A dermatite atópica infantil é geralmente deflagrada quando o bebê tem por volta de um ano, e costuma iniciar na face. E, apesar de “maltratar” os bebês, as ressalvas dos médicos e responsáveis em relação ao tratamento na face de crianças tão pequenas muitas vezes significa que essa doença é "terrivelmente subtratada", disse o médico Dr. Robert Sidbury na conferência anual Revolutionizing Atopic Dermatitis.

Dr. Robert Sidbury
A identificação e o controle dos deflagradores — como irritação, alergia de contato e infecção — são os pilares do tratamento pediátrico, mas a terapia personalizada com corticoides, inibidores da calcineurina e inibidores da fosfodiesterase 4 tópicos, também é importante, disse o Dr. Sidbury, chefe da dermatologia no Seattle Children's Hospital e professor no Departamento de Pediatria da University of Washington nos Estados Unidos.

Dr. Lawrence Eichenfield
Entretanto, a perspectiva sobre o uso sistêmico do dupilumabe na dermatite atópica infantil grave mudou significativamente em 2022 após a aprovação do uso do imunobiológico para crianças de seis meses a cinco anos, pela Food and Drug Administration dos Estados Unidos, e a experiência prolongada do imunobiológico em todas as idades, disse o Dr. Lawrence F. Eichenfield, médico, professor de dermatologia e pediatria da University of California, San Diego nos EUA.
Os dermatologistas pediátricos abordaram os assuntos durante uma sessão dedicada à dermatite atópica na infância, na qual também foram discutidos o diagnóstico da doença e o papel/os riscos dos testes de alergia alimentar. Diagnosticar a dermatite atópica, disse a médica Dra. Elaine C. Siegfried, também durante a sessão, requer uma consideração criteriosa das doenças que a mimetizam e a identificação de lactentes com problemas de crescimento ou infecções frequentes.
Trazemos aqui algumas considerações importantes dos especialistas sobre o atendimento clínico.
Diagnóstico de dermatite atópica em lactentes

Dra. Elaine Siegfried
Entre bebês saudáveis, o fenótipo do eczema infantil engloba a dermatite atópica, a dermatite seborreica, a dermatite de contato, a psoríase — e a sobreposição de mais de uma dessas doenças. "A sobreposição é comum", disse a Dra. Elaine, professora de pediatria e dermatologia da Saint Louis University e diretora da divisão de dermatologia pediátrica do Cardinal Glennon Children's Hospital.
O tratamento tópico inicial de todas essas doenças é semelhante, mas pode diferir para sistêmico quando se trata de nível moderado a grave, disse a especialista em uma entrevista após a reunião.
A preservação da área da fralda, que reflete a integridade da barreira da pele, é uma caraterística clássica da dermatite atópica nos bebês. Além disso, "a hipopigmentação é mais caraterística da psoríase" do que da DA, que tende a ser hiperpigmentada, sendo mais evidente nos pacientes com pele mais escura, disse a Dra. Elaine.
As alterações pigmentares específicas da doença podem estar relacionadas com a colonização microbiana — como a hipopigmentação associada à Malassezia — ou com a rotatividade celular, que é mais rápida na psoríase e mais lenta na dermatite atópica — com diferenças correspondentes na retenção de pigmentos, e pode ser mais óbvia nas crianças do que nos adultos, disse a médica.
Um caso menos comum é a dermatite em bebês que estão com problemas de desenvolvimento. Para esses pacientes, observou a especialista, o diagnóstico diferencial engloba a dermatite metabólica ou a imunodeficiência, bem como uma variedade de genodermatoses.
Eritema generalizado e descamação no primeiro dia de vida são sugestivos de outras dermatites que não a atópica. "Se você nasceu com pele eritematosa e descamativa, isso é muito diferente do que apresentar eritema cutâneo no primeiro ou segundo mês de vida", disse a Dra. Elaine.
