Vitamina B9 pode aumentar eficácia de antidepressivos, diz estudo

Batya Swift Yasgur

8 de junho de 2023

O levometilfolato, forma biologicamente ativa do folato (vitamina B9), ser eficaz como tratamento adjuvante do transtorno depressivo maior refratário, segundo novo estudo.

Após a análise de seis ensaios clínicos, os pesquisadores encontraram evidências de eficácia associada ao uso adjuvante do levometilfolato nesses pacientes. Os resultados sugerem que a resposta clínica foi ainda mais significativa nos indivíduos com obesidade e altos níveis de marcadores inflamatórios.

“Se os médicos tentarem usar o levometilfolato nos pacientes com transtorno depressivo maior refratário, [verão que] o tratamento é muito eficaz em pessoas com índice de massa corporal (IMC) elevado ou [altos níveis de] marcadores inflamatórios. Além disso, [essa abordagem] também é válida em indivíduos sem esses fatores, visto que o suplemento vitamínico é seguro e bem tolerado, sem efeitos adversos", disse ao Medscape o médico e primeiro autor do estudo, Dr. Vladimir Maletic, mestre em ciências e professor clínico de psiquiatria e ciência comportamental na University of South Carolina School of Medicine nos Estados Unidos.

O estudo foi publicado on-line em 09 de maio no periódico Journal of Clinical Psychiatry.

Um ‘atalho’ para o cérebro

Uma parte considerável de pacientes com transtorno depressivo maior não apresenta resposta clínica adequada com o tratamento farmacológico, segundo os autores do estudo. Pesquisas anteriores mostram que o folato e outras vitaminas do complexo B têm efeitos positivos na fisiopatologia e no tratamento de quadros depressivos. A substância está disponível sob várias formas. Dentre elas, existe o levometilfolato, que difere do folato obtido através da alimentação e dos suplementos sintéticos de ácido fólico por ser um metabólito de pequenas dimensões capaz de atravessar facilmente a barreira hematoencefálica.

"Esse é um 'atalho', que leva diretamente ao cérebro, especialmente nos pacientes com IMC elevado ou [altos níveis de] marcadores inflamatórios, fazendo com que o antidepressivo seja mais eficaz", disse o Dr. Vladimir.

O levometilfolato pode ser prescrito como suplemento alimentar, e também foi aprovado nos EUA para intervenção clínica nutricional em pacientes com transtorno depressivo maior.

A intenção dos pesquisadores responsáveis pelo estudo era compreender qual o possível papel do levometilfolato no tratamento de pacientes com transtorno depressivo maior refratário aos antidepressivos. Para isso, eles analisaram seis pesquisas:

  • Dois ensaios clínicos randomizados, controlados por placebo, duplos-cegos, paralelos e multicêntricos, com pacientes diagnosticados com transtorno depressivo maior refratário aos inibidores seletivos de recaptação da serotonina (n = 148 e n = 75).

  • Um estudo de extensão aberto, com duração de 12 meses, derivado dos dois ensaios clínicos já mencionados (n = 68).

  • Um estudo de coorte retrospectivo com pacientes que já estavam em uso de levometilfolato (n = 554).

  • Duas análises post hoc do segundo ensaio clínico descrito acima que estratificaram os pacientes conforme marcadores biológicos e genéticos específicos (n = 74) e avaliaram a influência desses marcadores sobre o efeito terapêutico do levometilfolato (n = 74).

Os desfechos primários foram definidos como uma melhora dos escores na Hamilton Depression Rating Scale (HDRS) ou do Patient Health Questionnaire (PHQ).

Os pacientes que participaram dos ensaios clínicos foram tratados com 7,5 mg ou 15 mg de levometilfolato.

Os dois ensaios clínicos foram divididos em duas fases de 30 dias, sendo os pacientes avaliados a cada 10 dias. A resposta clínica adequada foi definida como uma redução ≥ 50% do escore na HDRS durante o tratamento ou um escore final ≤ 7.

‘Via de recuperação’

Nos ensaios clínicos, a dose de 7,5 mg de levometilfolato não teve eficácia superior à do placebo. Por outro lado, os pacientes que usaram diariamente 15 mg do fármaco durante 30 dias apresentaram uma redução significativamente superior dos escores na HDRS (−5,6 versus −3,0 pontos, p = 0,05; respectivamente) e maiores índices de resposta clínica (32,3% vs. 14,6%, p = 0,05; respectivamente).

O estudo de extensão aberto de 12 meses mostrou que 61% dos pacientes tratados com a dose de 15 mg entraram em remissão e 38% se recuperaram do transtorno depressivo maior. Dos pacientes refratários, 60% atingiram a remissão, sem a ocorrência de eventos adversos graves.

“Esses resultados indicam que os pacientes que responderam bem ao esquema terapêutico mais rápido provavelmente manterão essa mesma resposta nos próximos 12 meses, e também mostram que os indivíduos que não responderam adequadamente nas primeiras oito semanas de tratamento podem se beneficiar de esquemas mais longos com o levometilfolato”, disseram os pesquisadores.

