Carga curricular intensa, disciplinas e provas complexas, plantões longos, internato, desafios éticos: a formação médica é árdua. Diante disso, a promoção do bem-estar dos estudantes de medicina é pauta antiga nas universidades. Agora, uma revisão sistemática e metanálise publicada em maio no periódico Systematic Reviews [1] revela que a prática da atenção plena pode ser um recurso benéfico nesse contexto. Segundo os autores, afiliados à Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) em Brasília, os estudantes que adotaram a atenção plena apresentaram melhora nos sintomas de estresse e desconforto psicológico, bem como efeitos positivos na saúde e no bem-estar.
O estudo
Para a revisão, os autores buscaram estudos sobre o tema publicados até março de 2022 nos seguintes bancos de dados: Cochrane Library, Embase, PubMed/MEDLINE, PsycINFO/PsycNet, LILACS/BVS, ERIC (ProQuest), Web of Science, OpenGrey e Google Scholar. A triagem identificou 848 artigos, dos quais oito foram selecionados para a amostra final: quatro estudos dos Estados Unidos, [2,3,4,5] um do Brasil, [6] um dos Países Baixos, [7] um da Austrália [8] e um da Malásia. [9] Ao todo, os estudos somaram 694 participantes.
Os oito estudos tiveram como base a prática do programa Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR) e contavam com um grupo de controle ou de comparação ─ em geral composto de estudantes que estavam na lista de espera para participar do treinamento da atenção plena.
O MBSR foi desenvolvido na University of Massachusetts, Estados Unidos, na década de 1980 pelo Dr. Jon Kabat-Zinn. Segundo a psicóloga e fisioterapeuta Claudia Cardoso Gomes da Silva, primeira autora do estudo, o método, que foi originalmente criado para auxiliar no controle da dor crônica, agora é amplamente utilizado para reduzir morbidades psicológicas associadas a doenças crônicas e tratar distúrbios emocionais e comportamentais. “Grande parte dos programas de treinamento baseados em mindfulness [prática da atenção plena] foram adaptados a partir do original de Kabat-Zinn, de 1982, por isso foi o método de treinamento escolhido pelo nosso estudo”, explicou a pesquisadora ao Medscape.
Resultados
Os resultados revelaram efeitos positivos, porém discretos nos estudantes de medicina logo após o treinamento da atenção plena. Houve benefícios em aspectos como atenção, bem-estar ou saúde psicológica e estresse. Avaliações feitas seis e doze meses após a intervenção mostraram permanência e até ampliação dos efeitos ao longo do tempo.
De acordo com Claudia, este resultado é consequência da heterogeneidade entre os estudos analisados. Além disso, o fato de o efeito do treinamento ser reduzido não significa que não tenha relevância clínica. “Um ponto a ser considerado é que, embora o tamanho do efeito da intervenção seja pequeno, essa população de estudantes não é considerada uma população clínica, todavia costuma apresentar níveis mais altos de sofrimento psicológico (estresse, ansiedade e depressão) nas avaliações iniciais, quando comparados aos pares da mesma idade. A partir disso, sugerimos que o efeito de redução dos sintomas, mesmo pequeno, é válido para esses indivíduos”, disse.
Segundo a psicóloga, isso significa que, embora os estudantes não tenham apresentado sintomas graves ou recebido diagnóstico de algum transtorno mental, o fato de terem se voluntariado para um programa de redução de estresse, por si só, já revela que na percepção dos próprios estudantes havia necessidade de melhora da sua saúde psicológica em algum nível. Por essa razão, qualquer melhora percebida seria considerada benéfica.
De acordo com Claudia, é possível que a melhora do bem-estar e da saúde psicológica tenha ficado mais clara para os estudantes após algum tempo, porque eles passaram a ter melhor autopercepção, mais consciência de seu corpo e de seus sentimentos justamente por causa das habilidades que adquiriram com a meditação. “Além disso, o estudante tenderia a notar melhor os benefícios ao ser expostos a situações de estresse ao longo do curso, tendo em vista que, a partir de situações desafiadoras e concretas, pode-se colocar em prática o que foi aprendido no treinamento”, explicou.
Meditação nas universidades
Diante dos resultados, Claudia enfatizou a relevância da prática da atenção plena entre os estudantes de medicina. Segundo ela, o mais recomendado para as universidades seria adotar um programa de meditação o mais próximo possível do MBSR e que o espaço para a prática regular fosse permanente.
A ação pode ser válida para qualquer fase da formação dos futuros médicos. “É importante intervir para promover saúde [mental] e qualidade de vida, pois uma constatação é inegável: os médicos têm chegado cansados na pós-graduação e na residência, tanto que a prevalência de casos de burnout é alta nesse nicho”, destacou a especialista.
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Citar este artigo: Estudo avalia benefícios da atenção plena para estudantes de medicina - Medscape - 2 de junho de 2023.
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