Publicadas novas diretrizes para Cannabis no tratamento da dor crônica

Liz Scherer

17 de abril de 2023

Canadá publica novas diretrizes de conduta para uso da Cannabis no tratamento da dor crônica.

Redigidas por um grupo de pesquisadores, médicos e pacientes canadenses, as diretrizes destacam que os medicamentos à base de canabinoides podem ajudar os profissionais a oferecer uma alternativa eficaz e menos viciante aos opioides para pacientes com dor crônica não oncológica e comorbidades.

“Não recomendamos o uso de canabinoides como primeira linha para praticamente nada, porque existem outras alternativas que podem ser mais eficazes e causam menos efeitos colaterais”, explicou ao Medscape o primeiro autor da diretriz Dr. Alan Bell, médico e professor assistente de medicina de família e comunitária na University of Toronto, no Canadá.

Dr. Alan Bell

“Mas eu defenderia com convicção o uso de medicamentos à base de Cannabis em vez de opioides todas as vezes. Por que usar um agente de alta potência e alta toxicidade quando há uma alternativa de baixa potência e baixa toxicidade?”, disse ele.

As diretrizes foram publicadas on-line em 27 de março no periódico Cannabis and Cannabinoid Research.

Examinando as evidências

Uma crítica constante aos canabinoides tem sido a falta de pesquisas de qualidade que embasem sua utilidade terapêutica. Para elaborar as recomendações atuais, a força-tarefa revisou 47 estudos de controle da dor com mais de 11.000 pacientes. Quase metade dos estudos (n = 22) eram ensaios clínicos randomizados controlados e 12 incluíam revisões sistemáticas focadas apenas em ensaios clínicos randomizados.

No geral, 38 dos 47 estudos incluídos demonstraram que medicamento à base de canabinoide proporcionou pelo menos benefícios moderados para a dor crônica, resultando em uma recomendação “forte” – principalmente como tratamento adjuvante ou substituto para indivíduos que vivem com dor crônica.

No geral, as diretrizes valorizam muito a melhora da dor crônica e da funcionalidade e o tratamento de quadros concomitantes, como insônia, ansiedade e depressão, mobilidade reduzida e inflamação. Também fornecem dicas práticas de dosagem e formulação para orientar o uso de canabinoides no ambiente clínico.

Quando se trata de dor crônica, medicamentos à base de canabinoides não são uma panaceia. No entanto, pesquisas anteriores sugerem que canabinoides e opioides compartilham várias propriedades farmacológicas, como mecanismos independentes, mas possivelmente relacionados, de ação antinociceptiva, tornando-os uma combinação intrigante.

Nas diretrizes atuais, todos os quatro estudos abordando especificamente a associação de opioides e flor de Cannabis vaporizada demonstraram maior redução da dor, reforçando a conclusão de que os benefícios dos canabinoides para melhorar o controle da dor em pacientes que usam opioides superam o risco de eventos adversos não graves, como xerostomia, tontura, aumento do apetite, sedação e dificuldade de concentração.

As recomendações também destacaram evidências demonstrando que a maioria dos participantes conseguiu reduzir o uso de analgésicos de rotina com a administração concomitante de canabinoides e opioides, ao mesmo tempo em que obteve benefícios secundários, como melhora do sono, da ansiedade e do humor, bem como prevenção da tolerância a opioides e do escalonamento da dose.

É importante ressaltar que as diretrizes oferecem um algoritmo baseado em evidências com uma estrutura clara para a redução gradual do uso de opioides pelos pacientes, especialmente aqueles que usam > 50 mg de dose equivalente de morfina, o que os coloca em risco duas vezes maior de overdose fatal.

Uma alternativa eficaz

Convidado a comentar sobre as novas diretrizes pelo Medscape, o Dr. Mark Wallace, médico com ampla experiência em pesquisas e tratamento de pacientes com dor com Cannabis medicinal, disse que a gênese de seu interesse pela Cannabis medicinal reflete o foco das diretrizes.

“O que despertou meu interesse pela Cannabis medicinal foi tentar tirar os pacientes dos opioides”, disse o Dr. Mark, professor de anestesiologia e chefe da divisão de medicina da dor no departamento de anestesiologia da University of California, San Diego, nos EUA. O Dr. Mark, que não participou da redação das diretrizes, disse que “tirou centenas de pacientes dos opioides usando Cannabis”.

O Dr. Mark afirmou que achou úteis as recomendações de dosagem das diretrizes.

“Dentro da faixa de dose de 1 a 5 mg, os riscos são incrivelmente baixos e não haverá malefício ao paciente.”

Dr. Christopher Gilligan

Embora existam pacientes que abusam de Cannabis e canabinoides, o Dr. Mark observou que atendeu apenas um paciente nos últimos 20 anos que estava usando Cannabis medicinal em excesso. O médico acrescentou que seus pacientes não usam Cannabis medicinal para ficarem “chapados” e, na verdade, querem evitar a todo custo doses que produzam tal efeito.

Também comentando sobre as diretrizes, o Dr. Christopher Gilligan, diretor clínico associado e médico de medicina da dor no Brigham & Women's Hospital, nos EUA, que não participou da elaboração das diretrizes, apontou para os riscos.

“Quando temos a oportunidade de usar canabinoides em vez de opioides para nossos pacientes, acho que é positivo... e uma escolha sábia em termos de risco-benefício”, disse o Dr. Christopher.

Por outro lado, ele alertou que “prescrever livremente” canabinoides para dor crônica em pacientes que não usam opioides não é uma boa prática.

“Temos de levar a sério os potenciais efeitos adversos, como transtorno por uso de Cannabis, interferência no aprendizado, comprometimento da memória e surtos psicóticos”, destacou o Dr. Christopher.

Os Drs. Alan Bell, Mark Wallace e Christopher Gilligan informaram não ter conflitos de interesses.

Cannabis Cannabinoid Res. Publicado on-line em 27 de março de 2023. Texto completo.

Liz Scherer é uma jornalista independente especializada em doenças infecciosas e emergentes, terapia com canabinoides, neurologia, oncologia e saúde da mulher.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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