Na dermatite atópica, quando há comprometimento da pele na região da fralda, a dermatite de contato, o impetigo e a Candida podem ser fatores complicadores. E nos bebês com outras doenças — especialmente os que estão com deficiência de crescimento — isso sugere um leque de diagnóstico diferencial mais amplo. "Eu imploro a você, se atender crianças, certifique-se de pesá-las e medi-las em todas as consultas", disse a médica.
A Dra. Elaine já viu bebês com síndrome de Netherton, ou fibrose cística com deficiência de zinco, por exemplo, apresentando "um quadro eczematoso", comprometimento da região da fralda, entre outros.
Para lactentes com dermatite atópica, a médica mantém um alto índice de suspeita para infeções secundárias, como molusco contagioso, vírus do herpes simples com ou sem estreptococos, escabiose, Tinea e estreptococos do grupo A. "As infecções secundárias... podem ser uma incógnita", disse a especialista. "Procure sinais sutis".
A dermatite de contato alérgica secundária também é comum, embora seja "tecnicamente difícil confirmar o seu diagnóstico". O teste com adesivos em bebês é difícil, a sensibilidade é baixa, e a monossensibilização é pouco comum. "Então eu faço a prevenção inicial evitando empiricamente os alergênicos tópicos", tais quais os comuns e evitáveis, como Kathon, cocoamidopropilbetaína, propilenoglicol, azul disperso e adesivos.
Tratamento da dermatite atópica no lactente
A irritação cutânea "é provavelmente um dos maiores deflagradores" da dermatite atópica nos bebês, e a região da fralda, muitas vezes "intocada" em comparação a outras regiões com eczema inflamado, pode demonstrar a importância da hidratação para manter a pele saudável em bebês atópicos, disse Dr. Robert.
Um dos tratamentos "mais bem-sucedidos" para a DA em bebês é a barreira com pomada em torno da boca, do queixo e do tórax — regiões onde há contato frequente entre áreas secas e úmida (devido à baba) — antes e depois das refeições, disse o médico.
Outra possibilidade é o uso da hidrocortisona 2,5% misturada a 1:1 com mupirocina para bebês com infecção secundária e "aparência exsudativa e chorosa no rosto", disse o especialista. O antibiótico tópico no creme combinado "diminui a potência do esteroide e, muitas vezes, por sinergia, torna-o mais eficaz", tratando simultaneamente a inflamação, disse o médico. Ele ainda alerta contra os produtos que contêm neomicina, que pode ser um alergênico.
A combinação de creme antibiótico-corticoide-emoliente (o esquema Aron) também pode "ter bons resultados", disse o Dr. Robert.
As infecções geralmente são por Staphylococcus aureus, mas, em até 16% dos casos, ocorrem por Streptococcus. E, sobretudo se observar a crosta cor de mel das infecções por S. aureus, pode haver vesículas agrupadas que caracterizam o eczema herpético, disse o Dr. Robert. "Oriente os pais a tratar imediatamente as feridas para diminuir a disseminação do vírus do herpes e minimizar o risco para o bebê", completou.
Para o tratamento da inflamação associada à dermatite atópica na pele não acometida por infecções secundárias, o creme de hidrocortisona a 1%, de venda livre, costuma ser suficiente. "Para bebês muito jovens e prematuros em particular, geralmente não uso nada mais forte, porque sua barreira cutânea ainda não está totalmente completa, fazendo com que absorvam mais da substância do que crianças mais velhas", disse o especialista, reforçando que, em crianças com idade a partir de dois meses, pode-se considerar uma dose mais forte.
Pais e pediatras estão "muito preocupados" com o uso de corticoides tópicos, disse Dr. Robert. Para reverter essa preocupação, promovendo a adesão ao tratamento, o médico aponta que os bebês têm uma veia facilmente visível nas têmporas, onde a pele é naturalmente fina. Caso os pais observem essa mesma aparência pela primeira vez em outras regiões, após o uso de corticoides tópicos, esse pode ser o primeiro sinal de afilamento de pele, porém totalmente reversível nessa fase".
