Disritmia ou arritmia?

Dra. Carla Vorsatz

Notificação

19 de maio de 2023

Recentemente os textos médicos em língua inglesa têm usado disritmia como sinônimo perfeito de arritmia cardíaca. É fácil encontrar os termos juntos, mencionando “disritmia (arritmia)”, como se fossem exatamente o mesmo fenômeno.

Será verdade?

Classicamente o termo disritmia se refere à disritmia cerebral, diagnóstico muito em voga entre as crianças na década de 70. Ninguém sabia dizer exatamente o que era, nem como tratar, menos ainda os sintomas associados, mas o diagnóstico era taxativo: “essa criança é disrítmica”.

Mas qual era a característica patognomônica no eletroencefalograma que fechava o diagnóstico? Uma mera alteração inespecífica de ritmo e intensidade da pulsação neuroelétrica do sistema nervoso central, em vigília ou durante o sono. Mesmo se a criança fosse assintomática. Os picos observados poderiam estar relacionados com uma miríade de outros distúrbios neurológicos, mas... era disritmia cerebral.

Cinquenta anos se passaram, o diagnóstico de disritmia cerebral sobreviveu — embora a “febre” dos anos 70 tenha passado —, agora acometendo também adultos e idosos, além das crianças. Ainda tão inespecífico quanto no passado, tanto em termos de traçado do eletroencefalograma como dos sintomas e/ou da definição de caso.

Etimologicamente o vocábulo disritmia é formado pelo prefixo grego “dis-“ δυσ-  (significando ruim, difícil, defeituoso, anormal) + o radical “rhuthmos” (significando fluir, também relacionado com “rhein”, significando “rimar”)  + a desinência “-ia” -ῐ́ᾱ, -ειᾰ (-íā, -eia) (usada na formação de substantivos abstratos).

O dicionário Aulete nos informa:

disritmia

1.  Med. Ritmo anormal ou alterado (do coração, cérebro, pulso etc.)

O idioma nos ajuda a compreender o fenômeno como uma alteração anômala, defeituosa, difícil, do ritmo fisiológico em qualquer local do organismo que pulse. Isso já faz mais sentido. Não especifica se a anomalia do ritmo é sequencial, é de um ritmo diferente ou é a ausência de ritmo.

Já a arritmia é tradicionalmente relacionada com as alterações do ritmo cardíaco, alterações essas muito específicas, quando o ritmo não pode ser determinado ou, como descrito na fibrilação atrial, o ritmo é “irregularmente irregular”. Isso é bastante diferente de “uma alteração anômala, defeituosa, difícil, do ritmo fisiológico em qualquer local” da disritmia.

Etimologicamente a diferença é o alfa privativo, ou o prefixo grego “a-“ ou “an-“ que significa ausência, privação, negação — o restante do vocábulo é igual ao anterior. Aparentemente aí reside o problema: a impressão de que a ausência de ritmo — definição perfeita do fenômeno da arritmia cardíaca — significaria “ausência de batimento”, o que não é absolutamente o caso.

Convém não confundir ritmo, batimento e frequência, sobretudo na cardiologia.

Voltando ao dicionário Aulete, temos a seguinte informação:

arritmia

1. Ausência total de ritmo ou irregularidade de ritmo (numa sequência continuada de eventos a intervalos de tempo supostamente regulares)

2. Card. Anormalidade no ritmo dos batimentos cardíacos

Enquanto o dicionário se refere a “ritmo anormal ou alterado (do coração, cérebro, pulso etc.)” na disritmia, na arritmia especifica que a anormalidade é dos batimentos cardíacos (apenas). Assim como especifica a ausência total ou irregularidade de ritmo.

Nem em termos médicos, nem em termos linguísticos os dois termos se assemelham ou têm o mesmo significado.

Logicamente, ao considerar a arritmia cardíaca como sinônimo de disritmia cardíaca, seria necessário considerar também a disritmia cerebral como sinônimo de arritmia cerebral, e isso não é encontrado nem na literatura indexada. Dois termos não podem ser sinônimos em uma comparação e não serem sinônimos em outra, nosso idioma não nos faculta esse recurso.

A questão é o que falamos e porque falamos. Por isso o importante é saber dos próprios médicos:

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