É possível monitorar a pressão intracraniana sem cirurgia?

Mônica Tarantino

15 de maio de 2023

Um dos grandes desafios da neurociência é encontrar um método não invasivo para monitorar a pressão intracraniana (PIC), cujo aumento está relacionado a lesões cerebrais e danos cerebrais secundários a doenças sistêmicas (como a insuficiência hepática aguda). Atualmente, o padrão-ouro para o acompanhamento e diagnóstico envolve intervenção cirúrgica para inserção de cateter com sonda no crânio. Diante disso, muitos métodos não invasivos foram criados nos últimos anos com a intenção de substituir o procedimento ou para servir como ferramenta de rastreamento. Recentemente, a publicação de um estudo [1]de validação do brain4care — uma tecnologia pioneira desenvolvida por cientistas brasileiros para detectar variações de pressão e volume intracranianos — trouxe notícias bastante animadoras.

O dispositivo consiste em um pequeno sensor externo e sem fio, com conexão por bluetooth, posicionado sobre a cabeça do paciente por uma banda. Os dados capturados são transmitidos via internet e analisados por algoritmos, oferecendo relatórios em tempo real aos médicos em seus computadores, tablets ou celulares.

As novas informações foram geradas por um estudo transversal feito com 72 indivíduos internados em seis unidades de terapia intensiva do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) entre 2020 e 2022.

Os pacientes selecionados tinham lesões cerebrais agudas traumáticas ou não traumáticas, necessidade de suporte ventilatório no momento da internação e necessidade de monitoramento invasivo da PIC. Atualmente, há mais de 100 pacientes em avaliação com uso do método no HCFMUSP.

“Fizemos um estudo observacional comparando dados obtidos simultaneamente com o método padrão-ouro e com o sistema brain4care. Os resultados comprovam que o brain4care foi equivalente, ou seja, tão bom e preciso quanto a técnica padrão-ouro para avaliar a complacência cerebral e as variações da PIC”, disse ao Medscape o Dr. Sérgio Brasil, neurocirurgião e primeiro autor da pesquisa publicada no periódico Journal of Clinical Monitoring and Computing.

Dr. Sérgio Brasil

O grupo de pesquisadores liderados pelo Dr. Sérgio Brasil comparou as informações obtidas pelos dois métodos com os desfechos clínicos dos pacientes. Os resultados mostraram que os indivíduos que tiveram PIC alta verificada pelo método invasivo e parâmetros desfavoráveis detectados pelo monitoramento não invasivo apresentaram desfechos piores em comparação com aqueles que tiveram medições favoráveis pelos dois métodos.

“Concluímos que o sistema brain4care é uma alternativa eficiente ao monitoramento invasivo e à realização de exames de imagem para rastreio e triagem. Ele pode indicar os pacientes que realmente se beneficiarão do uso do cateter para derivação ventricular externa”, afirmou o neurocirurgião.

“Vimos ainda que o uso combinado do dispositivo não invasivo com o método padrão-ouro agrega informações para auxiliar na tomada de decisão do médico sobre os melhores tratamentos. Além disso, o equipamento pode também ser útil na reabilitação, permitindo o acompanhamento da PIC cinco a sete dias depois [do procedimento invasivo], quando o cateter precisa ser retirado em função do risco de infecção. Se antes o médico não saberia mais o que estava acontecendo com a PIC [nesse momento], agora consegue continuar monitorando”, destacou o Dr. Sérgio Brasil.

Criação do método não invasivo

O brain4care surgiu da vocação inovadora do físico Dr. Sérgio Mascarenhas e de sua revolta, após ter sido submetido a uma cirurgia para inserção de um cateter no cérebro com a finalidade de estabelecer o diagnóstico definitivo do quadro neurológico que o acometia. Em 2005, médicos suspeitavam que ele tivesse doença de Parkinson, mas a certeza de que era um caso de hidrocefalia veio apenas com uso do método invasivo. Restabelecido, o cientista voltou a fazer pesquisas, e com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tinha intenção de desenvolver uma alternativa não invasiva ao monitoramento cerebral. Anos depois, em 2014, fundou uma startup para a qual convidou alguns ex-alunos e desenvolveu o dispositivo; posteriormente, a iniciativa foi impulsionada pela Singularity University, nos Estados Unidos.

Em seu processo de pesquisa, o Dr. Sérgio Mascarenhas refutou a ideia de que a caixa craniana é inextensível. Com seus experimentos, ele provou que ela se expande com o aumento da PIC, o que levou à revisão de postulados médicos vigentes no momento da descoberta. “Ele mostrou que o crânio ‘pulsa’”, disse o Dr. Sérgio Brasil. Antes de falecer em 2021, aos 93 anos, o físico viu o sistema brain4care ser aprovado para uso comercial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2019 e pela agência reguladora norte-americana Food and Drug Administration (FDA) no ano em que morreu.

Uso clínico e em pesquisas

Atualmente, a tecnologia de monitoramento não invasivo das variações de PIC e complacência intracraniana desenvolvida pelo Dr. Sérgio Mascarenhas é usada em cerca de 58 centros de saúde em todas as regiões brasileiras, a exemplo do Hospital Nove de Julho e da Beneficência Portuguesa, ambos em São Paulo. Nesses locais, neurocirurgiões, neurologistas e neuroftalmologistas já recorrem ao dispositivo, que pode ser manipulado por equipes de profissionais da saúde treinados, enviando resultados em tempo real ao médico responsável. Em outros 22 locais, entre eles a renomada Cleveland Clinic, nos EUA, o sensor é empregado em estudos científicos.

Para o Dr. Sérgio Brasil, a disseminação da nova tecnologia está levando a melhor compreensão da complacência cerebral e do papel da PIC não só no traumatismo craniano e na hipertensão craniana idiopática, mas também em casos de meningite, cefaleia, quadros cardiovasculares e até mesmo na obesidade, ajudando na predição de desfechos.

Em abril, porém, um estudo publicado pelo periódico Acta Neurochirurgica apresentou resultados que se contrapõem à equivalência do brain4care com o método padrão-ouro. Em resposta ao artigo, o Dr. Sérgio Brasil enviou uma carta ao editor do periódico, e ela será publicada em edição futura. “A carta aponta as deficiências metodológicas desse trabalho. O estudo falha especialmente por não respeitar as limitações do método brain4care, que é um sistema mecânico e demanda supervisão constante durante seu uso. Essas falhas implicaram resultados inferiores em comparação aos de quatro estudos anteriores realizados no Brasil e nos EUA por diferentes grupos de pesquisa”, pontua o pesquisador.

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