Estudo recém-publicado no periódico JAMA [1]indica que a atorvastatina reduziu o comprometimento da função cardíaca em indivíduos com linfoma em tratamento com antraciclinas.
Embora a eficácia das antraciclinas seja corroborada por inúmeros ensaios clínicos e estudos de dados do mundo real, esses medicamentos têm um perfil de cardiotoxicidade considerável, podendo levar a danos cardíacos. Nesse contexto, o ensaio clínico STOP-CA, conduzido por uma equipe multidisciplinar liderada pelo Dr. Tomas G. Neilan, afiliado ao Departamento de Radiologia da Harvard Medical School, buscou avaliar se o uso da atorvastatina estaria associado a uma redução no comprometimento cardíaco.
Metodologia do STOP-CA
O ensaio clínico duplo-cego, randomizado e controlado por placebo, incluiu 300 pacientes (idade ≥ 18 anos) com linfoma provenientes de nove centros médicos acadêmicos localizados nos Estados Unidos e no Canadá. O recrutamento foi feito entre janeiro de 2017 e setembro de 2021; e a última consulta de acompanhamento foi realizada em outubro de 2022.
Os participantes foram randomizados em proporção 1:1 para receberem diariamente 40 mg de atorvastatina via oral ou placebo. O protocolo foi iniciado antes da primeira infusão com antraciclina e mantido durante 12 meses.
O desfecho primário foi a proporção de indivíduos que apresentou um declínio absoluto na FEVE de ≥ 10% antes da quimioterapia até um valor final < 55% após 12 meses. Já o desfecho secundário foi a quantidade de participantes com uma redução absoluta na FEVE de ≥ 5% antes do início do protocolo quimioterápico a um valor final < 55% após 12 meses.
A avaliação inicial dos participantes foi baseada nos dados obtidos por aferição de frequência cardíaca, pressão arterial, peso corporal, exames de sangue e da FEVE — esta última medida principalmente por meio da ressonância magnética cardíaca. No entanto, como parte do estudo foi conduzido durante a pandemia de covid-19, parte dos pacientes oncológicos não teve acesso a esse exame; nesses casos, eles foram submetidos ao ecocardiograma.
A idade média dos participantes foi de 50 anos (desvio padrão [DP] 17), sendo que 54% tinham ≥ 50 anos. Dentre os 300 participantes, 220 (73%) tinham linfoma não Hodgking e 80 (37%) apresentavam linfoma Hodgkin. Todos eles foram tratados com antraciclinas. No total, 286 (95%) completaram o ensaio clínico.
Considerando toda a coorte, a FEVE média inicial foi de 63% (DP 4,6%) e a FEVE observada durante o período de acompanhamento foi de 58% (DP 5,7%). Ao todo, 91% dos participantes aderiram à atorvastatina.
Resultados
Na consulta de acompanhamento após 12 meses, contatou-se que 46 (15%) dos pacientes apresentaram o desfecho primário; 9% (13 de 150) deles eram do braço da atorvastatina e 22% (33 de 150) do grupo placebo (p = 0,002). De acordo com os dados, as chances de declínio da FEVE de valores ≥ 10% a índices < 55% após o uso da antraciclina foi quase três vezes maior para os indivíduos que receberam placebo, em comparação aos do braço da atorvastatina (razão de chances = 2,9; intervalo de confiança de 95% de 1,4 a 6,4). A atorvastatina também diminuiu a incidência do desfecho secundário quando comparada ao placebo (13% versus 29%; p = 0,001).
É importante salientar que foram registrados 13 casos de insuficiência cardíaca (IC) em um período de 24 meses de acompanhamento dos participantes. Não houve diferença significativa na incidência de IC entre os braços do estudo (3% no grupo da atorvastatina vs. 6% no do placebo; p = 0,26). Os eventos adversos graves afetaram poucos participantes e ocorreram em taxas semelhantes entre os grupos.
Sobre as limitações da pesquisa, destaca-se que, embora quase 50% da população do estudo fosse do sexo feminino, não houve diversidade racial e étnica na coorte. Deve-se considerar também que o STOP-CA utilizou apenas a dose de 40 mg/dia de atorvastatina; desse modo, não foi possível avaliar possíveis efeitos com outras doses ou duração do tratamento.
Atorvastatina na redução da cardiotoxicidade
As antraciclinas têm papel fundamental no arsenal terapêutico antineoplásico. No entanto, sua cardiotoxicidade exige avaliação cuidadosa em algumas situações. O risco de eventos cardíacos pelo uso das antraciclinas é dose-dependente, além de ser maior nos pacientes com risco cardiovascular elevado e variar conforme o tipo de câncer.
Durante o período de 12 meses do estudo STOP-CA, um em cada seis participantes tratados com antraciclinas apresentou declínio na FEVE inicial ≥ 10%. Esta redução é semelhante à observada em outros ensaios similares, em que a queda frequentemente causou aumento do risco de IC clínica.
Os autores destacam que o desenho do ensaio não teve como objetivo revelar o porquê de as estatinas conferirem proteção contra a cardiotoxicidade das antraciclinas. Embora esses mecanismos não sejam totalmente elucidados, existem dados sugerindo que as antraciclinas causam dano oxidativo nas células cardíacas.
Segundo os cientistas, as intervenções propostas na pesquisa foram seguras e não impactaram os parâmetros hemodinâmicos, como a pressão arterial. Além disso, eles ressaltaram que as estatinas não oferecem risco aos pacientes oncológicos.
Repercussões na prática clínica
Considerando-se o complexo cenário oncológico, a escolha do tratamento costuma ser desafiadora — principalmente quando a chance de eventos adversos é alta. No caso do linfoma, o estudo mostra que a atorvastatina pode ajudar a reduzir o risco de danos à função cardíaca nos indivíduos tratados com antraciclinas. Esse achado corrobora o uso da atorvastatina concomitante à antraciclina a fim de reduzir o risco cardiovascular.
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Citar este artigo: Atorvastatina reduz efeito cardiotóxico das antraciclinas no tratamento de linfoma - Medscape - 28 de agosto de 2023.
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