Dois casos inéditos: SARS-CoV-2 atravessa a placenta e infecta o cérebro do feto

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Pesquisadores observaram casos inéditos de infecção pelo SARS-CoV-2 em gestantes em que o vírus atravessou a placenta e causou lesão cerebral no feto. Os achados foram reportados em um relato de caso publicado on-line em 06 de abril no periódico Pediatrics.

Um dos lactentes afetados morreu aos 13 meses e o outro continuava em tratamento paliativo no momento da submissão do manuscrito.

A primeira autora do estudo, Dra. Merline Benny, afiliada à divisão de neonatologia do Departamento de Pediatria da University of Miami nos Estados Unidos, e seus colaboradores informaram as descobertas à imprensa pouco antes da publicação do artigo.

"Isso é inédito", disse a autora sênior Dra. Shahnaz Duara, médica e diretora clínica na Neonatal Intensive Care Unit do Holtz Children’s Hospital nos EUA, explicando que este é o primeiro estudo a confirmar casos de transmissão transplacentária do SARS-CoV-2 causando lesão cerebral no feto.

Resultados negativos para o vírus ao nascer

Os dois bebês foram internados nos primeiros dias da disseminação da variante delta do SARS-CoV-2. Eles receberam cuidados na UTI neonatal do Holtz Children’s Hospital da University of Miami/Jackson Memorial Medical Center nos EUA.

O resultado do teste de SARS-CoV-2 dos dois bebês foi negativo logo após o nascimento, mas eles tinham altos níveis de anticorpos contra o vírus no sangue, indicando que os anticorpos da mãe atravessaram a placenta, ou que o vírus havia atravessado a placenta e a resposta imunitária foi dos organismos dos bebês.

A Dra. Merline explicou que os pesquisadores viram, até hoje, mais de 700 pares de mãe e bebê nos quais a mãe teve resultado positivo para o SARS-CoV-2 no Jackson Memorial Medical Center.

A maioria das que tiveram resultado positivo para o vírus foi assintomática e a maior parte dos pares de mãe e bebê deixou o hospital sem complicações.

"No entanto, esses dois bebês tiveram um quadro clínico muito incomum", disse a Dra. Merline.

Essas crianças nasceram de mães que tiveram resultado positivo para SARS-CoV-2 no segundo trimestre gestacional e deram à luz algumas semanas mais tarde.

Convulsões no 1° dia de vida

Os bebês começaram a convulsionar desde o primeiro dia de vida. Ao exame, apresentavam hipotonia profunda, explicou a Dra. Merline.

"Não tivemos nenhuma boa explicação para as convulsões iniciais e para o grau de lesão cerebral que vimos", disse a Dra. Shahnaz.

A Dra. Merline disse que, à medida que os bebês cresciam, o perímetro cefálico permanecia muito pequeno. Diferentemente de alguns bebês nascidos com o vírus Zika, eles não tinham microcefalia ao nascer. O exame de imagem cerebral dos dois bebês indicou atrofia cerebral importante, e os exames de desenvolvimento neurológico mostraram atraso significativo.

Foram iniciadas discussões com a equipe multidisciplinar do centro de saúde formada por neurologistas, patologistas, neurorradiologistas e obstetras, que cuidavam tanto das mães como dos bebês.

Os especialistas examinaram as placentas das duas mães e encontraram algumas alterações caraterísticas da covid-19 e a presença do vírus SARS-CoV-2. Isso foi acompanhado pelo aumento dos níveis de marcadores inflamatórios e pela redução grave de um hormônio crucial para a saúde placentária e o desenvolvimento do cérebro dos fetos.

O exame dos achados da necrópsia do bebê levantou ainda mais suspeitas de transmissão vertical, algo que não havia sido documentado antes.

Um dos coautores do estudo, Dr. Ali G. Saad, médico e diretor de patologia pediátrica e perinatal na University of Miami, disse: "Eu vi literalmente milhares de cérebros em autópsias nos últimos 14 anos, e este foi o caso mais dramático de leucoencefalopatia e perda de substância branca em um paciente, sem motivo significativo. Foi isso que deu início à pesquisa".

Mães com quadros clínicos muito diferentes

Outro coautor do estudo, Dr. Michael J. Paidas, médico afiliado ao departamento de obstetrícia, ginecologia e ciências reprodutivas da University of Miami, indicou que as circunstâncias das duas mães, que tinham por volta de 20 anos, eram muito diferentes.

Uma delas deu à luz com 32 semanas gestacionais e teve um quadro muito grave de covid-19, tendo ficado internada durante um mês na unidade de tratamento intensivo. A equipe decidiu fazer o parto para salvar a mãe, disse o Dr. Michael.

A outra mãe, no entanto, não apresentou sintomas da infecção pelo SARS-CoV-2, que ocorreu no segundo trimestre gestacional, e teve parto a termo.

O médico disse que uma das primeiras suspeitas dos quadros dos bebês foi a encefalopatia isquêmica por hipóxia. "Mas não foi a falta de fluxo sanguíneo para a placenta que causou isso", disse o Dr. Michael. "Ao que nos parece, foi consequência da infecção viral."

Casos raros

Os pesquisadores destacaram que esses casos são raros e não foram vistos antes nem depois do início deste estudo, pelo que sabem.

A Dra. Shahnaz disse: "Esse é um assunto sobre o qual queremos alertar mais a comunidade médica que o público em geral. Não queremos que o público leigo entre em pânico. Estamos tentando entender o que tornou essas duas gestações diferentes, para que possamos direcionar pesquisas para proteger os bebês vulneráveis".

Dados anteriores indicaram um estado relativamente benigno de bebês cujo resultado do teste de SARS-CoV-2 é negativo ao nascer. A Dra. Merline acrescentou que a vacinação anticovídica foi considerada segura na gestação, e tanto a vacinação como o aleitamento materno podem ajudar a transmitir anticorpos para o bebê, ajudando a protegê-lo. Como esses casos aconteceram nos primeiros dias da pandemia, ainda não havia vacinas disponíveis.

O Dr. Michael J. Paidas recebeu financiamento da empresa BioIncept para estudar a encefalopatia isquêmica por hipóxia com fator pré-implantação. Ele é membro do conselho consultivo científico da empresa e tem ações da companhia. O Dr. Michael J. Paidas e outro coautor do estudo, o Dr. Arumugam R. Jayakumar, são coinventores da SPIKENET pela University of Miami, com o pedido de patente aguardando aprovação em 2023. Os outros autores informaram não ter conflitos de interesses.

Este conteúdo foi originalmente publicado no MDedge.com ─ Medscape Professional Network

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Créditos: Imagem principal: Medscape illustration/Getty Images

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Citar este artigo: Dois casos inéditos: SARS-CoV-2 atravessa a placenta e infecta o cérebro do feto - Medscape - 17 de abril de 2023.