Quatro sintomas gastrointestinais potencialmente preditores de Parkinson

Marilynn Larkin

15 de setembro de 2023

Em um novo estudo, foi observado que disfagia, gastroparesia, constipação e síndrome do intestino irritável sem diarreia são preditoras específicas da doença de Parkinson.

A detecção precoce desses sintomas pode ajudar a identificar pacientes em risco de doença de Parkinson, potencialmente incentivando estratégias preventivas, sugeriram os pesquisadores.

Os resultados de estudos experimentais anteriores realizados pela equipe corroboraram a hipótese de Braak, que afirma que a doença de Parkinson idiopática tem origem no intestino em um grupo específico de pacientes. No entanto, nenhum estudo prévio tinha analisado uma ampla gama de sintomas e síndromes gastrintestinais que podem ocorrer antes do diagnóstico de doença de Parkinson.

Dado o seu estudo pré-clínico, os autores não ficaram surpresos ao constatar que certas síndromes gastrointestinais estavam associadas especificamente à doença de Parkinson, mesmo quando comparadas com doença de Alzheimer e doença cerebrovascular, explicou ao Medscape o primeiro autor, Dr. Pankaj Jay Pasricha, médico da Mayo Clinic Arizona, nos Estados Unidos. No entanto, eles ficaram “impressionados com a força das associações”.

“Os especialistas sabem há muito tempo que a constipação é um potencial fator de risco para doença de Parkinson; então, este estudo aumenta a lista de sintomas gastrointestinais que poderiam potencialmente ser fatores de risco”, observou ele.

O estudo foi publicado on-line em 24 de agosto no periódico Gut.

Estudos convergem

Para determinar a incidência de síndromes gastrointestinais e intervenções que precedem a doença de Parkinson, os pesquisadores realizaram um estudo combinado de coorte e caso-controle, utilizando uma rede nacional de registros médicos nos Estados Unidos.

Primeiro, eles compararam 24.624 indivíduos com doença de Parkinson idiopática de início recente com o mesmo número de controles pareados negativos, com 19.046 indivíduos com doença de Alzheimer e com 23.942 indivíduos com doença cerebrovascular. A análise tinha como objetivo verificar a presença de sintomas gastrointestinais preexistentes, que os pesquisadores chamaram de “exposições”. No geral, a média de idade dos participantes foi de aproximadamente 70 anos, com cerca de metade deles sendo mulheres.

Dezoito sintomas e síndromes de todo o trato gastrointestinal foram analisados; entre eles, acalasia, disfagia, doença do refluxo gastroesofágico, gastroparesia, dispepsia funcional, íleo paralítico, diarreia, síndrome do intestino irritável com e sem diarreia, pseudo-obstrução intestinal, incontinência fecal, doença de Crohn, retocolite ulcerativa, colite microscópica, apendicectomia e vagotomia.

Todas as síndromes gastrointestinais foram significativamente maiores no grupo doença de Parkinson versus controles negativos (razão de chances, RC, > 1). No entanto, apenas disfagia preexistente (RC = 3,58), gastroparesia (RC = 4,64), dispepsia funcional (RC = 3,39), pseudo-obstrução intestinal (RC = 3,01), diarreia (RC = 2,85), constipação (RC = 3,32), síndrome do intestino irritável com constipação (RC = 4,11), síndrome do intestino irritável com diarreia (RC = 4,31), síndrome do intestino irritável sem diarreia (RC = 3,53) e incontinência fecal (RC = 3,76) apresentaram RCs numericamente maiores que o limite superior das exposições negativas.

Além disso, apenas constipação, gastroparesia, disfagia, síndrome do intestino irritável com constipação e a mesma síndrome sem diarreia mostraram ser específicas para doença de Parkinson, em comparação com os grupos doença de Alzheimer e doença cerebrovascular (RC > 1). Após a correção para a taxa de falsa descoberta, porém, gastroparesia e constipação não mantiveram diferenças significativas em comparação com os dois grupos citados.

