Uma adaptação do protocolo para descartar a possibilidade de insulinoma em pacientes com hipoglicemia pode reduzir a duração da prova de jejum de 72 para 12 horas em alguns casos. Tradicionalmente necessário para o diagnóstico, o jejum de 72 horas envolve internação médica e gera gastos significativos; o novo protocolo promete uma redução importante dessas despesas, mostram dados inéditos.
A abordagem baseia-se na dosagem seriada de beta-hidroxibutirato com um valor de corte pré-definido.
Insulinomas são neoplasias pancreáticas benignas, pequenas e raras; porém, como secretam insulina em excesso, acabam causando hipoglicemia. Mais de 99% dos pacientes com esses tumores evoluem com hipoglicemia em até 72 horas, o que explica o jejum como ferramenta diagnóstica. Entretanto, a maioria dos pacientes com hipoglicemia não tem câncer, e a internação de três dias para o jejum é uma abordagem cara e inconveniente.
Como parte de um projeto de melhora da qualidade de atendimento médico, a Dra. Michelle D. Lundholm, afiliada ao serviço de endocrinologia da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, e seus colaboradores modificaram o protocolo da instituição para incluir a dosagem de beta-hidroxibutirato — um marcador de supressão da insulina — a cada 12 horas, com um valor de corte ≥ 2,7 mmol/L para interromper o jejum caso não haja queda glicêmica (glicemia ≤ 45 mg/dL). A estratégia reduziu pela metade o número de pacientes que precisaram jejuar por 72 horas, sem deixar de diagnosticar nenhum caso de insulinoma.
"Estamos entusiasmados em mostrar como um ajuste relativamente simples no nosso protocolo permitiu reduzir com sucesso os impactos do jejum nos pacientes e utilizar os recursos hospitalares com mais eficiência. Esperamos que estimule outras instituições a fazerem o mesmo", disse a Dra. Michelle ao Medscape.
"Esses dados respaldam um jejum de 48 horas. A literatura confirma que o período é suficiente para detectar 95% dos insulinomas (...), porém, dada a nossa pequena coorte de pacientes com esses tumores, estamos ansiosos para aprender com outros estudos", ela acrescentou.
A Dra. Michelle apresentou os achados no dia 05 de maio na reunião anual da American Association of Clinical Endocrinology.
Solicitada a comentar sobre os resultados, a moderadora da apresentação, Dra. Jenna Sarvaideo, disse ao Medscape: "Muitas vezes estamos presos à tradição. É por isso que esse estudo e esse projeto são tão animadores na minha opinião, pois desafiam o status quo (...) e acho que, no fim das contas, ajudam os pacientes".
A Dra. Jenna, médica afiliada ao Clement J. Zablocki VA Medical Center, nos EUA, observou que, normalmente, embora o jejum seja interrompido antes de 72 horas se o paciente apresentar hipoglicemia, "muitas vezes isso não acontece, então continuamos indefinidamente. Se apenas prestássemos mais atenção ao beta-hidroxibutirato, acho que as práticas clínicas seriam alteradas".
Ela também disse que seria ótimo ter mais dados, já que havia menos de 100 pacientes no estudo. "Porém acho que a elaboração dos protocolos ainda está muito [concentrada] nos endocrinologistas. Acho que esse estudo poderia fazer com que os serviços reavaliassem e alterassem seus protocolos, talvez até mesmo com um pequeno conjunto de dados, para depois seguir em frente e ver os resultados", acrescentou.
De fato, a Dra. Michelle apontou que algumas instituições, como a Mayo Clinic, já incluem a dosagem de beta-hidroxibutirato a cada seis horas (além da glicemia e da insulinemia) em seus protocolos.
"Em qualquer instituição que já dosa regularmente os níveis de beta-hidroxibutirato, seria muito fácil implementar um novo critério para interrupção [do jejum] sem nenhum custo extra", disse ela ao Medscape.
Insulinomas foram diagnosticados em menos de 48 horas
O primeiro relato a analisar o valor da dosagem do beta-hidroxibutirato em intervalos regulares foi publicado por profissionais vinculados à Mayo Clinic em 2005, depois que médicos notaram que pacientes sem insulinoma estavam se queixando de sintomas de cetose, como mau hálito e alterações gastrointestinais, ao final do período de jejum.
