A literatura médica vem mostrando que a infecção aguda por SARS-CoV-2 pode causar lesões cardíacas, e é possível que o comprometimento da função cardíaca não se limite aos primeiros dias do quadro. Pesquisadores do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia avaliaram pacientes sem história de insuficiência cardíaca (IC) e oligossintomáticos durante a infecção aguda por SARS-CoV-2 que evoluiram com IC avançada e acabaram precisando de transplante cardíaco. Mas será que esses pacientes diferem dos indivíduos com IC avançada deflagrada por outros fatores? Para responder a esta pergunta, a equipe de pesquisa comparou os dois grupos (IC associada à covid-19 prolongada versus IC por outros fatores). Os resultados foram publicados em maio no periódico Transplantation Proceedings. [1]
Detalhes do estudo
A pesquisa incluiu 45 pacientes na lista de espera por transplante cardíaco; quatro apresentavam IC avançada associada à covid-19 prolongada. O Dr. João Manoel Rossi Neto, médico afiliado ao Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e primeiro autor do estudo, disse ao Medscape que o único evento deflagrador da IC nesses quatro pacientes era a covid-19, confirmada por PCR. Na fase aguda da infecção, nenhum deles apresentou sintomas graves ou foi internado, no entanto, em seguida começaram a manifestar sintomas de IC e evoluíram com quadros graves (classe IV da New York Heart Association), e consequente internação hospitalar.
O especialista lembrou que os mecanismos da IC associada à infecção por SARS-CoV-2 não estão totalmente claros. “Postula-se que o impacto da covid-19 e o desenvolvimento da IC possam ser resultados de longo prazo [da infecção por] SARS-CoV-2 na função cardíaca, eventos adversos residuais do envolvimento cardíaco na fase aguda da covid-19 ou o agravamento pós-infecção de doença cardiovascular prévia”, destacou.
Segundo o Dr. João Manoel, na literatura médica também há a descrição de casos de disfunção ventricular esquerda pós-infecção aguda por SARS-CoV-2. Ele pontuou que vários estudos descrevem uma redução estatisticamente significativa na fração de ejeção do ventrículo esquerdo dois a nove meses após covid-19 aguda em pacientes em cuja a doença evoluiu com diferentes graus de gravidade. “Mas o estudo que chamou a nossa atenção foi o [conduzido por] Xie et al., publicado em 2022, [2] que revela maior risco de IC em pessoas sem história de doença cardiovascular antes da infecção por SARS-CoV-2, o que fornece evidências de que esse risco pode se manifestar mesmo em pessoas com baixo risco de doença cardiovascular”, disse.
De fato, ao comparar os pacientes com IC avançada na fila de espera para transplante cardíaco, a equipe de pesquisadores observou que a fração de ejeção do grupo com covid-19 prolongada era menor do que a do grupo controle. Além disso, segundo o Dr. João Manoel, outras características do primeiro grupo também chamaram a atenção: média de idade mais baixa, menos comorbidades, menor resistência vascular pulmonar e maior necessidade de suporte mecânico com balão intra-aórtico. Mas, apesar de relevantes, não houve diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos ─ provavelmente pelo pequeno tamanho amostral.
O médico explicou ainda que, como a resistência vascular pulmonar era baixa nos pacientes com covid-19 prolongada (provável pressão capilar pulmonar baixa), os pacientes tinham fração de ejeção menor (falência de bomba), e houve necessidade de suporte mecânico; assim, é possível inferir que havia mais baixo débito do que congestão cardíaca.
Segundo o Dr. João Manoel, os três pacientes submetidos a transplante (um morreu antes do procedimento) estão vivos e evoluíram bem. Além disso, não apresentaram complicações relacionadas à covid prolongada, como trombose, embolia ou sangramento.
Com relação à covid-19, a expectativa, segundo o médico, é de que os casos de IC avançada relacionados à covid-19 prolongada passem a ser cada vez mais raros em função da vacinação.
Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube
Créditos: |
Imagem principal: Dreamstime
Medscape Notícias Médicas © 2023
Citar este artigo: Covid-19 prolongada pode levar pacientes sem história de DCV à fila de espera por transplante cardíaco - Medscape - 24 de mai de 2023.
Comente