Estimulação transcraniana proporciona melhora significativa e ‘imediata’ da função cognitiva, diz metanálise

Megan Brooks

7 de junho de 2023

A estimulação transcraniana por corrente alternada (ETCA) traz benefícios cognitivos moderados para idosos saudáveis e pessoas com distúrbios neuropsiquiátricos, segundo os resultados da maior e mais abrangente metanálise já realizada sobre a técnica.

"A ETCA mostrara-se muito promissora para a melhora da função mental, mas a capacidade de realmente entregar esse benefício vinha sendo tema de considerável debate no campo da estimulação cerebral", disse para o Medscape o pesquisador sênior Dr. Robert Reinhart, Ph.D., do Cognitive & Clinical Neuroscience Laboratory da Boston University, nos Estados Unidos.

Dada a heterogeneidade das evidências sobre a ETCA para a melhora da cognição, Dr. Robert et al. utilizaram técnicas estatísticas metanalíticas para quantificar a sistemática das evidências em vários estudos.

Foi um bom momento para fazer essa análise, disse o Dr. Robert, visto que o número de estudos de ETCA "mais do que dobrou desde a última metanálise, e a ETCA evoluiu rapidamente, tornando-se cada vez mais sofisticada".

O estudo foi publicado on-line em 24 de maio no periódico Science Translational Medicine.

Melhora significativa e imediata

A análise incluiu 102 estudos publicados entre 2006 e 2021 que avaliaram a ETCA em pessoas saudáveis e em pacientes com distúrbios neurológicos ou transtornos psiquiátricos.

Juntos, esses estudos somam 2.893 participantes (1.290 homens e 1.603 mulheres) com média de idade de 30 anos; 333 participantes eram idosos (média de idade de 67 anos).

No total, 177 participantes tinham doença clínica, como transtorno depressivo maior, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, epilepsia, doença de Parkinson, esquizofrenia e comprometimento cognitivo leve.

Ao compilar mais de 300 critérios de função mental entre os estudos, houve evidências de melhora significativa, confiável e imediata da função mental com a ETCA, disse Dr. Robert para o Medscape.

Ao examinar as funções mentais específicas separadamente — como memória, atenção ou inteligência — a ETCA produziu a maior melhora no controle executivo, ou na capacidade de adaptar o comportamento diante de informações novas, surpreendentes ou conflitantes, observou o pesquisador.

"Também encontramos melhoras na capacidade de prestar atenção, na capacidade de memorizar informações por períodos curtos e longos de tempo, bem como nas medidas de inteligência. Juntos, esses resultados sugerem que a ETCA possa melhorar determinados tipos específicos de função mental, pelo menos em curto prazo", disse o Dr. Robert.

Para definir o efeito da ETCA entre as pessoas que mais precisam, os pesquisadores examinaram qual foi a repercussão da ETCA na função mental de duas subpopulações que podem ser particularmente vulneráveis a alterações cerebrais: os idosos e os pacientes.

"Nas duas subpopulações, encontramos evidências confiáveis de melhoras da função mental com a ETCA. Curiosamente, também descobrimos que, na ETCA especializada, que pode chegar a duas regiões cerebrais ao mesmo tempo, a manipulação da relação entre as duas regiões pode tanto melhorar como prejudicar a função mental", disse o Dr. Robert para o Medscape.

Essa regulação bidirecional da função mental pode ser particularmente útil na prática clínica, observou o pesquisador.

"Por exemplo, doenças como a depressão podem ter redução da capacidade de processamento de recompensas, enquanto outras, como o transtorno bipolar, podem ter uma alta atividade do sistema de processamento de recompensas. Com a capacidade de mudar a função mental em qualquer direção, podemos estar aptos a criar projetos flexíveis direcionados a atender as necessidades clínicas específicas", disse o Dr. Robert.

Os pesquisadores alertaram que, embora as análises sugiram melhoras imediatas da função cognitiva com a ETCA, não falam da sustentabilidade dessas melhoras. A durabilidade das alterações cognitivas é uma questão fundamental para futuros estudos.

‘Grande potencial’, mas ainda há perguntas sem resposta

Convidado pelo Medscape para comentar essa pesquisa, o médico Dr. Shaheen Lakhan, Ph.D., neurologista e pesquisador em Boston, disse que a ETCA demonstrou ter "grande potencial" na modulação dos sistemas e circuitos cerebrais. "No entanto, é importante notar que a ETCA ainda está nos estágios primordiais de seu desenvolvimento e requer mais refinamento".

"Antes que a ETCA possa se tornar amplamente utilizada, vários aspectos cruciais precisam ser abordados. Em primeiro lugar, precisamos determinar as regiões cerebrais específicas que devem escolhidas como alvo para os melhores desfechos. Além disso, devemos identificar os tipos de pacientes que se beneficiariam mais com essa técnica", disse o Dr. Shaheen, que não participou da metanálise.

"Além disso, é crucial verificar se os benefícios observados em experimentos controlados realmente se traduzem em cenários da vida real, como dirigir um carro, desempenho no trabalho, realizações acadêmicas e melhores relações sociais. Uma coisa é testemunhar melhoras no desempenho de testes cerebrais, mas é essencial entender as implicações práticas dessas melhoras", comentou o Dr. Shaheen.

O médico disse que vislumbra "uma combinação de fármacos, dispositivos e aplicações trabalhando em conjunto harmoniosamente dentro de um sistema fechado para modular o cérebro, especificamente visando e aliviando doenças como a depressão, a ansiedade e a hiperatividade".

"No entanto, esse avanço suscita questionamentos profundos sobre as fronteiras entre o uso clínico e o neuroaprimoramento, desafiando nossos constructos sociais existentes", disse o Dr. Shaheen.

"Nossa personalidade, até certo ponto, é moldada pelas intrincadas redes no interior do nosso cérebro. De forma impressionante, nossa assinatura cerebral pode revelar aspectos do nosso caráter, como gentileza, abertura, consciência, neuroticismo e até mesmo nossas afiliações políticas", acrescentou.

"À medida que nos aventuramos neste excitante reino de desbloqueio e manipulação do cérebro, é imperativo abordá-lo com cautela, considerações éticas e uma profunda compreensão das potenciais consequências", disse o Dr. Shaheen.

"Somente através de uma exploração responsável e de uma navegação cuidadosa podemos aproveitar plenamente o poder dessas tecnologias, respeitando a complexidade de nossa identidade individual e as implicações sociais mais amplas que ela implica", acrescentou.

Este trabalho foi subsidiado por bolsas dos National Institutes of Health e uma doação de um filantropo. O Dr. Robert Reinhart e o Dr. Shaheen Lakhan informaram não ter conflitos de interesses.

Sci Transl Med. Publicado on-line em 24 de maio de 2023. Abstract

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube

Comente

3090D553-9492-4563-8681-AD288FA52ACE
Comentários são moderados. Veja os nossos Termos de Uso

processing....