Infelizmente, faltam evidências robustas relacionadas às condutas a serem adotadas na crescente população de idosos frágeis. São pacientes de difícil manejo prático e pouco estudados, pois não é fácil incluí-los em pesquisas de qualidade. Recentemente, surgiram estudos que incentivam a indicação de tratamentos, mesmo considerando a fragilidade desse grupo. É o caso do uso de anticoagulantes orais em pacientes frágeis com fibrilação atrial (FA). De modo geral, os anticoagulantes orais de ação direta (DOAC) têm sido preferidos em relação aos antagonistas da vitamina K (AVK). Porém, o estudo holandês FRAIL-AF colocou essa preferência em dúvida. [1]
O estudo
Pragmático, multicêntrico, aberto, randomizado e controlado de superioridade, o ensaio tinha como objetivo responder se idosos frágeis com fibrilação atrial que estavam indo bem com antagonistas da vitamina K (AVK) deveriam fazer a transição para DOAC.
Um total de 1.330 idosos com fibrilação atrial (média de 83 anos, mediana no escore do Groningen Frailty Indicator = 4) foram randomizados para mudar do tratamento com antagonistas da vitamina K, guiado pela Razão Normalizada internacional (INR, do inglês International Normalized Ratio), para um esquema com anticoagulantes orais de ação direta, ou continuar o tratamento com AVK. Pacientes com taxa de filtração glomerular <30 mL/min/1,73 m2 ou com FA valvar foram excluídos do estudo, que teve uma duração de acompanhamento de 12 meses. O desfecho primário foi uma complicação hemorrágica classificada como não maior, maior ou clinicamente relevante. Os desfechos secundários incluíram eventos tromboembólicos. Após 163 eventos de desfecho primário (101 no braço de troca de tratamento, 62 no braço de continuação com AVK), o ensaio foi interrompido por futilidade. A razão de risco para o desfecho primário foi de 1,69 (IC de 95%, de 1,23 a 2,32) e para eventos tromboembólicos foi de 1,26 (IC de 95%, de 0,60 a 2,61).
Os autores concluíram que a troca do tratamento com antagonistas da vitamina K guiado por INR para um com anticoagulantes orais de ação direta foi associada a mais complicações hemorrágicas em comparação com a continuação do tratamento com AVK, sem que houvesse redução nas complicações tromboembólicas. Portanto, sem uma indicação clara, a mudança do AVK para um DOAC não deve ser considerada em idosos frágeis com fibrilação atrial.
Implicações
O resultado contrariou as expectativas dos próprios autores. Vamos conhecer a discussão contida no artigo.
As evidências dos ensaios clínicos prévios eram limitadas a análises de subgrupos a partir de dados individuais ou agregados dos quatro principais estudos sobre DOAC, nos quais idosos frágeis foram sub-representados. É importante destacar que esses mesmos estudos indicavam tendências de aumento de sangramento com DOAC em pacientes mais idosos e frágeis, embora todos esses pacientes fossem iniciantes no tratamento.
No estudo atual, os pacientes eram tolerantes ao tratamento com AVK e bem controlados. Assim, a mudança para um tratamento com DOAC pode ter resultado em uma maior tendência a relatar complicações hemorrágicas no grupo que fez a transição. Ademais, o estudo não permite concluir se a troca seria benéfica para pacientes com controle inadequado da anticoagulação.
Os médicos escolheram os anticoagulantes orais de ação direta: rivaroxabana (na grande maioria dos pacientes) e apixabana, sem randomização. Portanto, não é possível responder se há uma preferência clara de DOAC nessa população.
As taxas de eventos tromboembólicos, sangramento maior isolado, acidente vascular cerebral hemorrágico ou o composto de AVC hemorrágico e isquêmico foram baixas em ambos os braços de tratamento, impedindo conclusões sobre benefícios nos pacientes que mudaram de AVK para DOAC.
Para mim ficam duas mensagens: evidências obtidas em pacientes mais jovens e saudáveis podem ser pouco válidas para idosos vulneráveis; e em time que está ganhando não se mexe!
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Citar este artigo: Varfarina vs. DOACs: novo estudo mostra resultado inesperado em idosos frágeis com FA - Medscape - 15 de setembro de 2023.
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