COMENTÁRIO

ChatGPT demonstra mais empatia em respostas a pacientes do que nós, médicos ‘de carne e osso’?

Dr. Mauricio Wajngarten

Notificação

24 de maio de 2023

Recentemente, o Medscape noticiou a publicação de um estudo que analisou se a qualidade técnica e a empatia demonstradas em respostas dadas pelo ChatGPT a perguntas de pacientes postadas em um fórum on-line eram comparáveis às de médicos. [1]

Na pesquisa, as respostas dos médicos e do ChatGPT foram avaliadas por três profissionais de saúde, que compararam a qualidade técnica da informação e o nível de empatia demonstrada nos textos. A autoria das respostas foi mascarada. Quanto à qualidade técnica da informação, os avaliadores preferiram as respostas do chatbot em quase 80% das 585 avaliações, e, para minha surpresa, o mesmo aconteceu no quesito empatia; ou seja, o estudo conclui que a ferramenta superou os médicos “de carne e osso” na “capacidade de perceber e interpretar as emoções de terceiros ao se imaginar no lugar deles”, conforme a definição de empatia.

Como valorizo o “olho no olho”, o contato direto na relação médico/paciente, fiquei incomodado. Busquei interpretações no editorial [2]e no comentário [3]que acompanham o estudo em questão.

O editorial questiona se a ferramenta vai remodelar a medicina moderna ou se abrirá a Caixa de Pandora, repleta de problemas. Elogia o desempenho demostrado pelo ChatGPT no estudo, porém aponta que o desenvolvimento nas ferramentas de linguagem pode tornar esses sistemas perigosos quando forem imprecisos ou tendenciosos. Os editorialistas consideram três aplicações para a inteligência artificial (IA) em saúde:

  1. Simplificar (ou substituir) tarefas que envolvam análise, síntese e produção de texto. As ferramentas poderiam auxiliar nas atividades de documentação administrativa, bem como realizar as trabalhosas tarefas de estudar os prontuários para criar resumos.

  2. Criar fluxos de trabalho e modelos de prestação de cuidados. A IA poderia facilitar a comunicação com os pacientes, sendo a porta de entrada para informações do sistema de saúde, aliviando gargalos das centrais de atendimento telefônico. Além disso, as ferramentas podem capacitar os pacientes a acessar e entender suas próprias informações de saúde quando desejarem.

  3. Mudar as fronteiras entre a experiência humana e a IA. Os sistemas poderiam ser integrados à tomada de decisões clínicas, com o devido treinamento dos médicos, pois o progresso da IA indica que as ferramentas provavelmente superarão as habilidades do médico mediano.

O editorial conclui — em tempos de abundância de informações, mas com falta de tempo e de conexão humana — que os sistemas de IA poderão reduzir tarefas que sobrecarregam os profissionais e permitir maior dedicação aos pacientes.

O comentário segue a mesma linha. Destaca como ao novas ferramentas podem ajudar a enfrentar “as necessidades mundanas (preenchimento de documentos, relatórios etc.), que consomem tempo e contribuem para o esgotamento do médico”. Por outro lado, chama a atenção para potenciais limitações e falhas dos sistemas, bem como para eventuais dificuldades na implementação dessas ferramentas na área da saúde. Por fim, deixa uma mensagem de cauteloso otimismo sobre um futuro de mais eficiência do sistema de saúde, em que a IA permitirá que os médicos voltem para a cabeceira dos pacientes.

Implicações

Recentemente, assisti a uma conversa entre o vencedor do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas, Daniel Kahneman, e o escritor e filósofo Yuval Noah Harari sobre o impacto da IA na sociedade. [4]Abaixo, compartilho algumas observações desses dois pensadores que podem ajudar a imaginar as implicações dos avanços da tecnologia — temidas por muitos, inclusive pelos próprios criadores dessas ferramentas.

Daniel Kahneman: “Alguns algoritmos estão assumindo cada vez mais funções e algumas profissões vão desaparecer. Ao mesmo tempo, ainda estamos em um mundo onde os humanos estão tomando decisões e há muito antagonismo em relação aos algoritmos... Não há problema maior do que a possibilidade de a natureza humana mudar ou de as decisões humanas serem substituídas por inteligência não humana...Com o advento da IA assumindo muitas das atividades não qualificadas e algumas das atividades qualificadas, não restará muito para as pessoas.... Vejo uma grande perturbação. Haverá uma desestabilização completa do cenário e da sociedade...Mudanças muito rápidas requerem ajustes. A natureza humana não está mudando na velocidade que deveria. Haverá muita resistência e isso tem que ser antecipado.”

Yuval Noah Harari: “Pela primeira vez na história, não temos ideia de como será o mundo em muito pouco tempo. Sempre soubemos que, com os fundamentos da estrutura [social] humana, como o mercado de trabalho, as habilidades necessárias não mudariam. Pela primeira vez, não temos ideia de como será o mercado de trabalho, de quais habilidades as pessoas precisarão.”

Enfim, confesso que estou preocupado. Será que o computador tem mais empatia do que eu? Será que viverei tempos de crise por causa da IA? Ou devo enxergar o copo “meio cheio”? Afinal, apesar dos receios, Kahneman e Harari enfatizaram que a humanidade quase sempre obteve benefícios com os avanços tecnológicos e científicos.

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