Outros sintomas gastrointestinais preexistentes não apenas foram significativamente associados à doença de Parkinson como também apresentaram fortes associações com os grupos doença de Alzheimer e doença cerebrovascular.

Para validar as análises do caso-controle, a equipe conduziu um estudo de coorte complementar. Dezoito coortes — cada uma com o diagnóstico de um dos sintomas gastrointestinais da análise de caso-controle — foram comparadas com suas respectivas coortes de controles negativos quanto ao risco prospectivo de evoluir com doenças de Parkinson, de Alzheimer ou cerebrovascular em um período de cinco anos.

Gastroparesia, constipação, disfagia e síndrome do intestino irritável sem diarreia apresentaram associações específicas com doença de Parkinson em comparação com os controles negativos, com doença de Alzheimer e doença cerebrovascular na análise das coortes. Seus riscos relativos (RR) em relação aos controles negativos foram 2,43, 2,38, 2,27 e 1,17, respectivamente.

Dispepsia funcional, síndrome do intestino irritável com diarreia, diarreia e incontinência fecal não foram específicas para doença de Parkinson, mas a pseudo-obstrução intestinal e a síndrome do intestino irritável com constipação apresentaram essa especificidade tanto na análise do caso-controle (RC = 4,11) quanto na análise da coorte (RR = 1,84).

A apendicectomia diminuiu o risco de doença de Parkinson na análise de coorte (RR = 0,48), enquanto tanto a doença inflamatória intestinal quanto a vagotomia não foram associadas à doença de Parkinson.

“Este estudo é o primeiro a estabelecer evidências observacionais substanciais de que o diagnóstico clínico não apenas de constipação, mas também de disfagia, gastroparesia e síndrome do intestino irritável sem diarreia pode prever especificamente a evolução para doença de Parkinson, enquanto outras exposições foram menos específicas”, registraram os pesquisadores.

No entanto, acalmou o Dr. Pankaj, “não há motivo para alarme”. Os médicos devem tranquilizar os pacientes, informando que “o risco global de evoluir com doença de Parkinson é baixo. A esmagadora maioria dos pacientes com esses sintomas gastrointestinais nunca apresentará a doença”.

A equipe do Dr. Pankaj conduzirá trabalhos experimentais sobre os mecanismos biológicos que podem explicar os achados deste estudo. “Adicionalmente, os National Institutes of Health dos EUA lançaram uma chamada para propostas de realização de pesquisas com pacientes que possam ajudar a compreender melhor estas associações”, completou ele.

Corpo ou cérebro?

O assessor médico nacional da Parkinson's Foundation, nos Estados Unidos, Dr. Michael S. Okun, médico, chamou o estudo de "fascinante".

Os achados “confirmam muitos outros estudos que evidenciaram que os sintomas gastrointestinais podem preceder o diagnóstico da doença de Parkinson”, explicou ele ao Medscape.

Embora o estudo tenha sido concebido para testar a hipótese de Braak, “o conjunto de dados realmente não consegue confirmar ou refutar a patologia de Braak, o que só pode ocorrer através da comparação com amostras post-mortem”, acrescentou.

“O debate acirrado nesta área do conhecimento, entre aqueles que acreditam que a doença de Parkinson começa no corpo, e não no cérebro, e vice-versa, pode ser um tanto artificial, especialmente se considerarmos que não se trata de uma doença única”, observou o Dr. Michael. “Serão necessários dados clínicos, informações patológicas e a colaboração de muitos pesquisadores para resolver o quebra-cabeça”.

"A Foundation continua monitorando todos os avanços na área da pesquisa sobre o 'intestino' e o seu papel no parkinsonismo", ressaltou ele. “Não recomendamos neste momento alterar a estratégia de atendimento clínico com base nesses dados”.

Não foram declarados nenhum financiamento ou conflito de interesses. O Dr. Michael S. Okun informou não possuir conflitos de interesses relevantes.

Gut. Publicado on-line em 24 de agosto de 2023. Texto completo

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Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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