'Doutor, o que eu tenho?': Como dizer que você não tem certeza do diagnóstico

Marcus A. Banks

23 de março de 2023

Os médicos muitas vezes têm dificuldade em abrir para os seus pacientes que não têm certeza em relação a um diagnóstico. Na ausência de uma hipótese bem-definida, eles temem perder a confiança do paciente ao demonstrar incerteza. A incerteza diagnóstica é, no entanto, uma parte inevitável da prática clínica.

"Muitas vezes não se sabe o que está, de fato, acontecendo. Os pacientes [frequentemente] têm muitos sintomas inespecíficos", disse o Dr. Gordon D. Schiff, médico e pesquisador de segurança do paciente na Harvard Medical School e no Brigham and Women's Hospital, ambos nos Estados Unidos.

Segundo uma estimativa, mais de um terço dos pacientes recebe alta do pronto-socorro sem um diagnóstico definido. Os médicos podem até solicitar mais exames complementares para tentar diminuir essa incerteza, mas esse tipo de abordagem não é infalível e pode levar ao aumento dos gastos em saúde. Sendo assim, os médicos podem usar um diagnóstico incerto como uma oportunidade para melhorar o diálogo com os pacientes, disse o Dr. Gordon.

"Como conversar com os pacientes sobre isso? Como transmitir essa informação?", questionou.

Para começar a responder a essas perguntas, o Dr. Gordon e seus colaboradores desenvolveram quatro cenários clínicos com diagnósticos incertos e perguntaram a médicos da atenção primária como eles informariam essa ausência de definição aos pacientes. Os cenários utilizados foram os seguintes: no primeiro, o paciente tinha uma linfonodomegalia e história de linfoma em remissão, o que poderia sugerir uma recidiva da doença; no segundo, uma pessoa apresentava cefaleia inédita; no terceiro, o indivíduo tinha febre de origem indeterminada; e no quarto, o paciente havia contraído uma infecção do trato respiratório.

Em cada cenário, os pesquisadores também perguntaram a representantes que atuam na defesa dos direitos do paciente — tendo muitos deles já passado pela experiência de receber um diagnóstico incorreto — qual a sua opinião sobre como a conversa deveria ser conduzida.

Quase 70 pessoas foram entrevistadas (24 médicos da atenção primária, 40 pacientes e cinco especialistas em informática, qualidade e segurança). O Dr. Gordon e sua equipe definiram seis elementos padronizados que deveriam fazer parte do diálogo sempre que um diagnóstico não fosse claro:

  • Informar o diagnóstico mais provável e outros diagnósticos diferenciais, utilizando frases como "às vezes não temos [todas] as respostas, mas continuaremos tentando descobrir o que está acontecendo";

  • Delinear quais são os próximos passos (exames laboratoriais, consultas de retorno etc.);

  • Informar ao paciente qual o prazo esperado para a sua melhora e recuperação;

  • Informar todas as limitações do exame físico e dos exames laboratoriais;

  • Informar ao paciente como ele pode entrar em contato com o profissional a partir daquele momento;

  • Acolher a percepção do paciente sobre a sua experiência e a sua reação ao que foi dito.

Os pesquisadores, que publicaram os achados recentemente no periódico JAMA Network Open, recomendaram que a conversa fosse transcrita em tempo real usando um software de reconhecimento de voz e um microfone. Em seguida, esse texto deveria ser impresso e entregue ao paciente para que ele pudesse levá-lo para casa. Eles também sugeriram que o médico fizesse contato visual com o paciente durante a consulta.

"Os pacientes sentiram que foi [de fato] um diálogo e realmente entenderam o que foi dito. Em sua maioria, eles se sentiram como parceiros [do médico] durante a conversa", disse a Dra. Maram Khazen, Ph.D., coautora do artigo e pesquisadora de dinâmicas da comunicação. A Dra. Maram foi orientada pelo Dr. Gordon em seu pós-doutorado e atualmente é professora na Universidade Max Stern em Israel.

Um ótimo começo

O médico Dr. Hardeep Singh, mestre em saúde pública e pesquisador de segurança do paciente no Michael E. DeBakey Veterans Affairs Medical Center e no Baylor College of Medicine, ambos nos EUA, que não participou da pesquisa, considerou o novo estudo "um ótimo começo", mas disse que a complexidade do assunto exige mais análises sobre o método usado.

O Dr. Hardeep apontou que muitas das queixas dos pacientes vieram à tona por meio de representantes de grupos de defesa de pacientes, e que esses indivíduos não necessariamente representam pessoas reais com diagnósticos incertos.

“A escolha das palavras é muito importante”, disse o Dr. Hardeep, que liderou um estudo em 2018 que mostrou que os pacientes reagem mais negativamente quando os médicos já admitem logo de cara que o diagnóstico é incerto do que quando orientam os pacientes sobre possíveis diagnósticos diferenciais. O modelo desenvolvido pelo Dr. Gordon e pela Dra. Maram oferece bons princípios para discutir essa incerteza, acrescentou ele, mas são necessárias mais pesquisas para saber qual a linguagem ideal a ser usada durante o diálogo entre médico e paciente.

"É muito animador que estejamos vendo pesquisas de alto nível como essa, que potencializam os princípios da participação do paciente", disse o Dr. Dimitrios Papanagnou, mestre em saúde pública, médico emergencista e vice-reitor de medicina na Thomas Jefferson University, nos EUA. 

O Dr. Dimitrios, que também não participou do estudo, recomendou que pacientes dos mais variados grupos participem das conversas sobre incerteza diagnóstica. 

"Temos pacientes com experiências diversas, de grupos sub-representados, participando desse tipo de pesquisa?", perguntou ele. O Dr. Gordon e a Dra. Maram concordaram que a ferramenta precisa ser testada em amostras maiores, com maior diversidade de pacientes.

Discussões sobre como comunicar a incerteza diagnóstica estão surgindo em várias áreas da medicina. O Dr. Dimitrios ajudou a desenvolver uma lista de verificação de comunicação de incertezas para o momento da alta de pacientes internados no pronto-socorro, com princípios semelhantes aos que o Dr. Gordon e a Dra. Maram recomendaram aos médicos da atenção primária.

JAMA Network Open. Publicado on-line em 9 de março de 2023. Texto completo 2023;6(3):e232218. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.2218.

O estudo foi financiado pela seguradora de responsabilidade profissional dos hospitais de Harvard, a Controlled Risk Insurance Company (CRICO). Os autores do estudo informaram não ter conflitos de interesses relevantes.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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