O IMC é uma medida imperfeita da obesidade. Quais são as alternativas?

Dr. Mitchel L. Zoler, Ph.D.

3 de maio de 2023

"O IMC não vale nada. Ponto final". Este polêmico tuíte, que recebeu milhares de curtidas e retuítes, foi citado por uma médica em uma recente publicação do Medscape sobre quando os médicos podem parar de usar o índice de massa corporal (IMC) para diagnosticar a obesidade.

O IMC tem sido, há anos, o método convencional consagrado para avaliar se uma pessoa está acima do peso ou tem obesidade, e ainda é amplamente utilizado como o parâmetro de limiar de elegibilidade ao tratamento com certos medicamentos de perda ponderal e à cirurgia bariátrica.

Mas o crescente reconhecimento das limitações do IMC tem feito com que muitos médicos considerem medidas alternativas de obesidade que possam avaliar melhor tanto a quantidade de gordura quanto a localização dela no organismo, um importante determinante das consequências cardiometabólicas do quadro.

As métricas alternativas são a circunferência da cintura e/ou a razão entre a cintura e a estatura (RCE); métodos de imagem como tomografia computadorizada, ressonância magnética e densitometria óssea; e impedância bioelétrica para avaliar o volume e a localização da gordura. Todos fizeram algumas incursões no controladíssimo território do IMC para a avaliação da obesidade.

No entanto, é provável que o IMC não desapareça tão cedo, dada a sua consolidação na prática clínica e na cobertura dos planos de saúde, além de sua relativa simplicidade e exatidão.

"O IMC está incorporado em um grande conjunto de diretrizes para o uso de medicamentos e a realização de cirurgia. Está incorporado nas regulamentações da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos e para faturamento e cobertura dos planos de saúde. Seriam necessários dados extremamente sólidos e anos de trabalho para desfazer a infraestrutura construída em torno do IMC e substituí-lo por outra coisa. Eu não vejo isso acontecendo em breve", comentou o médico Dr. Daniel H. Bessesen, professor da University of Colorado e chefe da endocrinologia da Denver Health, ambos nos EUA.

"Seria quase impossível substituir todos os estudos que usaram o IMC por pesquisas utilizando alguma outra medida", disse o especialista.

O IMC é ‘imperfeito’

A posição arraigada do IMC como parâmetro de referência não impede que seus detratores se manifestem. Como observado em um comentário sobre os desafios clínicos atuais no tratamento da obesidade publicado recentemente no periódico Annals of Internal Medicine, a editora-chefe da revista, a médica Dra. Christine Laine, e a vice-editora sênior, a médica Dra. Christina C. Wee, listaram seis questões importantes com as quais os médicos devem lidar, uma das quais, disseram, é a necessidade de ter um parâmetro de obesidade melhor do que o IMC.

"Infelizmente, o IMC é uma medida imperfeita da composição do organismo que difere por etnia, sexo, estrutura corporal e massa muscular", observaram a Dra. Christine e a Dra. Christina.

A fórmula do IMC é o peso de uma pessoa em quilogramas dividido pelo quadrado de sua altura em metros. O IMC considerado "saudável" está entre 18,5 e 24,9 kg/m2; de 25 a 29,9 kg/m2 é considerado sobrepeso; e ≥ 30 kg/m2 é considerado obesidade. No entanto, determinados grupos étnicos têm cortes mais baixos para o sobrepeso ou a obesidade, dadas as evidências de que essas pessoas podem ter maior risco de comorbidades relacionadas com a obesidade com IMCs mais baixos.

"O IMC foi escolhido como a ferramenta inicial de triagem da obesidade não por ter sido considerado perfeito ou a medida ideal, mas por sua simplicidade. Tudo o que você precisa é saber a altura e o peso e ter uma calculadora", disse a Dra. Christina em uma entrevista.

