Notícias e posts nas mídias sociais alertam para a queda de cabelo associada ao uso (off label) de Wegovy, Ozempic ou Mounjaro para emagrecer. Devemos nos preocupar?
De acordo com os dermatologistas e endocrinologistas contatados pelo Medscape é que não.
Cabe a cada um pesar os riscos e os benefícios do tratamento da obesidade ─ inclusive o baixo risco de apresentar alopecia temporária, afirmou um especialista.
Wegovy, Ozempic e Mounjaro
Desses três fármacos mais novos, apenas a semaglutida (Wegovy), um agonista do receptor do peptídeo 1 glucagonoide (GLP-1, sigla do inglês Glucagon-Like Peptide-1), foi aprovada pela Food and Drug Administration dos Estados Unidos (junho de 2021) para o controle ponderal – especificamente para indivíduos com obesidade (índice de massa corporal [IMC] ≥ 30 kg/m2) ou sobrepeso (IMC ≥ 27 kg/m2) que apresentem ao menos uma comorbidade relacionada ao excesso de peso, como hipertensão, diabetes tipo 2 e hipercolesterolemia. Recomenda-se uma injeção semanal de até 2,4 mg.
Quando houve uma escassez de Wegovy, logo após a sua disponibilização no mercado, algumas pessoas recorreram ao mesmo princípio ativo – a semaglutida – comercializado, porém, como Ozempic, indicado para diabetes tipo 2 com a titulação de uma injeção semanal de até 2,0 mg. Outros ainda optaram pela tirzepatida (Mounjaro), um agonista duplo do GLP-1 e do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP, sigla do inglês Glucose-dependent Insulinotropic Polypeptide). A tirzepatida é aprovada para diabetes tipo 2 nos EUA, mas não foi aprovada para perda ponderal.
A escassez de Wegovy continua ocorrendo.
A alopecia foi um efeito colateral raro nos ensaios clínicos desses fármacos; notadamente, foi mais comum após a cirurgia bariátrica.
Em ensaios clínicos, 3% dos pacientes que receberam Wegovy (uma injeção de 2,4 mg/semana) relataram alopecia, versus 1% dos pacientes que receberam placebo. A alopecia não foi relatada como efeito colateral em ensaios clínicos com Ozempic (uma injeção de 2,0 mg/semana) para diabetes tipo 2. Em um ensaio clínico de tirzepatida para perda ponderal na obesidade, 5,7% dos pacientes que tomaram a dose mais alta (uma injeção de 15,0 mg/semana) relataram alopecia versus 1% do grupo placebo.
Em contraste, uma revisão de 18 estudos predominantemente observacionais registrou que 57% dos pacientes apresentaram alopecia após a cirurgia bariátrica.
É o fármaco ou a perda ponderal de forma rápida?
Nenhum dos especialistas consultados pelo Medscape atendeu pacientes que os procuraram com queixa de alopecia enquanto tomavam esses medicamentos com o intuito de emagrecer.
"Não tenho atendido pacientes reclamando de queda de cabelo devido a esses medicamentos, mas talvez seja apenas uma questão de tempo", disse a médica Dra. Lynne J. Goldberg, professora de dermatologia e patologia clínica/medicina laboratorial na Boston University School of Medicine e diretora da clínica capilar do Boston Medical Center, ambos nos Estados Unidos.
"Alguns de meus pacientes perdem cabelo quando perdem peso, geralmente como resultado da própria perda ponderal, e não como efeito colateral desses medicamentos", comentou a Dra. Katharine H. Saunders, médica especialista em obesidade, cofundadora da Intellihealth e professora assistente de medicina da Weill Cornell Medicine, nos Estados Unidos.
"A alopecia devido à perda ponderal de forma rápida é muito comum e não é necessariamente um efeito colateral do medicamento em si, mas acontece mais como resultado da rapidez com que ocorre a perda de peso", afirmou a Dra. Susan Massick, professora associada de dermatologia na Ohio State University e dermatologista no Ohio State´s Wexner Medical Center, ambos nos Estados Unidos.