O especialista também destacou as consequências de negar o tratamento. Não se sabe se "tratar agressivamente no início previne futuros quadros ou manifestações de eczema, ou doenças concomitantes, mas não sabemos que não o faz", disse Dr. Robert. "E certamente sabemos o desconforto sentido pelo bebê com eczema . Então precisamos usar esses medicamentos".
O Dr. Robert utiliza pomada de tacrolimo a 0,03%, um inibidor tópico da calcineurina, somente se estiver preocupado com o uso excessivo de corticoides, e usa um esquema que alterna o inibidor tópico da calcineurina (usado nos lactentes sem indicação na bula por ser aprovado para as crianças com dois anos de idade ou mais) com corticoide tópico, por períodos de duração semelhantes (por exemplo, tratamento com corticoide tópico ou inibidor tópico da calcineurina por uma semana, ou revezamento de duas semanas ou de três dias cada). "E esses revezamentos podem ser dinâmicos dependendo da gravidade da crise em um determinado momento", disse o médico após a reunião.
Os dados pré-aprovados dos ensaios clínicos do tacrolimo são tranquilizadores e podem ser compartilhados com os pais. "Crianças de dois anos tiveram 90% da área de superfície corporal tratada durante 12 semanas" sem sinais de riscos sistêmicos, disse Dr. Robert.
O crisaborol, um inibidor tópico da fosfodiesterase 4 aprovado para tratar a dermatite atópica até os três meses de idade, não tem, como o tacrolimo, um alerta na bula sobre possível risco de câncer e pode ser alternado com corticoides tópicos. Ele pode causar dor em algumas crianças, mas os corticoides tópicos e os inibidores tópicos da calcineurina também podem provocar essa sensação, disse o médico, observando que o uso de amostras pode ajudar a prever o que vai ou não incomodar cada paciente.
Tratamento sistêmico de lactentes
O ensaio clínico de fase 3 Liberty AD PRESCHOOL, que fundamentou a aprovação do dupilumabe para uso em pacientes a partir dos seis meses de idade pela Food and Drug Administration dos Estados Unidos, publicado em 2022 no periódico Lancet, abrangeu crianças de seis meses a cinco anos, mas foi feito com apenas seis crianças com menos de dois anos de idade, "deixando-nos com um conjunto de dados muito limitado para esta faixa etária", disse Dr. Lawrence na reunião.
Outros dados e análises que trouxeram garantias, como uma análise de segurança laboratorial publicada on-line em 2022, mostrando não haver alterações significativas nos parâmetros laboratoriais de segurança nas crianças de seis meses, e dados infantis (não incluindo bebês) apresentados em uma reunião Revolutionizing Atopic Dermatitis em 2022 mostrando que o dupilumabe, um antagonista α do receptor da interleucina 4, pode ter efeitos positivos na densidade mineral óssea.
Dados da fase aberta do estudo Liberty AD PRESCHOOL apresentado na reunião de 2023 da American Academy of Dermatology, entretanto, mostraram que "o perfil de eventos adversos não foi muito diferente do que vemos nas crianças mais velhas", disse Dr. Lawrence. " Existem taxas baixas de eventos adversos graves e muito baixas de descontinuações ".
No Rady Children's Hospital, onde o Dr. Lawrence é chefe da dermatologia infantojuvenil, o dupilumabe tornou-se um fármaco sistêmico de primeira linha para tratar a dermatite atópica infantil grave, suplantando os medicamentos sistêmicos tradicionais, mas pouco utilizados, como corticoides orais, ciclosporina, metotrexato, azatioprina ou micofenolato, disse o médico depois da reunião.
A decisão de usar medicamentos por via oral nos dois primeiros anos de vida é "abrangente", exigindo conhecimento do histórico da criança e do curso da doença, tal como a avaliação da resposta aos tratamentos já feitos, as doenças concomitantes e a gravidade do quadro, disse o especialista.
Alergia alimentar nos bebês com dermatite atópica
A alergia alimentar é comum nas crianças com dermatite atópica moderada a grave, mas a verdadeira DA causada por alimentos, com a doença sendo o único sintoma da alergia, é rara, disse a médica Dra. Anne Marie Singh, professora associada no departamento de alergia, imunologia e reumatologia da University of Wisconsin, Madison nos EUA, que se concentra na pediatria.