Existem inúmeras calculadoras on-line (como esta do Centers for Disease Control and Prevention dos EUA), nas quais a altura pode ser inserida em pés, polegadas, metros ou centímetros, e o peso em libras ou quilos, para gerar o IMC.

O IMC também é inerentemente limitado por ser "um marcador alternativo de depósito de gordura" e não uma medida direta, acrescentou a Dra. Christina, que também é diretora do Obesity Research Program do Beth Israel Deaconess Medical Center nos Estados Unidos.

Dra. Tiffany Powell-Wiley

Em si, o IMC não pode diferenciar entre a gordura e o músculo porque usa somente o peso para medir a gordura, observou a médica Dra. Tiffany Powell-Wiley, pesquisadora sobre a obesidade no National Heart, Lung, and Blood Institute nos EUA. Outro problema do IMC é que "é apropriado para diferenciar o risco populacional de doença cardiovascular e de outras doenças crônicas, mas não ajuda tanto a diferenciar o risco individual", disse a especialista em uma entrevista.

Essas e outras desvantagens levaram os pesquisadores a procurar outros parâmetros úteis. A RCE, por exemplo, recentemente se tornou um potencial complemento ou alternativa ao IMC.

Defesa da RCE

A preocupação com a dependência excessiva do IMC, apesar de suas limitações, não é novidade. Em 2015, uma declaração científica feita pelo Obesity Committee da American Heart Association (AHA) concluiu que "o IMC isoladamente, mesmo com limiares mais baixos, é uma ferramenta útil, mas não a ferramenta ideal para a identificação da obesidade ou a avaliação do risco cardiovascular", especialmente para as populações asiáticas, negras, hispânicas e habitantes das ilhas do Pacífico.

O grupo redator também recomendou que os médicos medissem a circunferência da cintura todo ano e usassem essa informação junto com o IMC “para avaliar melhor o risco cardiovascular em diferentes populações".

O momento para ir além do IMC isoladamente continuou a ser construído após a declaração da AHA.

Em setembro de 2022, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), que define as políticas para o National Health Service do Reino Unido, reviu sua orientação sobre a avaliação e a conduta nos casos de pessoas com obesidade. A orientação atualizada recomenda que, quando os médicos avaliarem "adultos com IMC abaixo de 35 kg/m2, meçam e usem a RCE, bem como o IMC, como estimativa prática da gordura central e usem essas medidas para ajudar a avaliar e prever os riscos para a saúde".

O NICE lançou uma extensa revisão da literatura e, com base nas evidências, disse que "o uso da RCE e do IMC ajudaria a dar uma estimativa prática da gordura central nos adultos com IMC abaixo de 35 kg/m2. Isso, por sua vez, ajudaria os profissionais a avaliar e prever os riscos para a saúde".

No entanto, a revisão acrescentou que "como as pessoas com IMC acima de 35 kg/m2 têm sempre tendência a ter uma RCE alta, o comitê reconheceu que pode não ser um acréscimo útil para prever os riscos para a saúde neste grupo". A revisão de 2022 do NICE também acrescentou que é "importante estimar a gordura central ao avaliar riscos futuros para a saúde, inclusive para pessoas cujo IMC está na categoria de peso saudável".

Essa nova ênfase do NICE em medir e usar a RCE como parte da avaliação da obesidade "representa uma mudança importante nas políticas de saúde populacionais", comentou a Dra. Tiffany. "Espero que mais organizações profissionais endossem o uso da circunferência da cintura ou da RCE agora que o NICE deu este passo", disse a especialista.

O recente movimento do NICE para destacar um papel complementar para a RCE "é outro reconhecimento de que o IMC é uma ferramenta imperfeita para estratificar o risco cardiometabólico em uma população diversificada, especialmente nas pessoas com menores IMCs" pela sua variabilidade, comentou o médico Dr. Jamie Almandoz, diretor médico do Weight Wellness Program no University of Texas Southwestern Medical Center nos EUA.