"A alopecia é complicada", observou a Dra. Anne Peters. "Perder peso e/ou mudar sua alimentação causa queda de cabelo. O estresse pode causar alopecia", explicou a médica, diretora dos USC Clinical Diabetes Programs nos Estados Unidos. "Portanto, é difícil separar a perda ponderal do efeito do medicamento", registrou ela.
Eflúvio telógeno com perda ponderal de forma rápida
A alopecia parece estar associada à perda ponderal de forma rápida, concordaram os especialistas.
"É raro, mas podemos ver pacientes que têm um período de queda de cabelo difusa, chamado eflúvio telógeno ou ‘queda secundária ao estresse’, com a perda de peso de maneira rápida", explicou o Dr. Michael A. Weintraub, endocrinologista da NYU Langone Health, nos Estados Unidos.
Essa queda de cabelo tem relação tanto com o estresse físico (cirurgia, gestação, doença) quanto o emocional, acrescentou o Dr. Michael, que é professor assistente na NYU Grossman School of Medicine.
A alopecia por perda ponderal rápida pode ser causada por um medicamento para tratar a obesidade, mas também pode ocorrer com outros tratamentos, como cirurgia bariátrica ou mudanças drásticas na alimentação, observou ele. A queda de cabelo é tipicamente reversível e de curta duração.
Cerca de 80% a 85% do cabelo está na fase anágena (crescimento), cerca de 5% está na fase catágena (transição) e o restante está na fase telógena (repouso ou queda), explicou a Dra. Susan. No eflúvio telógeno, os fios de cabelo que normalmente estão na fase anágena mudam repentinamente para a fase telógena e caem rapidamente.
"O eflúvio telógeno pode ser causado por perda ponderal rápida, cirurgia de grande porte, covid-19 na forma grave, febre alta ou morte na família", observou ela. "Você não ficará careca com o eflúvio telógeno, mas pode perder um bom volume de cabelo", muito mais do que a perda normal de até 100 fios por dia.
"Antes de se submeterem à cirurgia bariátrica, esclareço a meus pacientes sobre a possibilidade de queda de cabelo", ressaltou a Dra. Katharine. "Geralmente, os benefícios para a saúde da perda e manutenção do peso superam o risco de alopecia temporária."
Deficiências nutricionais e desnutrição também podem contribuir para a queda de cabelo, e a deficiência de ferro às vezes é a culpada, acrescentou ela.
"Se alguém está preocupado" com a queda de cabelo associada à perda de peso, "deve consultar seu médico", recomendou a Dra. Anne. "Em particular, se estiver tomando hormônio da tireoide, os níveis devem ser testados novamente após a perda ponderal."
“A alopecia parece ocorrer mais comumente após a cirurgia bariátrica do que com medicamentos para tratar a obesidade", observou o Dr. Michael, e não está claro se isso ocorre porque a perda ponderal é mais drástica após a cirurgia e, portanto, significa um maior fator de estresse, ou se ocorre por deficiência de nutrientes ou um mecanismo completamente diferente.
"Ao contrário de certas formas de cirurgia bariátrica, que podem levar à má absorção (por exemplo, derivação gástrica em Y de Roux), medicamentos como agonistas de GLP-1 e agonistas duplos de GLP-1/GIP não causam má absorção", observou o médico. "Assim, é menos provável que as deficiências nutricionais sejam a causa de alopecia inédita em indivíduos em uso de medicamentos antiobesidade do que em indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica."
As deficiências de ferro e vitamina D são as deficiências nutricionais mais comuns capazes de causar alopecia, observou ele.
Emagrecimento lento e constante, em vez de rápido
"Eu sugeriria que os pacientes tentassem manter um emagrecimento lento e constante, em vez de rápido", afirmou a Dra. Lynne, "e seguissem qualquer plano de suplementação de vitaminas e minerais que lhes fosse prescrito. Os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica têm orientação nutricional e um plano de suplementação".
