Os médicos muitas vezes têm dificuldade em abrir para os seus pacientes que não têm certeza em relação a um diagnóstico. Na ausência de uma hipótese bem-definida, eles temem perder a confiança do paciente ao demonstrar incerteza. A incerteza diagnóstica é, no entanto, uma parte inevitável da prática clínica.
"Muitas vezes não se sabe o que está, de fato, acontecendo. Os pacientes [frequentemente] têm muitos sintomas inespecíficos", disse o Dr. Gordon D. Schiff, médico e pesquisador de segurança do paciente na Harvard Medical School e no Brigham and Women's Hospital, ambos nos Estados Unidos.
Segundo uma estimativa, mais de um terço dos pacientes recebe alta do pronto-socorro sem um diagnóstico definido. Os médicos podem até solicitar mais exames complementares para tentar diminuir essa incerteza, mas esse tipo de abordagem não é infalível e pode levar ao aumento dos gastos em saúde. Sendo assim, os médicos podem usar um diagnóstico incerto como uma oportunidade para melhorar o diálogo com os pacientes, disse o Dr. Gordon.
"Como conversar com os pacientes sobre isso? Como transmitir essa informação?", questionou.
Para começar a responder a essas perguntas, o Dr. Gordon e seus colaboradores desenvolveram quatro cenários clínicos com diagnósticos incertos e perguntaram a médicos da atenção primária como eles informariam essa ausência de definição aos pacientes. Os cenários utilizados foram os seguintes: no primeiro, o paciente tinha uma linfonodomegalia e história de linfoma em remissão, o que poderia sugerir uma recidiva da doença; no segundo, uma pessoa apresentava cefaleia inédita; no terceiro, o indivíduo tinha febre de origem indeterminada; e no quarto, o paciente havia contraído uma infecção do trato respiratório.
Em cada cenário, os pesquisadores também perguntaram a representantes que atuam na defesa dos direitos do paciente — tendo muitos deles já passado pela experiência de receber um diagnóstico incorreto — qual a sua opinião sobre como a conversa deveria ser conduzida.
Quase 70 pessoas foram entrevistadas (24 médicos da atenção primária, 40 pacientes e cinco especialistas em informática, qualidade e segurança). O Dr. Gordon e sua equipe definiram seis elementos padronizados que deveriam fazer parte do diálogo sempre que um diagnóstico não fosse claro:
Informar o diagnóstico mais provável e outros diagnósticos diferenciais, utilizando frases como "às vezes não temos [todas] as respostas, mas continuaremos tentando descobrir o que está acontecendo";
Delinear quais são os próximos passos (exames laboratoriais, consultas de retorno etc.);
Informar ao paciente qual o prazo esperado para a sua melhora e recuperação;
Informar todas as limitações do exame físico e dos exames laboratoriais;
Informar ao paciente como ele pode entrar em contato com o profissional a partir daquele momento;
Acolher a percepção do paciente sobre a sua experiência e a sua reação ao que foi dito.
Os pesquisadores, que publicaram os achados recentemente no periódico JAMA Network Open, recomendaram que a conversa fosse transcrita em tempo real usando um software de reconhecimento de voz e um microfone. Em seguida, esse texto deveria ser impresso e entregue ao paciente para que ele pudesse levá-lo para casa. Eles também sugeriram que o médico fizesse contato visual com o paciente durante a consulta.
"Os pacientes sentiram que foi [de fato] um diálogo e realmente entenderam o que foi dito. Em sua maioria, eles se sentiram como parceiros [do médico] durante a conversa", disse a Dra. Maram Khazen, Ph.D., coautora do artigo e pesquisadora de dinâmicas da comunicação. A Dra. Maram foi orientada pelo Dr. Gordon em seu pós-doutorado e atualmente é professora na Universidade Max Stern em Israel.
Um ótimo começo
O médico Dr. Hardeep Singh, mestre em saúde pública e pesquisador de segurança do paciente no Michael E. DeBakey Veterans Affairs Medical Center e no Baylor College of Medicine, ambos nos EUA, que não participou da pesquisa, considerou o novo estudo "um ótimo começo", mas disse que a complexidade do assunto exige mais análises sobre o método usado.
O Dr. Hardeep apontou que muitas das queixas dos pacientes vieram à tona por meio de representantes de grupos de defesa de pacientes, e que esses indivíduos não necessariamente representam pessoas reais com diagnósticos incertos.
“A escolha das palavras é muito importante”, disse o Dr. Hardeep, que liderou um estudo em 2018 que mostrou que os pacientes reagem mais negativamente quando os médicos já admitem logo de cara que o diagnóstico é incerto do que quando orientam os pacientes sobre possíveis diagnósticos diferenciais. O modelo desenvolvido pelo Dr. Gordon e pela Dra. Maram oferece bons princípios para discutir essa incerteza, acrescentou ele, mas são necessárias mais pesquisas para saber qual a linguagem ideal a ser usada durante o diálogo entre médico e paciente.
"É muito animador que estejamos vendo pesquisas de alto nível como essa, que potencializam os princípios da participação do paciente", disse o Dr. Dimitrios Papanagnou, mestre em saúde pública, médico emergencista e vice-reitor de medicina na Thomas Jefferson University, nos EUA.
O Dr. Dimitrios, que também não participou do estudo, recomendou que pacientes dos mais variados grupos participem das conversas sobre incerteza diagnóstica.
"Temos pacientes com experiências diversas, de grupos sub-representados, participando desse tipo de pesquisa?", perguntou ele. O Dr. Gordon e a Dra. Maram concordaram que a ferramenta precisa ser testada em amostras maiores, com maior diversidade de pacientes.
Discussões sobre como comunicar a incerteza diagnóstica estão surgindo em várias áreas da medicina. O Dr. Dimitrios ajudou a desenvolver uma lista de verificação de comunicação de incertezas para o momento da alta de pacientes internados no pronto-socorro, com princípios semelhantes aos que o Dr. Gordon e a Dra. Maram recomendaram aos médicos da atenção primária.
JAMA Network Open. Publicado on-line em 9 de março de 2023. Texto completo 2023;6(3):e232218. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.2218.
O estudo foi financiado pela seguradora de responsabilidade profissional dos hospitais de Harvard, a Controlled Risk Insurance Company (CRICO). Os autores do estudo informaram não ter conflitos de interesses relevantes.
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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Citar este artigo: 'Doutor, o que eu tenho?': Como dizer que você não tem certeza do diagnóstico - Medscape - 23 de março de 2023.
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