Música grudada na cabeça? O que isso diz sobre a saúde

Lisa Mulcahy

6 de abril de 2023

Se a Miley Cyrus plantou "Flowers" na sua cabeça, saiba que você não está sozinho. Quase todo mundo passa pela experiência de ficar com uma música “grudada na cabeça”. Geralmente, isso ocorre ao escutarmos repetidamente uma música com um ritmo e melodia fortes ─ como o maior sucesso de Miley Cyrus deste ano.

A música brota na sua mente e fica lá, do nada e, muitas vezes, contra a sua vontade. Ao buscar alguma novidade no Spotify, sempre há a chance de ser fisgado por uma melodia “chiclete”.

"Ritmo ou melodia ‘chiclete’ se refere à parte de uma música com a maior probabilidade de grudar na cabeça ─ muitas vezes um trecho do refrão", disse a Dra. Elizabeth H. Margulis, Ph.D., professora da Princeton University, nos Estados Unidos, onde é diretora do Music Cognition Lab

O fenômeno, que tem sido estudado desde 1885 (muito antes dos fones de ouvido), é chamado de síndrome da música presa, música pegajosa, repetição de imagens musicais, imagens musicais intrusivas ou, o termo semioficial, imagens musicais involuntárias.

Pesquisas confirmam o quanto o fenômeno é comum. Um estudo de 2020, feito com estudantes universitários estadunidenses, indica que 97% dos participantes ficaram com uma música grudada na cabeça no mês anterior, o que foi semelhante aos achados de uma pesquisa finlandesa maior feita há mais de 10 anos.

Uma em cada cinco pessoas havia ficado com uma música grudada na cabeça mais de uma vez por dia, segundo o estudo. A duração típica foi de 10 a 30 minutos, embora 8,5% tenham dito que o processo durou mais de três horas. Os níveis de "sofrimento e interferência" foram majoritariamente de "leves a moderados".

Cerca de 86% disseram que tentaram parar de pensar na música — geralmente por meio de distrações, por exemplo, conversando com um amigo ou ouvindo outra música.

Pesquisas anteriores constataram que, se a música for importante para você, o fenômeno tende a durar mais tempo e é mais difícil de controlar. E acredita-se que as mulheres sejam mais inclinadas a passar por isso.

"Pessoas muito musicais podem ficar com músicas grudadas da cabeça com mais frequencia, pois para elas é fácil evocar determinada linha melódica", disse o Dr. David Silbersweig, médico, diretor do departamento de psiquiatria e codiretor do Institute for the Neurosciences do Brigham and Women's Hospital nos Estados Unidos.

Quem carece de "flexibilidade psicológica” pode se incomodar mais com o fenômeno. E quanto mais tentam evitar ou controlar os pensamentos (ou canções) intrusivos, mais persistentes esses fenômenos se tornam.

"Isso vai ao encontro das pesquisas feitas com o transtorno obsessivo-compulsivo sobre o efeito paradoxal da supressão do pensamento", escreveram os autores do estudo em 2020. Na verdade, as pessoas que referem vivenciar muito estresse ou irritação causada pelas músicas grudadas na cabeça são mais propensas a ter sinais e sintomas obsessivos-compulsivos.

As músicas chiclete também foram associadas a outras doenças clínicas, e até mesmo as inofensivas podem ser intrusivas e demoradas. Isso faz com que valha a pena olhar mais de perto.

Em busca ‘do grude’ das músicas chiclete

Os cientistas rastrearam “o grude” das músicas chiclete até o córtex auditivo no lobo temporal, que controla como você percebe a música, bem como as áreas profundas do lobo temporal que são responsáveis pela recuperação de memórias. A amígdala e o corpo estriado ventral, partes do cérebro que participam da emoção, também se relacionam com o fenômeno.

Experimentos usando a ressonância magnética identificaram que "a imagem musical involuntária é uma experiência interna comum, que recruta redes cerebrais que participam da percepção, das emoções, da memória e dos pensamentos espontâneos", segundo um artigo publicado no periódico Consciousness and Cognition em 2015.

Essas redes cerebrais funcionam em conjunto se você conectar uma música a uma memória emocional — é quando é mais provável que uma música não saia da sua cabeça. O "circuito fechado" da música grudada na cabeça costuma ser um trecho de 20 segundos.

Pense nisso como um "prurido cognitivo", como disseram pesquisadores da Holanda. O grude pode ser acionado pela associação da melodia a uma situação ou emoção específica. Tentar suprimir só faz lembrar que ela está lá, "coçando" o prurido e piorando o quadro. "Quanto mais se tenta suprimir as melodias, mais elas adquirem momentum, processo mental conhecido como teoria do processo irônico", escreveram os pesquisadores. 

"Também vale a pena ressaltar que o fenômeno nem sempre ocorre assim que a música acaba", disse o Dr. Michael K. Scullin, Ph.D., professor associado de psicologia e neurociência na Baylor University nos EUA. "Às vezes, só ocorre horas mais tarde, e às vezes a música que gruda na cabeça não é a última música que você ouviu".

Esses processos não foram inteiramente elucidados, disse o professor, "mas provavelmente representam mecanismos de consolidação da memória; isto é, o cérebro tentando reativar e estabilizar as lembranças musicais". Como se fosse trocar de "estação de rádio" na sua cabeça.

