Pacientes com covid-19 prolongada — quadro em que os eventos associados à infecção por SARS-CoV-2 persistem por mais de 12 semanas — apresentam níveis mais baixos de vitamina D do que outros pacientes com história de covid-19, segundo estudo de correspondência retrospectivo.
Os níveis mais baixos de vitamina D em pacientes com covid-19 prolongada foram mais evidentes em indivíduos com “névoa mental”.
Os achados do estudo conduzido médico Dr. Luigi di Filippo et al. foram apresentados no European Congress of Endocrinology (ECE), realizado na Turquia, e publicados no periódico Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism.
“Nossos dados sugerem que os níveis de vitamina D devem ser avaliados após a alta hospitalar em pacientes com covid-19”, esclareceram os pesquisadores afiliados ao Istituto San Raffaele, na Itália.
“O papel da suplementação de vitamina D como estratégia preventiva contra as sequelas da covid-19 deve ser testado em ensaios controlados e randomizados”, frisaram eles.
Os pesquisadores também enfatizaram que este foi um estudo controlado em uma população homogênea, e que a pesquisa englobou múltiplos sinais e sintomas de covid-19 prolongada e teve um acompanhamento mais longo do que a maioria dos estudos anteriores (seis versus três meses).
“A natureza altamente controlada de nosso estudo nos ajuda a entender melhor o papel da deficiência de vitamina D na covid-19 prolongada e estabelecer que provavelmente existe uma ligação entre elas”, explicou o médico e autor sênior Dr. Andrea Giustina em um comunicado à imprensa emitido pelo ECE.
“Nosso estudo mostrou que pacientes com covid-19 e baixos níveis de vitamina D têm maior probabilidade de evoluir com a forma prolongada da doença, mas ainda não se sabe se os suplementos de vitamina D podem melhorar os sintomas ou reduzir completamente esse risco”, alertou.
“Se nossos dados forem confirmados em grandes estudos de intervenção controlados e randomizados, a suplementação de vitamina D pode representar uma possível estratégia preventiva na redução do impacto das sequelas da covid-19”, sintetizaram o Dr. Andrea e seus colaboradores.
É razoável avaliar os níveis de vitamina D e considerar a suplementação
Convidado a comentar sobre os achados, o Dr. Amiel Dror, Ph.D., concordou com o Dr. Andrea. Ele liderou um estudo relacionado ao tema que mostrou que pessoas com deficiência de vitamina D eram mais propensas a ter covid-19 na forma grave.
“A originalidade e a importância deste novo estudo se devem ao fato de que ele expande nossa compreensão atual da interação entre vitamina D e covid-19, levando-a além da fase aguda da doença”, explicou ao Medscape o Dr. Amiel, que é vinculado à Faculdade de Medicina Azrieli da Universidade Bar-Ilan, em Israel.
"É impressionante ver como os níveis de vitamina D continuam a influenciar a saúde dos pacientes, mesmo após a recuperação da infecção inicial", observou ele.
“Os achados certamente dão força ao argumento favorável à realização de um ensaio controlado e randomizado”, continuou ele, o que “nos permitiria determinar de maneira conclusiva se a suplementação de vitamina D pode efetivamente reduzir o risco ou a gravidade da covid-19 prolongada.”
"Nesse ínterim", sugeriu o Dr. Amiel, "dado o perfil de segurança da vitamina D e seus amplos benefícios à saúde, pode ser razoável testar os níveis de vitamina D em pacientes internados com covid-19. Se forem baixos, a suplementação poderia ser considerada".
“Entretanto, é importante observar que isso deve ser feito sob supervisão médica”, alertou, “e mais estudos são necessários para estabelecer o momento e a dose ideais de suplementação”.
"Prevejo que veremos mais ensaios controlados e randomizados sobre isso no futuro", especulou.
Baixos níveis de vitamina D e risco de covid-19 prolongada
A covid-19 prolongada é uma síndrome emergente que afeta de 50% a 70% dos indivíduos que sobreviveram à infecção por SARS-CoV-2.
