COMENTÁRIO

Comunicação em saúde é essencial — mas não é gratuita

Roberta Villa

5 de junho de 2023

A propaganda da farmacêutica GSK — que está preparando o terreno para a chegada da nova vacina contra o vírus sincicial respiratório (VSR) nos Estados Unidos — é do tipo que apela diretamente para o medo. E faz isso de forma sutil e elegante, mas inequívoca, com o slogan "Cut Short by RSV" (em tradução livre: “Destruído pelo VSR”) em um fundo preto, acima de uma linha amarela que em determinado momento acaba, remetendo a um monitor de eletrocardiograma. Uma associação perturbadora de ideias, amplificada pelo leve zumbido que acompanha o texto, com informações básicas explicando ao público o que é o vírus e os danos que causa na saúde das pessoas mais velhas.

Esse final sombrio pega o espectador de surpresa, cortando abruptamente a fala de um jogador de tênis alegre e barrigudo de cabelos brancos, depois de um senhor espirituoso, amante da arte e, em seguida, de um voluntário de mesma idade relatando que, mesmo após 65 anos de idade, a vida pode ser ativa, cheia de interesses e estímulos ─ e tudo isso pode ser rapidamente destruído pela infecção. O objetivo de sensibilizar para a importância de um vírus desconhecido do público em geral até poucos meses atrás parece ser plenamente alcançado. Por outro lado, dias depois do lançamento, seus os efeitos sobre a adesão à vacinação ainda são imprevisíveis, e com essa abordagem provavelmente não seriam os mesmos em todos os países.

O profissionalismo da comunicação

As grandes agências de publicidade que trabalham para a indústria farmacêutica, bem como para indústrias de carros de luxo, geralmente sabem o que estão fazendo, por isso são bem remuneradas. É improvável que incorram nos erros observados por vezes quando nossas instituições tentam lançar campanhas de promoção da saúde feitas com baixo custo, quando não gratuitamente. O memorável Dia da Fertilidade na Itália, idealizado pela ministra Beatrice Lorenzin, se tornou agora um estudo de caso do que nunca deveria ser feito na comunicação institucional. Ou, olhando para trás, aquela campanha, também do Ministério da Saúde italiano, que em 2009 usou a voz infantil do Topo Gigio para tranquilizar os italianos a respeito da chamada pandemia de "gripe suína" da influenza A (H1N1), quando a população já estava sofrendo seus efeitos. "A gripe A é uma gripe normal", afirmava a propaganda que obteve o duplo resultado de desencorajar os italianos a tomar as vacinas compradas pelo mesmo ministério e confirmar sua convicção de que a gripe sazonal é algo "normal", que não precisamos tentar evitar com a vacinação. Muitos especialistas acreditam que, pelo menos em parte, o colapso da cobertura da temporada seguinte na Itália, quando o vírus H1N1 atingiu o país com ainda mais força, foi consequência dessa campanha.

A percepção do risco

Informar sobre vacinas não é fácil: por um lado, precisamos veicular conhecimento e compartilhar a percepção do risco de doenças que às vezes são pouco conhecidas ou subestimadas e, por outro lado, é necessário balancear cuidadosamente o uso do medo para não gerar reações paradoxais de evitação e negação. É preciso dosar, mas a medida não é a mesma em todos os lugares e os anunciantes, se forem bons, conhecem bem o público-alvo e sabem como usá-lo para diferentes públicos.

Por isso, tendo em vista o lançamento da nova vacina nos EUA, junto com o comercial descrito acima, a GSK criou uma campanha de conscientização diferente, chamada Sideline, que se vale da fala de alguém muito conhecido: o ex-jogador de basquete Magic Johnson, um dos maiores atletas de todos os tempos, que tem sido o porta-voz de várias iniciativas de promoção da saúde ao longo dos anos. Usando uma imagem positiva, não se ativa o medo como no outro caso, mas a confiança. Mostrando um corpo forte e um rosto aberto, o protagonista fala sobre os riscos do VSR; ele está em um ambiente escuro — mas não angustiante — e aberto à luz de uma vacina que ainda não é mencionada nos comerciais, mas presume-se que chegue em breve.

Depois da European Medicines Agency (EMA), a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA também deu sinal verde para a primeira vacina contra o VSR para pessoas com mais de 60 anos. O produto, criado pela própria GSK, só estará disponível quando a Comissão Europeia, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e o Prevention’s Advisory Committee on Immunization Practices dos EUA confirmarem a autorização de introdução no mercado. A empresa anunciou que tem pelo menos um milhão de doses prontas em estoque, por isso é muito provável que as campanhas de vacinação comecem em meados deste ano. 

