As mulheres que tiveram hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia têm maior risco de evoluir com insuficiência cardíaca (IC) não isquêmica e, principalmente, com IC isquêmica nas duas décadas seguintes ao parto, sugere um estudo observacional.
Os riscos de IC isquêmica foram mais de seis vezes maiores durante os primeiros seis anos após a gestação. Após esse período, o risco passou a um platô em níveis mais baixos, mas ainda significativamente elevados, o que persistiu por vários anos, segundo a análise de dados em um registro sueco de partos.
O estudo de pareamento de casos comparou mulheres sem história de doença cardiovascular e que tiveram uma primeira gestação bem-sucedida durante a qual apresentaram ou não quadros de hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia.
Ele está entre os primeiros estudos a explorar o impacto da doença hipertensiva induzida pela gestação no risco subsequente de IC, que foi analisado separadamente para casos isquêmicos e não isquêmicos. A pesquisa também foi pioneira em revelarque a gravidade de tal risco difere para as duas causas de IC, conforme artigo publicado em 10 de maio no periódico JACC: Heart Failure.
O risco ajustado para qualquer tipo de IC em uma mediana de 13 anos após a gestação aumentou 70% para as pacientes que apresentaram hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia. O risco de IC não isquêmica nessas mulheres foi 60% maior e o risco de IC isquêmica mais que dobrou.
Os transtornos hipertensivos da gestação “são muito mais do que alterações de curto prazo restritas ao período gestacional. Elas têm implicações de longo prazo por toda a vida”, disse ao Medscape a primeira autora do estudo, Dra. Ängla Mantel, Ph.D.
A história obstétrica não figura em nenhum sistema formal de pontuação de risco de IC, observou a Dra. Ängla, médica afiliada ao Karolinska Institutet, na Suécia. Ainda assim, as pacientes que apresentam hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia ou outras complicações na gestação “devem ser consideradas uma população de alto risco mesmo após o parto e [precisam ser] monitoradas regularmente para fatores de risco cardiovascular ao longo da vida”.
Em muitos estudos, ela disse, “o conhecimento dos fatores de risco específicos para doenças cardiovasculares em mulheres é insuficiente tanto entre os médicos como entre as pacientes”. Os achados atuais devem ajudar na conscientização sobre esses fatores de risco obstétricos para IC, “especialmente” em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP), que não está intimamente relacionada a vários fatores de risco cardiovasculares tradicionais.
Embora as complicações da gestação, como hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia, não apareçam nas calculadoras de risco, “elas de fato aumentam o risco, de acordo com as diretrizes de prevenção primária de 2019”, observou em uma entrevista a Dra. Natalie A. Bello, médica que não participou do estudo em tela.
“Estamos trabalhando para educar médicos e membros da equipe de medicina cardiovascular a obter uma história gestacional para estratificação de risco de mulheres na prevenção primária”, disse a Dra. Natalie, que é diretora de pesquisa em hipertensão no Smidt Heart Institute do Cedars-Sinai Medical Center, nos Estados Unidos.
O estudo em questão, disse ela, “é um passo importante” para a constatação de que os distúrbios hipertensivos gestacionais estão independentemente associados a IC isquêmica e não isquêmica.
No entanto ela apontou que, como o estudo excluiu pacientes com miocardiopatia periparto (uma forma de IC não isquêmica), os dados podem “subestimar o impacto dos distúrbios hipertensivos no risco de curto prazo de IC não isquêmica”. As pacientes que tiveram cardiomiopatia periparto foram excluídas para evitar erros de classificação de outros desfechos de IC, afirmaram os autores.
Além disso, disse a Dra. Natalie, a inclusão tanto de pacientes com hipertensão gestacional como das que tinham pré-eclâmpsia pode complicar a interpretação. Em comparação com o primeiro quadro, disse ela, a pré-eclâmpsia “envolve mais inflamação e mais disfunção endotelial, [portanto] pode causar um impacto diferente no coração e na vasculatura”.
Na análise, cerca de 79 mil pacientes com hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia foram identificadas entre mais de 1,4 milhão de primíparas cadastradas no Registro Médico Sueco de Nascimentos durante um período de cerca de 30 anos. Elas foram comparadas com cerca de 396 mil mulheres no registro com pressão arterial normal durante a gestação.
Foram excluídas, além das mulheres com cardiomiopatia periparto, pacientes com história pré-gestacional de IC, hipertensão arterial, doença cardíaca isquêmica, fibrilação atrial ou doença cardíaca valvular.
As razões de risco (RRs) para IC, IC isquêmica e não isquêmica foram significativamente elevadas entre as pacientes com hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia em comparação com aquelas com gestações normotensas:
Qualquer IC: RR = 1,70 (intervalo de confiança [IC] de 95% de 1,51 a 1,91)
IC não isquêmica: RR = 1,60 (IC 95% de 1,40 a 1,83)
IC isquêmica: RR = 2,28 (IC 95% de 1,74 a 2,98)
As análises foram ajustadas para idade materna no parto, ano do parto, comorbidades pré-gestacionais, escolaridade materna, tabagismo e índice de massa corporal.
Aumentos mais acentuados de risco foram observados entre mulheres com hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia que deram à luz antes da 34ª semana gestacional:
Qualquer IC: RR = 2,46 (IC 95% de 1,82 a 3,32)
IC não isquêmica: RR = 2,33 (IC 95% de 1,65 a 3,31)
IC isquêmica: RR = 3,64 (IC 95% de 1,97 a 6,74)
Os riscos de apresentar IC dentro de seis anos após gestação com quadro de hipertensão gestacional ou pré-eclâmpsia foram muito mais pronunciados para IC isquêmica do que para IC não isquêmica:
Qualquer IC: RR = 2,09 (IC 95% de 1,52 a 2,89)
IC não isquêmica: RR = 1,86 (IC 95% de 1,32 a 2,61)
IC isquêmica: RR = 6,52 (IC 95% de 2,00 a 12,34)
O estudo não chegou a explorar diretamente os mecanismos potenciais para as associações entre distúrbios hipertensivos induzidos pela gestação e diferentes formas de IC, mas pode ter fornecido pistas, disse a Dra. Ängla.
Os distúrbios hipertensivos e a IC isquêmica parecem compartilhar fatores de risco que podem levar a ambos os quadros, observou ela. Além disso, a própria hipertensão é um fator de risco para doença isquêmica cardíaca.
Por outro lado, “o risco de IC não isquêmica pode ser impulsionado por outros fatores, como perfil inflamatório, disfunção endotelial e remodelamento cardíaco induzido por pré-eclâmpsia ou hipertensão gestacional”.
Esses quadros, além disso, estão associados a alterações estruturais cardíacas que também são observadas na ICFEP, disse a Dra. Ängla. E tanto a ICFEP como a pré-eclâmpsia são caracterizadas por inflamação sistêmica e disfunção endotelial.
“Essas semelhanças fisiopatológicas”, indicou ela, “podem explicar a associação entre o transtorno hipertensivo induzido pela gestação e a ICFEP”.
Os autores informaram não ter conflitos de interesses. A Dra. Natalie A. Bello recebeu financiamento dos National Institutes of Health dos EUA.
JACC: Heart Failure. Publicado on-line em 10 de maio de 2023. Abstract
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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Citar este artigo: Hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia aumentam risco de IC isquêmica e não isquêmica - Medscape - 25 de mai de 2023.
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