RCE × IMC

Outro avanço recente em relação à RCE ocorreu em março com a publicação de uma análise post-hoc dos dados obtidos pelo ensaio clínico PARADIGM-HF, estudo que teve como objetivo primário comparar dois medicamentos para melhorar os desfechos de mais de 8.000 pacientes com insuficiência cardíaca com redução da fração de ejeção.

A nova análise mostrou que "dois índices que incorporam a circunferência da cintura e a altura, mas não o peso, mostraram uma associação mais clara entre maior quantidade de gordura e maior risco de hospitalização por insuficiência cardíaca" em comparação ao IMC.

A RCE foi um dos dois índices identificados como melhor correlato para o efeito adverso do excesso de gordura em comparação ao IMC.

Os autores da análise post-hoc não projetaram sua análise para comparar a RCE com o IMC. Em vez disso, seu objetivo era entender melhor o que é conhecido como o "paradoxo da obesidade" nas pessoas com insuficiência cardíaca com redução da fração de ejeção: a observação recorrente de que, quando esses pacientes com insuficiência cardíaca têm menores IMCs, o quadro deles é mais grave, com maior número de mortes e de desfechos cardiovasculares adversos em comparação aos pacientes com maiores IMCs.

A nova análise mostrou que esse paradoxo desapareceu ao substituir o IMC pela RCE como parâmetro de obesidade.

Essa achado "traz dados importantes sobre a superioridade da RCE em comparação ao IMC para prever os desfechos da insuficiência cardíaca", disse a Dra. Tiffany, embora alertando que a análise foi limitada pela escassez dos dados em várias populações e não tenha avaliado outros desfechos importantes da doença cardiovascular. Embora a Dra. Tiffany não pense que a RCE precise de avaliação em um estudo prospectivo e controlado, a médica reivindica a análise de estudos prospectivos agrupados com populações mais diversas para documentar melhor as vantagens da RCE em relação ao IMC.

A análise post-hoc do ensaio clínico PARADIGM-HF mostra novamente como o IMC é deficiente para a avaliação da saúde e ressalta a importância relativa de uma compreensão individualizada da composição física de alguém, disse o Dr. Jamie em uma entrevista. "À medida que coletamos mais dados, fica cada vez mais claro o quanto o IMC é imperfeito."

Medir a circunferência da cintura é complicado

Embora a RCE pareça promissora como um substituto ou complemento ao IMC, traz suas próprias limitações, particularmente o desafio de medir com exatidão a circunferência da cintura.

Medir a circunferência da cintura "não só leva mais tempo, mas exige que o avaliador seja bem treinado sobre onde colocar a fita métrica e se certificar de estar medindo no mesmo lugar todas as vezes", mesmo quando pessoas diferentes fazem medições seriadas de cada paciente, observou a Dra. Christina. Determinar a circunferência da cintura também pode ser tecnicamente difícil quando feito em pessoas mais obesas, acrescentou a médica, e coletivamente esses desafios tornam a circunferência da cintura "menos reprodutível a cada medida".

Dr. Jamie Almandoz

"É relativamente claro como padronizar a medição do peso e da altura, mas há uma enorme variação quando a cintura é medida", concordou o Dr. Jamie. "E a circunferência da cintura também difere por etnia, raça, sexo e estrutura física. Existem diferenças significativas de cintura que se associam ao aumento dos riscos à saúde" entre, por exemplo, os caucasianos e as pessoas do sudeste asiático.

Outra limitação da circunferência da cintura e da RCE é "não poder diferenciar entre o tecido adiposo subcutâneo visceral e o abdominal, que são muito diferentes em relação ao risco cardiometabólico, comentou o médico Dr. Ian Neeland, diretor de prevenção cardiovascular do University Hospitals Harrington Heart & Vascular Institute nos EUA.

