Estudo INDIGO: vorasidenibe pode mudar o cenário do tratamento de tumores cerebrais

Neil Osterweil

6 de junho de 2023

Pacientes com um tipo específico de tumor cerebral em breve poderão ser tratados com um medicamento oral direcionado em vez de serem submetidos a intervenções altamente tóxicas — como a quimioterapia e a radioterapia —, segundo pesquisadores responsáveis por um estudo inédito, cujos resultados podem mudar o cenário do tratamento neuro-oncológico.

O medicamento experimental vorasidenibe (produzido pela farmacêutica Servier) aguarda aprovação para o tratamento de gliomas em portadores de mutações nos genes responsáveis pela produção da isocitrato desidrogenase tipo 1 (IDH-1) e tipo 2 (IDH-2).

Os resultados da fase 3 do estudo INDIGO mostram que o medicamento foi associado a um retardo significativo na progressão da doença quando comparado ao placebo.  

A mediana da sobrevida livre de progressão de doença foi de 27,7 meses nos pacientes tratados com vorasidenibe versus 11,1 meses nos pacientes que receberam placebo (razão de risco [RR] de progressão de doença ou morte após o uso do vorasidenibe de 0,39; p < 0,0001).

O fármaco também foi associado a um aumento significativo do intervalo até o ciclo de tratamento seguinte, e a maioria dos pacientes tolerou bem o medicamento, segundo o primeiro autor do estudo, Dr. Ingo K. Mellinghoff, médico vinculado ao Memorial Sloan Kettering Cancer Center, nos EUA.

Os resultados do estudo mostraram que "o tratamento com um medicamento oral direcionado pode reduzir o risco de progressão do tumor em 61%, o que, na nossa opinião, é um sinal importante de eficácia, com o potencial de mudar o cenário atual relacionado ao glioma", ele comentou.

O Dr. Ingo falou em uma coletiva de imprensa antes de apresentar os dados da pesquisa em uma sessão plenária na reunião anual da American Society of Clinical Oncology (ASCO).

O estudo foi publicado on-line no periódico New England Journal of Medicine no mesmo dia da apresentação.

"Vocês acabaram de ver [nessa apresentação] um ensaio clínico que foi bem conduzido e bem pensado: [a intenção foi] usar um medicamento oral, direcionado e bem tolerado para testar a possibilidade de retardar o uso de quimioterapia e radioterapia convencionais", disse o Dr. Glenn Lesser, oncologista membro da ASCO e debatedor convidado que é afiliado à Wake Forest Baptist Health, nos EUA.

"Os resultados são impressionantes e altamente significativos do ponto de vista estatístico; além disso, o mais importante é que são muito, muito significativos clinicamente", ele acrescentou.

"Os resultados desse estudo sugerem que, em determinados pacientes com gliomas de baixo grau que apresentam mutações relacionadas à IDH, podemos retardar o uso de quimioterapias e radioterapias tóxicas por alguns anos ou até mesmo muitos anos e, com isso, retardar as toxicidades crônicas associadas a essas intervenções em um grupo de pacientes que normalmente apresenta uma grande sobrevida no longo prazo", disse o Dr. Glenn.

Um medicamento oral que penetra a barreira hematoencefálica

O vorasidenibe é um inibidor oral das enzimas IDH-1 e IDH-2, com a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica. As mutações relacionadas à IDH-1 são encontradas em cerca de 80% dos gliomas de grau 2. Já as ligadas à IDH-2 ocorrem em cerca de 4% desses tumores.

A quimiorradioterapia adjuvante é atualmente o tratamento padrão para pacientes com gliomas de graus 2 e 3 com mutações na IDH, os quais apresentam um alto risco de progressão precoce.

Muitos pacientes com gliomas de grau 2 que apresentam mutações na IDH-2 são inicialmente acompanhados com exames seriados de ressonância magnética, sendo os tratamentos tóxicos reservados para o uso após a progressão da doença, apontou o Dr. Ingo.

