Estudos hemodinâmicos sugerem novos mecanismos subjacentes à síndrome takotsubo, também conhecida como “síndrome do coração partido”, o que pode levar a novas estratégias de tratamento para a doença.
A síndrome takotsubo é uma forma de insuficiência cardíaca aguda que mimetiza síndromes coronarianas agudas, com elevação da troponina e sintomas como precordialgia e dispneia, mas sem lesão relacionada na angiografia coronariana.
No entanto, o ecocardiograma demonstra cardiomegalia maciça. A doença foi assim designada por pesquisadores japoneses, porque a forma do ventrículo esquerdo dos pacientes se assemelha a um pote de pesca usado para capturar polvos, chamado de takotsubo.
A doença acomete principalmente mulheres idosas; cerca de 6% das pacientes do sexo feminino com sintomas de síndrome coronariana aguda têm a síndrome. Em cerca de dois terços dos casos, há um evento de estresse deflagrador, que pode ser físico, como uma doença aguda, ou emocional, como uma discussão ou a morte súbita de um ente querido ─ daí o termo “síndrome do coração partido”. O estresse emocional que desencadeia a síndrome também pode ser positivo, como uma festa de aniversário ou o nascimento de um neto, por exemplo.
“Os mecanismos da síndrome takotsubo são desconhecidos. Como geralmente o estresse é o gatilho, acredita-se que a ativação simpática cause um aumento na liberação de catecolaminas, mas isso não é totalmente compreendido”, explicou ao Medscape o primeiro autor do estudo em tela, Dr. Thomas Stiermaier, médico do Universitären Herzzentrum Lübeck, na Alemanha.
“Queríamos examinar mais de perto os efeitos hemodinâmicos cardíacos nos pacientes com síndrome takotsubo para ver se poderíamos identificar novos mecanismos que contribuem para a doença”, acrescentou.
O estudo, apropriadamente denominado Optimized Characterization of Takotsubo Syndrome by Obtaining Pressure Volume Loops (OCTOPUS), foi publicado on-line no periódico Journal of the American College of Cardiology (JACC) em 15 de maio de 2023.
Os pesquisadores usaram um cateter de condutância inserido no ventrículo esquerdo do coração para analisar as curvas de pressão-volume em 24 pacientes consecutivos com síndrome takotsubo e uma população controle de 20 participantes sem doença cardiovascular.
Essas curvas de pressão-volume são “o padrão-ouro para a avaliação direta e em tempo real da função cardíaca sistólica e diastólica independentemente das condições de carga” e “fornecem informações detalhadas sobre acoplamento ventrículo-arterial e energia e eficiência cardíacas”, escreveram os autores.
“Esses parâmetros englobam uma quantidade considerável de informações sobre o desempenho cardíaco e ajudam a melhorar nossa compreensão sobre a fisiologia cardíaca e seu papel fisiopatológico em várias doenças”, observaram os autores do estudo, que acreditam ser a primeira análise hemodinâmica abrangente em pacientes com síndrome takotsubo usando esse rastreamento invasivo de curvas de pressão-volume.
Os resultados mostram que a síndrome takotsubo está associada a um grave comprometimento da contratilidade cardíaca e a uma redução do período sistólico. Em resposta, o coração compensa, aumentando o volume diastólico final do ventrículo esquerdo para preservar o volume sistólico.
A função diastólica é caracterizada pelo relaxamento ativo prolongado sem alteração das propriedades elásticas passivas. A análise do metabolismo energético do miocárdio revelou um sistema ineficiente com potencial aumentado e energia cinética diminuída.
“Estes são achados novos e importantes”, disse o Dr. Thomas, acrescentando que essas alterações hemodinâmicas fornecem pistas sobre os mecanismos subjacentes em jogo na síndrome takotsubo, bem como sobre possíveis estratégias de tratamento que podem ser pesquisadas.
“Juntando todas essas informações, acreditamos que é provável que a diminuição da fosforilação das proteínas dos miofilamentos — que pode ser causada por algum tipo de distúrbio no metabolismo do cálcio — possa explicar parcialmente o comprometimento da contratilidade e a redução do período sistólico observados na síndrome takotsubo”, comentou o autor.