Ao longo dos anos, estudos feitos a partir de testes de exposição alimentar, com duplo mascaramento e controlados por placebo em crianças com dermatite atópica, tenderam a mesclar a hipersensibilidade imediata mediada por IgE (e sintomas cutâneos como urticária) com DA, disse a Dra. Singh, que dirige o Food Allergy Research and Education Center of Excellence da universidade. Em um estudo publicado recentemente, liderado pela médica, contendo 374 crianças com dermatite atópica encaminhadas para clínicas de alergia e/ou subespecialidades dermatológicas da University of Wisconsin, Madison nos EUA, 55% delas tinham alergia alimentar, mas apenas 2% tinham dermatite atópica decorrente de alimentos "em que o eczema é o único sintoma, e a retirada do alimento da dieta eliminou o eczema e seu retorno o trouxe de volta", disse Dra. Singh. Outras 4% tinham uma mescla de alergia alimentar mediada por IgE e dermatite atópica deflagrada por alimentos. Quase metade das crianças com dermatite atópica deflagrada por alimentos tinha menos de um ano de idade, e o ovo foi o deflagrador mais comum, observou.
A comida deve ser implicada em grande parte pela história, enfatizou Dra. Singh.
O teste de alergia alimentar no contexto da dermatite atópica pode ser feito, mas é desafiador, com a relevância clínica do teste de picada de pele e da imunoglobulina E específica de alimentos difícil de prever. Valores preditivos de níveis de imunoglobulina E específica de alimentos são determinados para a alergia alimentar imediata mediada por IgE, mas os "limiares" da dermatite atópica deflagrada por alimentos não foram estabelecidos, explicou a especialista, observando que "esses são provavelmente maiores para crianças com dermatite atópica".
As dietas com eliminação de determinado alimento, além disso, representam riscos significativos de tolerância oral futura e de deficiências nutricionais e problemas de crescimento, disse a Dra. Singh. Reações novas e imediatas aos alimentos que são reintroduzidos após uma dieta da eliminação são comuns, e pesquisas mostraram que 20% ou mais dessas reações foram anafiláticas. "Ao fazer uma dieta de eliminação, você precisa de planos de ação de emergência, adrenalina injetável e orientação nutricional", disse a especialista.
Uma revisão sistemática recente e uma metanálise contraindicaram condicionalmente as dietas de eliminação para o tratamento da dermatite atópica, observou a Dra. Singh.
Indagada pelo Dr. Robert se há "um ponto de equilíbrio no qual você possa eliminar certos alimentos, mas não uma grande quantidade", Dra. Singh disse que às vezes faz um "teste de eliminação diagnóstica" excluindo alimentos somente por duas a quatro semanas — um período após o qual "se sente muito confortável para reintroduzi-los".
Dra. Singh pediu que os dermatologistas "conheçam seus alergistas" porque "os pacientes respondem melhor a um tratamento homogêneo".
Dr. Robert Sidbury informou ter relações financeiras com as empresas Regeron, UCB, Pfizer, Leo Pharma, Lilly e Beiersdorf. A Dra. Elaine Siegfried informou ter relações financeiras com as empresas Pfizer, Regeron, Sanofi Genzyme, Pfizer, UCB, Novan e Leo Pharma. A Dra. Anne Marie Singh informou ter relações financeiras com as empresas Incyte e Siolta Therapeutics. O Dr. Lawrence Eichenfield informou ter relações financeiras com as empresas, Regeron, Sanofi Genzyme, Incyte e Pfizer.
Este artigo foi originalmente publicado em MDedge.com , parte da rede profissional do Medscape.
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Imagem 1: Dr. Robert Sidbury
Imagem 2: University of California, San Diego
Imagem 3: Dra. Elaine Siegfried
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Citar este artigo: Dermatite atópica na infância: diagnóstico e tratamento - Medscape - 7 de junho de 2023.
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