Também perigoso na primeira infância, somente entre as pessoas com mais de 65 anos o vírus causa por ano 250 mil hospitalizações e 17 mil mortes na Europa, e pelo menos 159 mil e 10 mil nos EUA, respectivamente. Esses dados são próximos aos observados em temporadas de gripe mais brandas, mas a vacinação contra o VSR promete ter um impacto mais forte na infecção do que o alcançado pelos imunizantes contra a gripe, com eficácia contra hospitalizações que podem ser duas vezes maior: na verdade, no estudo de fase 3 publicado no periódico New England Journal of Medicine, a proteção contra a infecção grave do trato respiratório inferior associada ao VSR foi de 94%. Portanto, é um produto muito esperado que parece ser eficaz e responder a uma necessidade real da saúde. 

O retorno das novas tecnologias

A vacina da GSK, no entanto, não monopolizará o mercado, mas está destinada a abrir o caminho para outros concorrentes com a linha de produção pronta. Dois partem da experiência adquirida durante a pandemia: a Janssen tem realizado estudos de um imunizante de adenovírus e a Moderna, está desenvolvendo uma vacina de ARN mensageiro que já passou da fase 3 com excelentes resultados. A primeira a ser lançada após a vacina da GSK, no entanto, deve ser a da Pfizer, cuja aprovação deve acontecer em breve. Em seguida, a mesma empresa deve comercializar um produto de proteção ao recém-nascido destinado às gestantes, como alternativa aos anticorpos monoclonais da Sanofi (nirsevimabe) — atualmente utilizados em casos de risco.

Na Itália, a escolha da comunicação das grandes empresas parece diferente. A Pfizer, há alguns meses, lançou uma campanha contra a pneumonia pneumocócica, que promove sorridente o seu produto em um ambiente tranquilo, sem dar espaço ao medo da doença. Isso vale também para a atmosfera da campanha contra a encefalite transmitida por carrapatos, baseada em um jogo de palavras e em imagens solares e coloridas. Os mesmos recursos são usados na campanha da MSD para vacinação dos recém-nascidos contra o rotavírus, na qual o convite para não adiar a consulta não é impulsionado por uma sensação de urgência, mas apenas pelo bem-estar da bela criança que é mostrada na propaganda. 

A qualidade tem um preço

Uma parte essencial da comunicação atual é o engajamento. A Sanofi responde a esta exigência com uma iniciativa com hashtags, usada no ano passado para a comunicação sobre o VSR no concurso destinado a equipes multidisciplinares compostas de alunos das Scuole di Pediatria e di Igiene e Sanità Pubblica na Itália, especialistas em comunicação — inclusive em redes sociais — e novos pais.

Apenas mensagens positivas, portanto, entre as escolhidas pelas empresas para o público italiano, para o qual talvez a chamada ao eletrocardiograma silenciado não tivesse o efeito desejado. Vimos também a vacina contra o herpes-zóster, apresentada nos meios de comunicação italianos com um anúncio estrondoso, mas que chama a doença pelo seu nome mais comum e faz trocadilhos, usando um humor que pode parecer um pouco ultrapassado para os jovens, mas atinge o alvo pretendido. Essa estratégia é inteiramente diferente do terrível comercial que foi ao ar nos EUA no ano passado, comparando a mesma doença com os choques elétricos da tortura. Imagens que fariam nossos idosos mudar imediatamente de canal, um pouco como aconteceu com "O quarto dos abraços", comercial concebido e realizado no início da grande campanha de vacinação contra a pandemia da covid-19: avó e neta, que só podem se abraçar através de uma lâmina de plástico, em um ambiente escuro, com uma música angustiante, e as palavras da idosa que, em vez de incentivar a menina, parecem elogiar suas dúvidas sobre vacinação.

A comunicação é uma arma poderosa, mas é preciso saber usá-la. Se as instituições continuarem a reconhecer isso, mas não estiverem preparadas para investir em produtos de qualidade, a promoção da saúde será deixada nas mãos da iniciativa privada, contando apenas com sua honestidade intelectual. Uma aposta arriscada, da qual não poderemos reclamar depois.

A autora, Roberta Villa, informou já ter recebido remuneração da GSK e da Sanofi por palestras, e moderações de mesas redondas sobre vacinas.

Este conteúdo foi originalmente publicado na Univadis ─ Medscape Professional Network

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