Inibidores de P2Y12 de rotina não beneficiam pacientes com covid-19 grave

Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

Notificação

5 de junho de 2023

A literatura vem sugerindo um papel relevante das plaquetas na patogênese da covid-19, [1,2] e pesquisas básicas apontam o potencial dos antiagregantes plaquetários no tratamento da doença. Mas, no campo dos ensaios clínicos randomizados, os resultados têm sido frustrantes. Um artigo publicado em maio no periódico JAMA Network Open [3] reforça essa tendência; o ensaio internacional aberto, multicêntrico e randomizado mostra que o uso rotineiro de inibidores dos receptores P2Y12 não trouxe benefício clínico a pacientes hospitalizados por covid-19 grave.

Apoiado pelos National Institutes of Health (NIH), o estudo ACTIV-4a foi desenhado para avaliar os efeitos de tratamentos antitrombóticos em pacientes hospitalizados com covid-19 a partir de dados de um consórcio colaborativo. Na pesquisa, Dr. Jeffrey Berger, afiliado ao Center for the Prevention of Cardiovascular Disease da NYU Grossman School of Medicine, e seus colaboradores analisaram dados de 949 participantes em hospitalizados por covid-19 grave. Parte dos participantes foi randomizada para receber um inibidor de P2Y12 (n = 479), enquanto o outro grupo recebeu o tratamento convencional (n = 470).

Os participantes, que eram oriundos de centros de saúde de cinco países (Brasil, Itália, México, Espanha e Estados Unidos), foram incluídos na pesquisa entre fevereiro de 2021 e junho de 2022. O grupo de intervenção foi tratado com inibidor de P2Y12 por 14 dias ou até a alta hospitalar, caso acontecesse antes do intervalo determinado. A mediana de duração do tratamento com os fármacos avaliados foi de nove dias (6 a 14 dias).

Entre os pacientes que receberam algum inibidor de P2Y12, prevaleceu o uso do ticagrelor (78,8%), seguido do clopidogrel (21,2%). A recomendação para o uso de ticagrelor foi de 60 mg duas vezes ao dia, sem dose de ataque. Já para clopidogrel foi recomendada uma dose de ataque de 300 mg. Também foram aceitos pacientes que usaram prasugrel.

O uso de inibidores de P2Y12 não foi associado a mais dias sem suporte cardiovascular ou respiratório, desfecho primário da pesquisa. Quem recebeu o antiagregante plaquetário ficou uma mediana de 12 dias sem suporte respiratório ou cardiovascular, a mediana do grupo controle foi de 11 dias. Também não houve impacto significativo dos medicamentos analisados na sobrevida; a taxa de sobrevida até a alta hospitalar foi de 74,5% no grupo de intervenção versus 72,4% no grupo controle. Já a taxa de mortalidade estimada aos 90 dias foi 25,5% no grupo de intervenção vs. 27% no que recebeu o tratamento convencional.

Quanto aos eventos adversos, sangramento maior foi observado em 13 participantes (2,7%) que receberam os inibidores e em 13 (2,8%) pacientes do grupo controle.

Implicações do estudo

Diante dos resultados, os autores consideram que não há evidências que corroborem o uso rotineiro de inibidores de P2Y12 em pacientes hospitalizados por quadro grave de covid-19. Anteriormente, o grupo já havia mostrado que não houve benefício clínico com essa classe de medicamentos em pacientes hospitalizados com quadros mais leves de covid-19. [4]

Segundo o Dr. Renato Lopes, médico afiliado ao Duke University Medical Center, nos EUA, e um dos autores da pesquisa, estudos que trazem resultados neutros, tais como os citados, e os que revelam malefício também são relevantes para a prática clínica. “Não podemos apenas seguir condutas que vão melhorar os [quadros dos] pacientes, também precisamos deixar de seguir condutas que possam piorá-los e que possam aumentar os riscos de uma complicação”, pontuou o especialista para o Medscape, lembrando que as pesquisas também ajudam, portanto, a informar o que não deve ser feito pelos profissionais de saúde.

Dessa forma, com base na totalidade de dados, ele destacou que acredita que não há mais espaço para este tipo de tratamento na covid-19. “Acho que já aprendemos que a covid-19 é uma situação pró-trombótica, mas, na maior parte dos estudos e dos cenários clínicos, mostramos que uma anticoagulação mais agressiva não trouxe benefício, com raras exceções, e o uso de antiagregante plaquetário, que era promissor, não se mostrou benéfico”, ressaltou.

Em cenário com menor incidência das formas graves da covid-19, o médico considera que, no momento, é preciso voltar a atenção para patologias mais prevalentes e que estão matando mais do que a infecção por SARS-CoV-2, como as doenças cardiovasculares. “Temos que voltar a focar em medicamentos e estratégias que melhorem o risco cardiovascular, que tratem as doenças cardiovasculares e que as previnam”, destacou.

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