"Siga uma estratégia alimentar bem equilibrada, com ampla [ingestão de] proteínas, vegetais e algumas frutas", recomendou a Dra. Katharine. Os profissionais de saúde devem monitorar os exames laboratoriais para diagnosticar e tratar deficiências de vitaminas, e nutricionistas podem ser cruciais para garantir uma nutrição adequada. Ela orienta os pacientes: "encontre estratégias de enfrentamento para reduzir o estresse e dormir o suficiente. Se os níveis de ferro estiverem baixos, inicie um suplemento de ferro sob supervisão do seu médico".
"Alguns de meus pacientes confiam muito em suplementos de biotina, vitaminas pré-natais ou vitaminas para ‘cabelo, pele e unhas’", acrescentou ela. Se a alopecia não cessar, um dermatologista pode procurar outras medidas que contribuam para a melhora e discutir estratégias para a restauração capilar.
Indivíduos que se submetem à cirurgia bariátrica precisam de suplementação vitamínica ao longo da vida e exames laboratoriais anuais (ou mais frequentes), observou ela.
"Por exemplo, com a cirurgia bariátrica ou com qualquer tipo de mudança alimentar, é preciso garantir que ainda se mantenha uma dieta balanceada, seja em calorias, proteínas, ferro, zinco ou vitaminas (vitamina D, por exemplo)", reforçou a Dra. Susan.
Da mesma forma, a Dra. Anne recomendou: "eu diria para manter uma alimentação saudável normal, mesmo comendo menos. Exercite-se. Faça todas essas coisas saudáveis. Tomar um multivitamínico diário não é uma má ideia. Converse com um nutricionista. Use a supressão de apetite do medicamento para combinar com uma alimentação saudável".
"Se alguém está apresentando alopecia pela primeira vez, deve consultar seu médico para avaliar todas as causas possíveis", disse o Dr. Michael. "Seu médico pode avaliar as causas subjacentes, como deficiência de ferro, disfunção da tireoide e deficiência de vitamina D".
No entanto, se o padrão de queda de cabelo de um paciente não for difuso, mas ocorrer em determinadas partes, há um conjunto totalmente diferente de etiologias possíveis, provavelmente não relacionadas aos fármacos antiobesidade, e o quadro deve ser avaliado.
Trabalhar com um nutricionista para garantir que os pacientes tenham ingestão suficiente de proteínas e micronutrientes pode diminuir o risco de evolução para alopecia e outras complicações, comentou o médico. "Isso é particularmente importante para certas formas de cirurgia bariátrica, como a derivação gástrica em Y de Roux, uma vez que pode levar à má absorção de vitaminas e minerais específicos que necessitam ser medidos e suplementados periodicamente."
Em indivíduos que iniciam um medicamento antiobesidade, iniciar um multivitamínico diário tem pouco dano, acrescentou ele, e pode garantir que estão recebendo vitaminas e minerais essenciais. No entanto, nenhum estudo investigou isso especificamente ainda.
De acordo com o Dr. Michael, “em última análise, é importante pesar os benefícios desses fármacos versus os riscos potenciais, como fazemos com qualquer intervenção médica”.
"O objetivo do tratamento da obesidade", enfatizou, "é reduzir o risco de doenças cardíacas, acidentes vasculares cerebrais e vários tipos de neoplasias. Cabe a cada indivíduo pesar esses benefícios e os riscos do tratamento, inclusive o baixo risco de apresentar queda de cabelo temporária".
A Dra. Anne Peters escreve uma coluna para o Medscape, e informou que atuou como consultora para Blue Circle Health, Vertex e Abbott Diabetes Care, recebeu verba de pesquisa da Abbott Diabetes Care e recebeu planos de opção de compra de ações da Teladoc e da Omada Health. Os Drs. Lynne J. Goldberg, Katharine H. Saunders, Susan Massick e Michael A. Weintraub informaram não ter conflitos de interesses relevantes.
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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Citar este artigo: Ozempic causa alopecia? - Medscape - 5 de junho de 2023.
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