A opção dos exames de imagem

"A RCE não é a resposta definitiva", disse o Dr. Ian em uma entrevista. Em vez disso, o médico preconiza "exames de imagens avançados para avaliação da distribuição da gordura", como a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética, como sua escolha para qual deveria ser o parâmetro oficial da obesidade, "visto que são muito mais específicas e acionáveis para a avaliação de risco e da resposta ao tratamento. Espero avanços lentos, mas constantes, que se afastem dos cortes do IMC, por exemplo, para a cirurgia bariátrica, dado que o IMC é um instrumento impreciso e bruto", previu.

Mas, embora a imagem com métodos como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética possa trazer maior acurácia e precisão para rastrear o volume da gordura de risco cardiometabólico de alguém, esses métodos também são prejudicados pelo custo relativamente alto e, no caso da tomografia computadorizada e da densitometria, pela questão da exposição à radiação.

"Os exames de tomografia computadorizada, ressonância magnética e densitometria oferecem uma avaliação mais aprofundada da composição corporal, mas devemos expor as pessoas à radiação e ao custo?", questionou o Dr. Jamie.

"Altura, peso e circunferência da cintura são obtidos sem custos", criando uma grande desvantagem relativa para os exames de imagem, disse o médico Dr. Naveed Sattar, professor de medicina metabólica na University of Glasgow no Reino Unido.

"Os dados precisariam mostrar que os exames de imagem fornecem aos médicos uma quantidade e qualidade de informações significativamente melhores sobre o risco futuro" para justificar seu preço, enfatizou o Dr. Naveed.

Os limites do IMC significam acréscimo

Independentemente de quais alternativas ao IMC acabarem sendo mais usadas, os especialistas geralmente concordam que o IMC por si só está parecendo cada vez mais inadequado.

"Nos próximos cinco anos, o IMC será visto como um instrumento de triagem que classifica as pessoas em grupos de risco geral" que também precisa de "outras medidas e variáveis, como idade, raça, etnia, história familiar, glicemia e pressão arterial para descrever melhor o risco para a saúde de uma pessoa", previu o Dr. Daniel em uma entrevista.

O endosso da RCE pelo NICE "levará a mais pesquisas sobre como incorporar a RCE na nossa rotina de atendimento. Precisamos de mais evidências para traduzir em prática a declaração do NICE", disse o Dr. Naveed. "Acho que não vamos ver um distanciamento do IMC, mas o acréscimo de medidas alternativas particularmente úteis para certos pacientes", previu o médico.

"Como vivemos em sociedades diversificadas, precisamos individualizar a avaliação de risco e aliá-la a uma tecnologia que torne a análise da composição do organismo mais acessível", concordou o Dr. Jamie. O médico observou que o Weight Wellness Program, onde atende no sudoeste dos Estados Unidos, há cerca de uma década registra sistematicamente os dados de circunferência da cintura e a impedância bioelétrica, bem como o IMC de todas as pessoas atendidas por questões de obesidade. Fazer essas medidas adicionais de rotina também ajuda a fortalecer o engajamento do paciente, observou.

"Nos colocamos em maus lençóis quando adotamos políticas de saúde rígidas e tomamos decisões clínicas baseadas exclusivamente no IMC sem olhar para o paciente de forma holística", disse a Dra. Christina. "Os pacientes são mais do que números arbitrários, e os médicos devem tomar decisões clínicas fundamentados na totalidade das evidências disponíveis para cada paciente."

Dr. Daniel Bessesen, Dra. Christina Wee, Dra. Tiffany Powell-Wiley e Dr. Jamie Almandoz informaram não ter conflitos de interesses relevantes. Dr. Ian Neeland informou prestar consultoria para a Merck. Dr. Naveed Sattar informou prestar consultoria ou ser palestrante das empresas Abbott Laboratories, Afimmune, Amgen, AstraZeneca, Boehringer Ingelheim, Eli Lilly, Hanmi Pharmaceuticals, Janssen, MSD, Novartis, Novo Nordisk, Pfizer, Roche Diagnostics e Sanofi.

Mitchel L. Zoler é repórter para o Medscape e o MDedge e mora na Filadélfia. @mitchelzoler

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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