Os pesquisadores sugerem que a síndrome takotsubo possa, portanto, ser tratada com medicamentos como omecamtiv mecarbil (um fármaco que aumenta a duração sistólica) ou o sensibilizador de cálcio levosimendana, que melhoram a contratilidade, possivelmente em combinação com betabloqueadores para proteger contra a intensa ativação adrenérgica.
Eles pontuaram que vários estudos descrevem o uso de levosimendana na síndrome takotsubo e sugerem efeitos positivos, acelerando a recuperação da função ventricular. No entanto, os autores acrescentaram que faltam dados prospectivos e, até onde sabem, o omecamtiv mecarbil não foi testado nesse contexto.
“Precisamos identificar com clareza o mecanismo envolvido nessas alterações a nível celular e, em seguida, testar esses medicamentos para avaliar se podem ajudar a prevenir ou reverter as alterações hemodinâmicas observadas na síndrome”, disse o Dr. Thomas.
O autor explicou que as alterações contráteis são transitórias e geralmente normalizam após algumas semanas ou meses. Mas outras alterações, mais sutis, podem persistir, embora a função sistólica possa parecer normal em longo prazo. E esses pacientes apresentam maior incidência de eventos cardiovasculares em comparação com a população saudável em longo prazo.
No entanto, como os pacientes com síndrome takotsubo geralmente apresentam alta incidência de outras comorbidades, não se sabe se o aumento da incidência de eventos se deve à síndrome ou às outras comorbidades.
Enquanto alguns pacientes apresentam um curso leve da doença, com bom prognóstico, outros têm mais complicações, e cerca de 10% a 15% evoluem com doença grave, com choque cardiogênico ou derrame pleural, observou o Dr. Thomas.
“Esses pacientes têm um prognóstico reservado. Nosso objetivo é tentar identificar os pacientes com alto risco de complicações e tratá-los precocemente para evitar a evolução para choque cardiogênico e derrame pleural”, disse ele.
“Temos esperança de que, ao identificar as alterações hemodinâmicas, possamos descobrir os mecanismos envolvidos e administrar medicamentos no quadro agudo para prevenção das complicações que podem surgir no futuro”, acrescentou.
Mecanismos ‘atraentes, mas especulativos’
Em um editorial que acompanha o artigo no JACC, o Dr. Jorge Salamanca e o Dr. Fernando Alfonso, do Hospital Universitario de La Princesa, na Espanha, descreveram o novo estudo como “uma importante pesquisa, fornecendo um conjunto cuidadoso, sistemático e abrangente de dados hemodinâmicos invasivos sofisticados que trazem uma nova perspectiva dessa entidade nosológica única”.
Segundo eles, os pesquisadores forneceram “dados robustos sobre o comportamento hemodinâmico agudo do ventrículo esquerdo em pacientes com síndrome takotsubo que claramente avançam no campo, mas também levantam novas questões”.
No entanto, os editorialistas advertem que, embora as hipóteses dos mecanismos potenciais que associam uma base molecular para a desregulação metabólica, resultando em aumento da energia potencial juntamente com uma diminuição da energia cinética, “sejam atraentes, são amplamente especulativas”.
“Ainda é incerto se esses achados hemodinâmicos poderiam servir de base e respaldar o uso de medicamentos novos e promissores na síndrome takotsubo; só podem ser considerados como geradores de hipóteses”, disseram.
“São necessários mais estudos para elucidar os fatores associados a um distúrbio hemodinâmico mais grave e para elaborar estratégias terapêuticas que ajudem a restaurar rapidamente uma função ventricular esquerda eficiente nesses pacientes desafiadores”, concluíram os editorialistas.
Os autores do estudo e os editorialistas informaram não ter conflitos de interesses.
J Am Coll Cardiol. Publicado on-line em 15 de maio de 2023. Abstract ; editorial.
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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Créditos: Imagem principal: J. Heuser / Wikimedia
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Citar este artigo: Achados hemodinâmicos na síndrome takotsubo podem levar a novas terapias - Medscape - 24 de mai de 2023.
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