Baixos níveis de vitamina D foram relacionados a mais chances de o paciente precisar de ventilação mecânica e a menor sobrevida em indivíduos hospitalizados com covid-19, mas o risco da doença prolongada associado à vitamina D não é conhecido.
Os pesquisadores analisaram dados de adultos com idade ≥ 18 anos, hospitalizados no Istituto San Raffaele com diagnóstico confirmado de covid-19 e alta durante a primeira onda pandêmica, de março a maio de 2020; eles foram avaliados seis meses depois em consultas de acompanhamento.
Foram excluídos pacientes encaminhados para unidade de terapia intensiva durante a internação, ou que não tivessem dados médicos ou amostras de sangue disponíveis para determinar os níveis de vitamina D na admissão e no acompanhamento de seis meses.
A covid-19 prolongada foi definida, com base nas diretrizes do UK National Institute for Health and Care Excellence (NICE), como a presença concomitante de pelo menos dois ou mais dos 17 sinais e sintomas que estavam ausentes antes da infecção pelo SARS-CoV-2 e só poderiam ser atribuídos à doença aguda.
No acompanhamento de seis meses, os pesquisadores identificaram 50 pacientes com covid-19 prolongada e os combinaram com 50 pacientes sem a doença naquele momento, com base em idade, sexo, comorbidades concomitantes, necessidade de ventilação mecânica não invasiva e semana de avaliação.
A média de idade dos pacientes era de 61 anos (variação de 51 a 73) e 56% eram do sexo masculino; 28% necessitaram de ventilação mecânica durante a hospitalização por covid-19.
Aos seis meses, os sinais e sintomas mais frequentes nos indivíduos com o quadro prolongado foram astenia (em 38% dos pacientes), disgeusia (34%), dispneia (34%) e anosmia (24%).
A maioria dos sintomas estava relacionada ao sistema cardiorrespiratório (42%), à sensação de bem-estar (42%) ou aos sentidos (36%); menos pacientes apresentavam sintomas relacionados ao comprometimento neurocognitivo (dor de cabeça ou "névoa mental", 14%), ouvido, nariz e garganta (12%) ou sistema gastrointestinal (4%).
Os pacientes com a doença prolongada apresentaram níveis médios de vitamina D mais baixos do que os pacientes sem o quadro (20,1 vs. 23,2 ng/mL; p = 0,03). No entanto, os níveis reais de deficiência de vitamina D foram semelhantes nos dois grupos.
Dois terços dos pacientes com níveis baixos de vitamina D na admissão hospitalar ainda apresentavam níveis baixos após seis meses.
Os níveis de vitamina D foram significativamente menores em pacientes com sintomas neurocognitivos no momento do acompanhamento vs. indivíduos sem tais sintomas (n = 7 vs. 93; níveis = 14,6 vs. 20,6 ng/mL; p = 0,042).
Entre pacientes com deficiência de vitamina D (< 20 ng/mL) na admissão e no acompanhamento (n = 42), os que tinham com covid-19 prolongada apresentaram níveis mais baixos de vitamina D no acompanhamento do que os sem o quadro (n = 22 vs. 20; níveis = 12,7 vs. 15,2 ng/mL; p = 0,041).
E em análises de regressão múltipla, um nível mais baixo de vitamina D no acompanhamento foi a única variável significativamente associada à covid-19 prolongada (p = 0,008; razão de chances = 1,09; intervalo de confiança de 95%, de 1,01 a 1,16).
Os achados "reforçam a utilidade clínica da avaliação da vitamina D como um possível fator fisiopatológico modificável subjacente a este problema de saúde emergente no mundo todo", concluíram os pesquisadores.
O estudo foi subsidiado pela Abiogen Pharma. Um dos autores é funcionário da Abiogen. O Dr. Andrea Giustina informou ser consultor da Abiogen e da Takeda, além de ter recebido verba de pesquisa da Takeda para a instituição onde trabalha. O Dr. Luigi di Filippo e os outros autores informaram não ter conflitos de interesses.
Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism. Publicado on-line em 13 de abril de 2023. Artigo
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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Citar este artigo: A suplementação com vitamina D pode ajudar na covid-19 prolongada? - Medscape - 25 de mai de 2023.
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