Novas diretrizes para tratamentos respiratórios na fibrose cística: moduladores da proteína CFTR em destaque

Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

Notificação

9 de junho de 2023

Novas diretrizes para o tratamento farmacológico de quadros pulmonares na fibrose cística foram publicadas em maio no periódico Jornal Brasileiro de Pneumologia. [1] No documento produzido pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) a partir de uma revisão sistemática e metanálise, os fármacos moduladores da proteína CFTR têm papel de destaque entre as terapêuticas recomendadas, podendo revolucionar os tratamentos e ajudar na uniformização da assistência no Brasil.

Nos últimos anos, a descoberta de substâncias moduladoras da proteína CFTR — reguladora de condutância transmembrana da fibrose cística — mudou a história natural da doença. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já aprovou alguns medicamentos dessa nova classe terapêutica e um deles já foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, até a publicação das novas diretrizes, faltavam recomendações oficiais das sociedades médicas respaldando o uso desses novos fármacos.

Para o desenvolvimento das diretrizes, os especialistas utilizaram a metodologia Grading of Recommendations Assessment, Development, and Evaluation (GRADE) [2] e perguntas elaboradas com a estratégia PICO (Pacientes de interesse, Intervenção a ser estudada, Comparação da intervenção e O utcome [desfecho] de interesse). [3]

Segundo o Dr. Rodrigo Athanazio, médico afiliado à Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e primeiro autor do estudo, os pesquisadores formularam perguntas e elencaram para o questionário as oito consideradas mais relevantes por meio de votação.

Em seguida realizaram uma busca nos bancos de dados MEDLINE e EMBASE por artigos relacionados com as temáticas abordadas nas perguntas selecionadas. A revisão sistemática dos estudos foi seguida por metanálise.

Recomendações das diretrizes

A partir dos dados obtidos nas análises, o grupo chegou a um quadro final de recomendações terapêuticas na fibrose cística. As diretrizes da SBPT recomendam o tratamento com o ivacaftor em pacientes com pelo menos uma mutação de regulação (classe 3) ou de condutividade (classe 4) no gene CFTR. Também recomendam a associação de tezacaftor + ivacaftor para aqueles que são homozigotos ou heterozigotos para a mutação F508del e com mutações de função residual. As duas recomendações são baseadas em evidências muito fracas, portanto são de caráter condicional.

Outras orientações condicionais das diretrizes são o uso de tratamento supressivo com antimicrobianos inalatórios em pacientes com infecção crônica por Pseudomonas aeruginosa e o uso de dornase alfa nebulizada para os pacientes a partir de seis anos de idade.

Por outro lado, o documento desaconselha o uso da associação lumacaftor + ivacaftor em homozigotos para a mutação F508del. Outros três tratamentos não são recomendados por falta tanto de evidências favoráveis como desfavoráveis: erradicação da infecção não crônica por Pseudomonas aeruginosa; antimicrobianos em indivíduos com colonização das vias respiratórias por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA); e erradicação em caso de infecção por cepas de Burkholderia cepacia.

Além de reforçarem a importância de alguns tratamentos que já estão bem estabelecidos na prática clínica — como a dornase alfa, um mucolítico para secreção mais espessa, e antibióticos inalatórios para pacientes com infecção crônica por P. aeruginosa —, as diretrizes recomendam o uso de moduladores da proteína CFTR. “Conseguimos avaliar três [opções de uso] desses moduladores, que eram os que estavam disponíveis na época em que conduzimos o estudo. O ivacaftor, a associação lumacaftor + ivacaftor e a associação tezacaftor + ivacaftor. Duas dessas opções foram recomendadas e uma (lumacaftor + ivacaftor) não recomendamos pelo alto custo e pela baixa eficácia do tratamento”, destacou o Dr. Rodrigo em entrevista ao Medscape.

Todos os medicamentos e associações terapêuticas incluídos na pesquisa estão aprovados pela Anvisa. No final de 2020, o ivacaftor foi incorporado ao SUS para pacientes com fibrose cística a partir de seis anos de idade e com mutações genéticas de regulação.

As outras duas associações abordadas no estudo (tezacaftor + ivacaftor e lumacaftor + ivacaftor) tiveram parecer desfavorável quando avaliadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC).

Avanços com moduladores de CFTR

Em 2022, a Anvisa aprovou o tratamento com associação tripla: elexacaftor + tezacaftor + ivacaftor. Segundo o Dr. Rodrigo, como a aprovação é mais recente, não foi possível incluir esta associação no estudo publicado em maio. Mas a ideia, de acordo com o especialista, é complementar a publicação com uma revisão sistemática específica para esta associação de moduladores da proteína CFTR. “Para quem trabalha com fibrose cística, que é uma doença extremamente grave associada a uma brutal redução de expectativa de vida, é uma mudança que eu não imaginava viver para ver. É um tratamento extremamente revolucionário”, destacou o médico.

Segundo ele, a associação tripla é tão eficaz quanto o ivacaftor em monoterapia; entretanto, terá alcance e impacto muito maiores. Isso porque o ivacaftor em monoterapia é destinado apenas aos pacientes com mutações de regulação, isto é, menos de 5% dos pacientes, enquanto a associação tripla poderá ser elegível para mais de 70% dos pacientes com fibrose cística. Atualmente, está em andamento uma consulta pública para a incorporação do tratamento no SUS.

Para o Dr. Rodrigo, um dos grandes problemas do Brasil com relação ao tratamento de quadros pulmonares na fibrose cística é a desigualdade no acesso à assistência. “Muitos dos tratamentos ainda dependem de alguns protocolos estaduais. Temos alguns estados que têm protocolos muito melhores e muito mais completos [que outros]”, destacou, indicando que as novas diretrizes podem favorecer a adoção de terapêuticas com base científica, podendo ser altamente eficazes para uniformizar o tratamento da doença no país — inclusive atuando como pressão política para essa mudança.

Apesar de as diretrizes orientarem as tomadas de decisão, ainda assim devem ser consideradas com bom senso e ponderação, considerando a avaliação caso a caso. Para alguns tratamentos, por exemplo, os especialistas não encontraram evidências suficientes para determinar um posicionamento favorável ou contrário. “O fato de não emitirmos um parecer oficial [recomendando um determinado tratamento] não quer dizer que não vale a pena usá-lo. Significa apenas que não temos ainda evidências e novos estudos precisam ser feitos para podermos avaliar adequadamente essas questões”, destacou o Dr. Rodrigo.

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