Disfunção sexual feminina: até onde vai o papel do clínico?

Kelly Ragan

26 de maio de 2023

Estados Unidos — Você conversa com suas pacientes sobre saúde sexual? Muitos médicos não tocam nesse assunto, seja por não terem tempo, por se sentirem constrangidos ou porque suas pacientes têm outras necessidades mais urgentes.

Ainda assim, quase metade das mulheres apresenta algum tipo de disfunção sexual, como diminuição do desejo sexual, dor durante o ato sexual (dispareunia) ou dificuldade para atingir o orgasmo. Quando esses problemas estão associados a sofrimento significativo, o quadro é chamado de transtorno do desejo sexual hipoativo.

Na última reunião anual da Society of General Internal Medicine, em 2023, especialistas relataram que as pacientes querem falar sobre esses problemas, mas é necessário que os médicos estejam preparados para essa conversa.  

A Dra. Hannah Abumusa, professora clínica no University of Pittsburgh Medical Center, nos EUA, recomendou a implementação de uma estratégia baseada em cinco pontos:

  1. Pergunte. Comece perguntando às pacientes se elas se sentiriam à vontade para responder a algumas perguntas sobre a sua saúde sexual.

  2. Oriente. Certifique-se de que suas pacientes saibam que muitas mulheres sofrem com o mesmo problema apontado por elas.

  3. Avalie. Faça perguntas padronizadas.

  4. Trate. Informe suas pacientes sobre as opções de tratamento.

  5. Acompanhe. Agende uma consulta de retorno para verificar se o tratamento foi eficaz.

A Dra. Kathryn Leyens admitiu que não conversa muito sobre saúde sexual com suas pacientes, embora acredite que o tema seja importante.

"Se o assunto surgir, não tenho problemas em conversar sobre isso", disse a Dra. Kathryn, professora assistente de clínica na University of Pittsburgh. "Mas acho que eu poderia introduzir esse tópico com mais frequência."

A estratégia baseada em cinco pontos oferece uma maneira útil de iniciar essas conversas, disse ela.

Medicamentos: possíveis culpados?

O primeiro passo, de acordo com a experiência da Dra. Holly Thomas, médica e professora assistente de medicina na University of Pittsburgh, é fazer uma revisão criteriosa dos medicamentos em uso ao conversar sobre a redução do desejo sexual com as pacientes.

"Existem medicamentos frequentemente utilizados na atenção primária que prejudicam a função sexual", disse a Dra. Holly. “Entretanto, nem sempre conversamos da melhor forma com as pacientes sobre esse assunto, e acho que muitas vezes elas entendem que devem priorizar o uso dos medicamentos e deixar a vida sexual em segundo plano.”

A disfunção sexual é um efeito colateral comum de antidepressivos, e o problema pode surgir após o uso de paroxetina, fluvoxamina, sertralina e fluoxetina, por exemplo. Além disso, os betabloqueadores também são conhecidos por causar disfunção sexual em mulheres. 

Alternativas farmacológicas

Após a revisão dos medicamentos em uso, os médicos podem discutir com as pacientes sobre as opções de tratamento, que podem variar da substituição de medicamentos até a psicoterapia. 

Diversos medicamentos foram estudados em ensaios clínicos para tentar aumentar o desejo sexual em mulheres. A flibanserina, um fármaco de uso contínuo, aumentou a libido em cerca de metade das mulheres tratadas e foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA em 2015. 

Os efeitos adversos mais frequentes nos ensaios clínicos foram tontura, síncope e sonolência, ocorrendo em aproximadamente 12% das pacientes. A FDA recomendou que as pacientes evitem a ingestão de bebidas alcoólicas duas horas antes e após a ingestão do medicamento.

A bremelanotida, um medicamento de uso sob demanda (semelhante à sildenafila para os homens) produziu aumento moderado do desejo sexual em 25% das mulheres tratadas em ensaios clínicos. Cerca de 40% das pacientes relataram náuseas. Além disso, a hiperpigmentação pode ser um dos efeitos adversos, e em casos raros pode ser permanente, disse a Dra. Holly. As pacientes podem usar no máximo oito doses do medicamento por mês.

A testosterona é utilizada como um tratamento sem indicação na bula, uma vez que a FDA não aprovou o uso do hormônio em mulheres. Os principais efeitos adversos são acne e ganho de peso. Dados recentes sobre a segurança da testosterona nesses casos são escassos. 

"Apesar disso, até o momento existem evidências bem fortes de eficácia e segurança da testosterona no tratamento do TDSH", disse a Dra. Holly.

O tratamento de reposição hormonal (composto de estrogênio e progesterona) seria outra possível opção terapêutica.

"Ela não é aprovada pela FDA para o tratamento do TDSH, mas se a paciente estiver fazendo a reposição hormonal devido a outros sintomas climatéricos, é provável que ela apresente uma melhora discreta a moderada da função sexual", disse a médica.

A bupropiona, um antidepressivo com custo acessível, também pode ser utilizada, disse a Dra. Holly. Uma revisão sistemática publicada recentemente forneceu mais dados para confirmar a eficácia do medicamento. 

"Essas são opções com as quais muitos de nós estamos bastante familiarizados e talvez até mais confortáveis em prescrever se estivermos inseguros com algumas das novas opções", disse ela.

Intervenções comportamentais

A Dra. Holly também incentivou os médicos a considerarem abordagens comportamentais, como a terapia sexual.

"Existe algo chamado 'foco sensorial', um tipo de terapia sexual que existe há décadas e é muito eficaz", disse a Dra. Holly.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é outra opção, disse ela. Uma revisão sistemática publicada em 2022 mostrou que a TCC era uma ferramenta eficaz para o tratamento do TDSH, embora a Dra. Holly tenha apontado que as evidências são limitadas.

Um tratamento mais recente e que vem ganhando força é a prática da meditação associada à atenção plena, geralmente guiada por terapeutas, que foca no momento presente e na consciência corporal sem julgamento. Além disso, a Dra. Holly também orientou recomendar textos educacionais para as pacientes, como o livro “Better Sex Through Mindfulness: How Women Can Cultivate Desire”.

"Na prática, vários ensaios já demonstraram que essa abordagem é eficaz no tratamento da redução do desejo sexual, com efeito moderado a grande", disse ela.

As Dras. Hannah Abumusa, Kathryn Leyens e Holly Thomas informaram não ter conflitos de interesses.

Reunião Anual de 2023 da Society of General Internal Medicine. Apresentado em 11 de maio de 2023.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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