No entanto, embora a dosagem de beta-hidroxibutirato seja usada atualmente como parte da avaliação diagnóstica, normalmente ela é realizada apenas no início do protocolo e no momento da hipoglicemia ou após 72 horas, pois o aumento da frequência de dosagem não foi considerado útil para orientar as decisões clínicas, explicou a Dra. Michelle.
Entre janeiro de 2018 e junho de 2020, ela e sua equipe acompanharam 34 pacientes da Cleveland Clinic que completaram o protocolo habitual de jejum durante 72 horas. Ao todo, 71% dos pacientes eram do sexo feminino e 26% tinham sido submetidos a cirurgia bariátrica. Onze (32%) apresentaram hipoglicemia e interromperam o jejum. Os outros 23 (68%) jejuaram por 72 horas completas.
A Dra. Michelle e sua equipe determinaram que o jejum poderia ter sido encerrado precocemente em 35% dos pacientes, com base no aumento dos níveis de beta-hidroxibutirato, sem deixar de diagnosticar nenhum caso de insulinoma.
Assim, em junho de 2020, o grupo revisou seu protocolo institucional para incluir a dosagem de beta-hidroxibutirato, com valores ≥ 2,7 mmol/L sendo definidos como um critério para interrupção do jejum. Dos 30 pacientes avaliados de junho de 2020 a janeiro de 2023, 87% eram do sexo feminino e 17% tinham sido submetidos a cirurgia bariátrica anteriormente.
Nessa população, 15 (50%) pacientes apresentaram níveis de beta-hidroxibutirato ≥ 2,7 mmol/L e interromperam o jejum após, em média, 43,8 horas. Outros sete (23%) interromperam o jejum após apresentarem hipoglicemia. Apenas oito (27%) jejuaram por 72 horas.
No geral, isso resultou em aproximadamente 376 horas de internação hospitalar a menos do que se os pacientes tivessem jejuado por todo o período proposto.
Dos 64 pacientes que completaram o protocolo de jejum desde 2018, sete (11%) indivíduos diagnosticados com insulinoma apresentaram hipoglicemia em até 48 horas e níveis de beta-hidroxibutirato < 2,7 mmol/L (mediana de 0,15).
Vantagens: custo e adesão
O custo da diária em um leito na enfermaria da Cleveland Clinic é de US$ 2.420, segundo informações disponíveis publicamente em 1º de janeiro de 2023. "Se metade dos pacientes tiver alta um dia antes, isso equivale a uma economia de cerca de US$ 1.210 por paciente, considerando apenas os custos relacionados ao leito hospitalar, disse a Dra. Michelle.
O protocolo revisado exigiu duas a quatro coletas de sangue adicionais, dependendo da duração do jejum. "O custo desses exames de sangue extras varia conforme o laboratório e a quantidade, mas mesmo os preços mais altos não superam a economia com os valores dos leitos", observou ela.
A adesão é outro potencial benefício do novo protocolo.
"Qualquer estudo que exija 72 horas de cooperação por parte do paciente é um desafio, principalmente em uma situação desconfortável como o jejum. Quando analisamos as taxas de adesão, descobrimos que a porcentagem de pacientes que interromperam [indevidamente] o jejum diminuiu de 35% para 17% com o protocolo atualizado", acrescentou a Dra. Michelle.
"Isso se traduz em menos resultados inconclusivos e menos reinternações para repetir o jejum de 72 horas. Embora esse não tenha sido o nosso desfecho principal, foi mais um benefício constatado após a mudança", disse ela.
A Dra. Michelle Lundholm e a Dra. Jenna Sarvaideo informaram não ter conflitos de interesses.
Reunião Anual de 2023 da American Association of Clinical Endocrinology (AACE). Abstract #1494000. Apresentado em 05 de maio de 2023.
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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Citar este artigo: Prova de jejum para diagnóstico de insulinoma: uma nova abordagem - Medscape - 23 de mai de 2023.
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