa do JAMA

 

Os esforços contínuos da Associação Internacional de Médicos para a Prevenção da Guerra Nuclear (IPPNW, do inglês International Physicians for the Prevention of Nuclear War), especialmente dos seus fundadores, o cardiologista americano Bernard Lown e o cardiologista russo Yevgeniy Chazov, renderam à associação o Prêmio Nobel da Paz em 1985.

Em agosto de 2023, editores de revistas médicas do mundo todo mantiveram a tradição de inúmeras publicações coletivas com o intuito de preservar o nosso planeta e os seus habitantes.

Assim como a liberdade nunca vem de graça, a paz deve ser conquistada. Profissionais da saúde de todo o mundo: exijam dos líderes políticos de todos os países que NÃO haja uma GUERRA NUCLEAR.

Eis a declaração deste ano no periódico JAMA Network Open:

Reduzindo os riscos da guerra nuclear: o papel dos profissionais da saúde 

Autores: Kamran Abbasi; Parveen Ali; Virginia Barbour; Kirsten Bibbins-Domingo; Marcel G. M. Olde Rikkert; Andy Haines; Ira Helfand; Richard Horton; Bob Mash; Arun Mitra; Carlos Monteiro; Elena N. Naumova; Eric J. Rubin; Tilman Ruff; Peush Sahni; James Tumwine; Paul Yonga e Chris Zielinski.

Em janeiro de 2023, o Conselho de Ciência e Segurança do Boletim dos Cientistas Atômicos avançou os ponteiros do Relógio do Juízo Final para 90 segundos antes da meia-noite, refletindo o risco crescente de uma guerra nuclear. [1] Em agosto de 2022, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou que o mundo se encontra atualmente em um “tempo de perigo nuclear nunca visto desde o auge da Guerra Fria”. [2] Esse perigo tem se intensificado pelas tensões crescentes entre muitas nações com armas nucleares em seus arsenais. [1,3]

Como editores de revistas médicas e de saúde do mundo todo, apelamos aos profissionais da saúde para que alertem o público e os nossos líderes sobre este grande perigo para a saúde pública e para os sistemas essenciais de suporte à vida no planeta. Também solicitamos urgentemente que ações sejam tomadas para prevenir essa situação. Os atuais esforços para o controle e a não proliferação de armas nucleares não são adequados para proteger a população mundial contra a ameaça de uma guerra nuclear intencional, acidental ou devido a erros de cálculo. O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) estabelece que cada uma das 190 nações participantes assumiu um compromisso de "realizar negociações de boa-fé sobre medidas eficazes relacionadas à cessação da corrida de armas nucleares em uma data próxima e ao desarmamento nuclear, além de acordar sobre o desarmamento geral e completo sob um controle internacional rigoroso e eficaz". [4]

O progresso [dessas medidas] tem sido decepcionantemente lento, e a mais recente conferência de revisão do TNP, em 2022, terminou sem uma declaração conjunta, pois os países participantes não chegaram a um acordo. [5]

Existem muitos exemplos de "quase catástrofes" que já expuseram os riscos de dependermos da dissuasão nuclear no futuro. [6] A modernização dos arsenais nucleares poderia aumentar ainda mais esses riscos: por exemplo, mísseis hipersônicos diminuem o tempo hábil para que seja feita a distinção entre um ataque verdadeiro e um alarme falso, aumentando as chances de uma rápida escalada bélica. Qualquer forma de uso de armas nucleares seria catastrófica para a humanidade. Até mesmo uma guerra nuclear “limitada”, envolvendo apenas 250 das 13 mil armas nucleares existentes no mundo, poderia matar 120 milhões de pessoas e causar mudanças climáticas globais, levando a uma "fome nuclear" e colocando dois bilhões de pessoas em risco. [7,8] Uma guerra nuclear em grande escala entre os EUA e a Rússia poderia matar 200 milhões de pessoas ou mais no curto prazo e, possivelmente, causar um “inverno nuclear” global que poderia matar cinco a seis bilhões de pessoas, ameaçando a sobrevivência da humanidade. [7,8] Uma vez detonada uma arma nuclear, a escalada para uma guerra nuclear generalizada poderia ocorrer rapidamente.

A prevenção de qualquer forma de uso de armas nucleares é, portanto, uma prioridade de saúde pública urgente. Além disso, devem ser tomadas medidas fundamentais para abordar a raiz do problema, por meio da abolição das armas nucleares. A comunidade da área da saúde tem desempenhado um papel crucial nos esforços para reduzir o risco da guerra nuclear e deve continuar cumprindo esse papel no futuro. [9] Na década de 1980, os esforços dos profissionais de saúde, liderados pela IPPNW, ajudaram a pôr fim à corrida armamentista da Guerra Fria, esclarecendo aos políticos e ao público de ambos os lados da Cortina de Ferro quais seriam as consequências da guerra nuclear para a saúde pública. Essa atuação foi reconhecida com a concessão do Prêmio Nobel da Paz de 1985 à IPPNW. [10]

Em 2007, a IPPNW lançou a Campanha Internacional pela Abolição das Armas Nucleares, que se transformou em uma campanha global da sociedade civil com centenas de organizações parceiras. Criou-se um caminho para a abolição das armas nucleares com a adoção do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN) em 2017, pelo qual a Campanha Internacional pela Abolição das Armas Nucleares recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2017. Organizações médicas internacionais, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a IPPNW, a Associação Médica Mundial, a Federação Mundial das Associações de Saúde Pública e o Conselho Internacional de Enfermagem, tiveram papéis fundamentais no processo que conduziu às negociações (e nas próprias negociações), apresentando evidências científicas sobre as consequências catastróficas para a saúde e o meio ambiente relacionadas às armas nucleares e à guerra nuclear. Esses mesmos órgãos deram continuidade a essa importante colaboração durante a Primeira Reunião dos Estados Participantes do TPAN, que conta atualmente com 92 signatários, dentre eles 68 Estados-membros. [11]

Apelamos neste momento às associações de profissionais da saúde para que orientem seus membros em todo o mundo sobre a ameaça à sobrevivência humana e para que se unam à IPPNW no apoio aos esforços para reduzir os riscos iminentes da guerra nuclear com três medidas imediatas por parte dos Estados com armas nucleares e seus aliados: em primeiro lugar, que adotem uma política de "não primeiro uso"; [12] segundo, que retirem suas armas nucleares do estado de "alerta de disparo imediato"; e terceiro, que exortem todos os Estados envolvidos em conflitos atuais a comprometerem-se pública e inequivocamente a não utilizar armas nucleares nesses conflitos. Pedimos-lhes ainda que trabalhem pelo fim definitivo da ameaça nuclear, apoiando o início urgente de negociações entre os Estados com armas nucleares para um acordo verificável e com prazo determinado para eliminar as suas armas nucleares, segundo os compromissos do TNP, abrindo um caminho para todas as nações aderirem ao TPAN.

O perigo é grande e crescente. Os Estados com armas nucleares devem eliminar esses arsenais antes que eles nos eliminem. A comunidade da área da saúde desempenhou um papel decisivo durante a Guerra Fria e, mais recentemente, na elaboração do TPAN. Devemos abraçar novamente esse desafio como uma prioridade urgente, trabalhando com ainda mais afinco em prol da redução dos riscos de uma guerra nuclear e da eliminação das armas nucleares.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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