O vorasidenibe oferece a possibilidade de retardarmos o uso de tratamentos mais tóxicos e pode alterar a história natural do glioma difuso, ajudando os pacientes a manter uma boa qualidade de vida, disse ele.

Detalhes do estudo

O estudo INDIGO foi realizado com 331 pacientes com gliomas de grau 2, portadores de mutações relacionadas à IDH, provenientes de 77 centros em 10 países na América do Norte, na Europa e no Oriente Médio.

Os pacientes tinham entre 12 e 80 anos e haviam sido diagnosticados com oligodendroglioma/astrocitoma residual/recidivante de grau 2, com mutações ligadas a IDH-1 ou IDH-2. Além disso, esses indivíduos tinham lesões detectáveis nos exames de neuroimagem sem realce pelo meio de contraste e não haviam recebido tratamento prévio para glioma (a cirurgia mais recente havia sido realizada entre um e cinco anos antes da randomização). Somente os pacientes sem indicação urgente de quimioterapia e/ou radioterapia foram elegíveis para o estudo.

Após uma estratificação conforme a presença ou ausência da codeleção cromossômica 1p/19q e o tamanho inicial do tumor, os participantes do estudo foram selecionados aleatoriamente para receber o vorasidenibe, na dose de 40 mg/dia, ou o placebo, em ciclos de 28 dias.

Em uma segunda análise preliminar dos dados, realizada em setembro de 2022, observou-se que 226 (68,3%) dos 331 pacientes ainda estavam em tratamento após um tempo mediano de acompanhamento de 14,2 meses.

O desfecho primário utilizado no estudo foi a mediana da sobrevida livre de progressão de doença, definida por meio da análise cega de um comitê central independente. Os pacientes que receberam o medicamento experimental tiveram, neste índice, 16,6 meses a mais em comparação com os que receberam o placebo.

Também houve um aumento significativo do período até o próximo ciclo de tratamento após o uso do vorasidenibe, mas ainda não foi possível calcular a mediana. Para o placebo, a mediana desse intervalo foi de 17,4 meses (RR de 0,26; p < 0,001).

Mais de 20% dos pacientes tratados com o fármaco apresentaram efeitos adversos, sendo eles: elevação de enzimas hepáticas, fadiga, cefaleia, diarreia e náuseas. Dentre os pacientes que usaram o medicamento experimental, 9,6% apresentaram elevações da alanina aminotransferase entre 5,1 e 10 vezes o limite superior da normalidade, o que não ocorreu nos pacientes do grupo controle.

O vorasidenibe recebeu a aprovação acelerada da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA em março deste ano. Atualmente, o medicamento está sendo testado em combinação com o pembrolizumabe em um estudo de fase 1, em pacientes com gliomas de graus 2 e 3. Além disso, pesquisadores ainda consideram avaliar o uso do medicamento em associação com outros fármacos.

O estudo foi financiado pela Servier Pharmaceuticals, fabricante do vorasidenibe. O Dr. Ingo K. Mellinghoff informou já ter recebido remunerações da Roche, além de atuar como consultor/assessor nas empresas Agios, Black Diamond Therapeutics, Debiopharm Group, Puma Biotechnology e Voyager Therapeutics. Ele também já recebeu financiamento para pesquisas da Amgen, General Electric e Lilly, e já teve despesas de viagens pagas pela Agios, AstraZeneca, Puma Biotechnology, Roche e Voyager Therapeutics. O Dr. Glenn Lesser informou ter recebido remunerações da SDP Oncology e atuado como consultor/conselheiro para as empresas Cancer Expert Now, Agio, IN8bio e Ono Pharmaceutical.

American Society of Clinical Oncology (ASCO) 2023: Abstract LBA1. Apresentado em 04 de junho de 2023.

New England Journal of Medicine. Publicado em 04 de junho de 2023. Abstract

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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