No estudo observacional prospectivo, a variação média agregada dos escores no PHQ foi de −8,5 pontos (desvio padrão de 6,3 pontos), com índices de resposta clínica adequada e remissão de 67,9% e 45,7%, respectivamente.

“Esses desfechos sugerem que os resultados observados no ensaio clínico provavelmente serão vistos em pacientes reais na prática clínica diária”, escreveram os pesquisadores.

As análises post hoc com foco nos achados do segundo ensaio clínico exploraram as diferenças nas respostas após o uso do levometilfolato com base em marcadores inflamatórios, IMC e genótipo dos pacientes.

Pacientes com IMC < 30 não tiveram uma mudança significativa do quadro clínico inicial após o tratamento com o fármaco, ao contrário dos pacientes com IMC ≥ 30 (efeito terapêutico agregado de −4,66; intervalo de confiança [IC] de 95% de −7,22 a −1,98), sendo essa diferença considerada "impressionante" pelos autores do estudo.

A elevação dos níveis de marcadores inflamatórios (fator de necrose tumoral alfa, interleucina-8, proteína C reativa cardioespecífica e leptina) acima do valor mediano foi associada a um aumento significativo do efeito terapêutico produzido pelo levometilfolato, achado que permaneceu significativo mesmo após o ajuste para o IMC.

Embora o IMC e as citocinas inflamatórias tenham produzido efeitos importantes e significativos isoladamente, a "sinergia" entre eles "sugere que esses fatores de risco podem interagir entre si para influenciar a resposta ao levometilfolato", escreveram os autores do estudo.

O mecanismo pelo qual a substância potencializa os efeitos dos antidepressivos está relacionado à síntese de monoaminas, uma vez que ela induz a produção dos principais neurotransmissores monoaminérgicos associados ao transtorno depressivo maior (serotonina, norepinefrina e dopamina), explicou o Dr. Vladimir.

Altos níveis de inflamação (muitas vezes associados à obesidade) causam estresse oxidativo, que inibe a síntese desses neurotransmissores e faz com que eles se esgotem mais rapidamente. O levometilfolato cria uma "via metabólica de recuperação", que impede esse esgotamento e aumenta a resposta antidepressiva gerada pelas monoaminas, disse ele.

Um ‘bom acréscimo’

Comentando para o Medscape, o psiquiatra Dr. David Mischoulon, Ph.D., professor da cátedra Joyce R. Tedlow de psiquiatria na Harvard Medical School e diretor no Programa de Pesquisa Clínica da Depressão do Massachusetts General Hospital, ambos nos EUA, disse que o estudo "faz um bom trabalho resumindo o que já sabemos sobre o [uso do] levometilfolato como um tratamento complementar no transtorno depressivo maior". 

No entanto, ele recomendou "cautela" ao interpretar os achados, uma vez que "relativamente poucos" estudos foram analisados. 

O Dr. David, que não participou da pesquisa, também apontou que "um achado especialmente interessante desses estudos é que indivíduos que estão acima do peso e/ou apresentam uma elevação da atividade inflamatória parecem responder melhor ao acréscimo do levometilfolato [ao tratamento convencional]", disse ele. Ele observou que esse achado é semelhante ao que foi observado pela sua equipe ao analisar o potencial dos óleos de peixe no tratamento de quadros depressivos.

"Esses dados, no geral, não são surpreendentes, tendo em vista a relação multidirecional bem estabelecida entre transtorno depressivo maior, inflamação e excesso de peso", disse ele. 

O levometilfolato "parece ser um bom acréscimo ao arsenal farmacológico para o tratamento de transtornos depressivos. Além disso, considerando o fato de ele ser seguro e ter efeitos colaterais mínimos, é possível acrescentá-lo ao esquema terapêutico de pacientes que não respondem adequadamente aos antidepressivos tradicionais", disse ele.

O estudo foi financiado pela Alfasigma USA. Os pesquisadores não foram remunerados pela sua participação no estudo. O Dr. Vladimir Maletic informou já ter atuado como escritor remunerado para a Alfasigma USA, além de ter recebido remunerações como consultor/conselheiro para as empresas AbbVie/Allergan, Acadia, Alfasigma USA, Alkermes, Eisai-Purdue, Intra-Cellular Therapies, Janssen, Lundbeck A/S, Jazz, Noven, Otsuka America, Sage, Sunovion, Supernus e Takeda. Ele também já foi remunerado por palestras pela AbbVie, Acadia, Alkermes, Allergan, Eisai, Ironshore, Intra-Cellular, Janssen, H. Lundbeck A/S, Otsuka America, Sunovion, Supernus e Takeda. As informações sobre os conflitos de interesses dos outros autores estão listadas no artigo original. O Dr. David Mischoulon informou já ter recebido financiamento para pesquisas da Nordic Naturals e da Heckel Medizintechnik GmbH. Ele também já recebeu remunerações por palestras para Massachusetts General Hospital Psychiatry Academy, PeerPoint Medical Education Institute LLC e blog de Harvard. Além disso, ele trabalha em parceria com o MGH Clinical Trials Network and Institute, o qual já recebeu financiamento para pesquisas de várias empresas farmacêuticas e do NIMH.

Journal of Clinical Psychiatry. Publicado on-line em 09 de maio de 2023. Texto completo

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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