Quando se preocupar

As músicas que grudam na cabeça são, na maioria das vezes, inofensivas. "Fazem parte de um cérebro saudável", disse o Dr. David. Mas em casos raros, indicam algumas doenças. Pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo, por exemplo, demonstraram ter o fenômeno nos momentos de estresse. Se este for o caso, a terapia comportamental cognitiva, bem como alguns antidepressivos podem ajudar.

Se estiver ligada a outros sinais e sintomas, a ocorrência de músicas grudadas na cabeça deve ser levada a sério, disse a médica Dra. Elaine Jones, neurologista em Hilton Head e membro da American Academy of Neurology. "Perda de consciência ou confusão, perda da visão ou alterações visuais, interrupção da fala, tremores nos membros superiores ou inferiores" são alguns desses sinais e sintomas, disse a neurologista.

"O mais preocupante seria a convulsão, mas outras causas podem ser a aura da migrânea. Em uma pessoa mais jovem, com menos de 20 anos de idade, esse tipo de fenômeno pode indicar uma doença psiquiátrica, como esquizofrenia". Efeitos tóxicos farmacológicos ou de drogas ou a lesão cerebral também podem abrir o quadro com músicas que não saem da cabeça.

Seu critério: "se o grude persistir por mais de 24 horas ou se estiver associado a outros sinais ou sintomas mencionados acima, é importante entrar em contato com o médico do atendimento primário para verificar se algo mais grave está acontecendo", disse Dra. Elaine. Sem outros sinais ou sintomas "é mais provável que seja apenas uma música que não sai da cabeça".

Pesquisas japonesas também indicaram que quando o fenômeno perdura por várias horas pode estar ligado à depressão. Se alguém apresenta sinais e sintomas como humor embotado, insônia e perda do apetite associados a músicas grudadas na cabeça por várias horas por dia, o tratamento pode ajudar. 

Há outra categoria chamada de "alucinações musicais", quando a pessoa acredita que está realmente escutando a música, o que pode ser um sintoma de depressão, embora os cientistas não saibam com certeza. A vortioxetina, medicamento que pode ajudar a aumentar a serotonina no cérebro, mostrou algum efeito na redução do fenômeno. 

Algumas pesquisas revelam que as doenças que comprometem a via auditiva no cérebro têm ligação com as alucinações musicais. 

Como parar uma simples música que não sai da cabeça

Há seis maneiras fáceis de fazê-las parar:

  • Tenha playlists variadas. "Ouvir músicas repetidamente aumenta a probabilidade de ficarem presas na sua mente", disse a Dra. Elizabeth. 

  • Faça pausas de silêncio durante o dia. "Ouvir música durante mais tempo aumenta a probabilidade de ter músicas que não saem da cabeça”, disse o Dr. Michael.

  • Use os pés. Caminhe em um ritmo mais lento ou mais rápido do que o ritmo da música grudada na sua cabeça. Isso vai interromper sua memória do ritmo e pode ajudar a afastar a música.

  • Fique com a música. "Ouça a canção até o fim", disse o Dr. David. Se você ouvir apenas trechos de uma música, o efeito Zeigarnik pode prevalecer. Isso é a tendência do cérebro de lembrar coisas que são interrompidas com mais facilidade do que as concluídas.

  • Distraia-se. Mergulhe em um livro, um filme, no trabalho ou em alguma atividade de lazer que exija concentração. "Redirecionar a atenção para uma tarefa absorvente pode ser uma maneira eficaz de desalojar uma música que não sai da cabeça", disse a Dra. Elizabeth. 

  • Masque chicletes. Pesquisas mostram isso interfere nas memórias repetitivas e impede que sua mente "escaneie" uma música. Então aproveite o som do silêncio! 

 

Fontes:

  • Elizabeth H. Margulis, professor, Princeton University, and director of the university's Music Cognition Lab.

  • David Silbersweig, MD, chairman, Department of Psychiatry, and co-director, Institute for the Neurosciences, Brigham and Women's Hospital, Boston.

  • Michael K. Scullin, PhD, associate professor of psychology and neuroscience, Baylor University, Waco, TX.

  • Elaine Jones, MD, neurologist, Hilton Head, SC; fellow, American Academy of Neurology 

  • Bulletin of the Menninger Clinic: "Stuck in my head: Musical obsessions and experiential avoidance." 

  • Consciousness and Cognition: "Tunes stuck in your brain: The frequency and affective evaluation of involuntary musical imagery correlate with cortical structure," "Musical hallucinations, musical imagery, and earworms: a new phenomenological survey."

  • PLOS ONE: "Sticky Tunes: How Do People React to Involuntary Musical Imagery?" 

  • Psychology of Music: "Musical activities predispose to involuntary musical imagery." 

  • British Journal of General Practice: "Stuck song syndrome: musical obsessions – when to look for OCD."

  • New Music Express: "Scientists name the ultimate earworm and explain what makes songs addictive."

  • Harvard Gazette: "Why That Song is Stuck in Your Head."

  • Music Perception: "Singing in the Brain: Investigating the Cognitive Basis of Earworms."

  • Annals of General Psychiatry: "Major depression with musical obsession treated with vortioxetine: a case report."

  • Brain: "Minds on replay: musical hallucinations and their relationship to neurological disease."

  • Quarterly Journal of Experimental Psychology: "Want to block earworms from conscious awareness? B(u)y gum!" 

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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