Filmes, outdoors, capas de revistas… Há décadas a mídia vem promovendo ideais de beleza inalcançáveis, mas a recente difusão do uso das mídias sociais aumentou essa exposição a níveis inéditos, principalmente entre os jovens.
"Os jovens passam, em média, entre seis e oito horas por dia em frente às telas, sendo que boa parte [desse tempo é gasto] nas mídias sociais", disse o autor sênior de um novo estudo, Dr. Gary S. Goldfield, Ph.D., cientista sênior do Children's Hospital of Eastern Ontario Research Institute no Canadá. "As mídias sociais exibem inúmeras fotos editadas (como as que são postadas por modelos, celebridades e instrutores físicos), perpetuando um padrão de beleza inatingível, que é internalizado por adolescentes e jovens adultos suscetíveis, levando à insatisfação corporal."
Muitas pesquisas já demonstraram uma associação entre o uso frequente de mídias sociais e o surgimento de transtorno dismórfico corporal e até mesmo de transtornos alimentares. No entanto, ainda existem lacunas fundamentais na nossa compreensão sobre esse tema, disse o Dr. Gary.
Boa parte dessas pesquisas é feita "por correlação", acrescentou ele. Os estudos nem sempre se concentram nos indivíduos mais vulneráveis aos efeitos nocivos das mídias sociais, como as pessoas com pensamentos ruminativos, o que pode afetar os resultados.
Além disso, nenhum trabalho explorou uma questão óbvia: reduzir o uso de mídias sociais pode diminuir os possíveis danos?
Segundo Dr. Gary e sua equipe, a resposta é sim.
Limitar o uso de mídias sociais a uma hora por dia ajudou adolescentes mais velhos e jovens adultos a se sentirem muito melhores em relação ao próprio peso e à própria aparência depois de apenas três semanas, segundo o estudo publicado no periódico Psychology of Popular Media da American Psychological Association.
“O desenho controlado e randomizado nos permitiu demonstrar uma relação causal mais forte entre o uso de mídias sociais e a autoimagem corporal na juventude, em comparação com pesquisas anteriores”, disse o Dr. Gary. "Até onde sabemos, este é o primeiro estudo a mostrar que a redução do uso de mídias sociais leva à melhora da autoimagem corporal."
Comentando sobre o estudo — do qual não participou —, a Dra. Nancy Lee Zucker, Ph.D., professora de psicologia e neurociência na Duke University e diretora no Duke Center for Eating Disorders, ambos nos Estados Unidos, disse que os resultados fornecem dados essenciais que podem ajudar a orientar jovens e pais sobre o uso ideal de mídias sociais.
Detalhando a pesquisa
Para o estudo, o Dr. Gary e sua equipe recrutaram estudantes de graduação em psicologia com idade entre 17 e 25 anos que usavam mídias sociais em seus smartphones por pelo menos duas horas ao dia, em média, e que apresentavam sintomas dos transtornos depressivo ou de ansiedade.
Os participantes não foram informados sobre o objetivo do estudo e o uso de mídias sociais foi monitorado por um programa de rastreamento de tempo de uso de tela. No início e no final do estudo, os participantes atribuíram pontuações de 1 (nunca) a 5 (sempre) a afirmativas como "estou bastante feliz com a minha aparência" e "estou satisfeito com o meu peso", seguindo a escala Likert.
Durante a primeira semana, todos os 220 participantes (76% mulheres, 23% homens e 1% outros) foram orientados a usar as mídias sociais da maneira como costumavam fazer no dia a dia. Depois disso, nas três semanas seguintes, 117 estudantes foram orientados a limitar o uso de mídias sociais a apenas uma hora por dia, enquanto os demais foram orientados a manter o uso habitual. Em ambos os grupos, mais de 70% dos participantes tinham entre 17 e 19 anos.
O primeiro grupo reduziu o uso de mídias sociais em cerca de 50%, passando de uma média de cerca de 168 minutos/dia durante a primeira semana para cerca de 78 minutos/dia no final da quarta semana. Nesse mesmo período, o grupo sem restrições passou de cerca de 181 minutos/dia para 189 minutos/dia em média.
Redução do uso de mídias sociais gerou melhoras rápidas e significativas
Os estudantes que restringiram o uso de mídias sociais apresentaram melhoras significativas em sua "autoestima de aparência" (de 2,95 para 3,15 pontos; p < 0,001) e em sua "autoestima de peso" (de 3,16 para 3,32 pontos; p < 0,001). Já os estudantes que usaram as mídias sociais livremente não apresentaram essas mesmas mudanças (de 2,72 para 2,76 pontos; p = 0,992 e de 3,01 para 3,02 pontos; p = 0,654, respectivamente). Não foram encontradas diferenças ligadas ao gênero entre os grupos.
Atualmente, os pesquisadores estão analisando possíveis razões para esses achados.
As mudanças nos escores de aparência "mostram um efeito de tamanho pequeno a moderado", disse a psicóloga pediátrica Dra. Sara R. Gould, Ph.D., diretora no Centro de Distúrbios Alimentares do Children's Mercy Kansas City nos EUA, que também não participou da pesquisa. "Sendo assim, esses resultados são clinicamente significativos, especialmente porque foram alcançados em apenas três semanas. Até mesmo pequenos impactos podem ser combinados com outras mudanças para criar efeitos [ainda] maiores ou podem ser ampliados com o passar do tempo."
Restringindo o uso de mídias sociais
À medida que mais e mais especialistas analisam o impacto das mídias sociais sobre a saúde mental dos jovens, as empresas responsáveis por essas plataformas respondem com recursos desenvolvidos para limitar o tempo de uso por esse público.
Recentemente o Instagram lançou o "modo silencioso", que permite que os usuários desativem as notificações de mensagens durante um período específico. Para ativar o modo silencioso, o usuário deve ir até a sua página de perfil, selecionar o ícone de três linhas, clicar no item "configurações", escolher a opção "notificações" e, por último, selecionar o "modo silencioso". Outra opção seria selecionar o ícone de três linhas, escolher a opção "sua atividade" e, em seguida, selecionar o item "tempo gasto", para definir lembretes para que o aplicativo faça "pausas" após 10, 20 ou 30 minutos de uso.
Os usuários do TikTok com menos de 18 anos em breve terão um limite diário padrão de uma hora de uso, segundo um anúncio publicado pela empresa responsável pela plataforma. Ao contrário de outros recursos semelhantes, esse limite já estará automaticamente ativo, podendo ser desativado pelos usuários.
Melhorar os controles incorporados aos aplicativos é "um bom começo para sermos mais concretos com relação ao [limite de] tempo [de uso] de tela", sugeriu a primeira autora do estudo, Helen Thai, doutoranda em psicologia clínica na McGill University no Canadá. "Infelizmente, os usuários podem facilmente ignorar essas configurações."
Um dos motivos para a atração quase magnética exercida pelas mídias sociais é o "medo de estar por fora do que os outros estão fazendo (FOMO, sigla do inglês fear of missing out), que pode dificultar a redução do uso de mídias sociais", disse a Dra. Nancy. Para ajudar a prevenir o FOMO, os pais de jovens devem considerar ter uma conversa com os pais dos amigos dos seus filhos sobre a redução do uso dessas plataformas para todos os jovens daquele grupo, sugeriu a Dra. Nancy.
A Dra. Mary E. Romano, médica, mestre em saúde pública e professora associada de pediatria e hebiatria na Vanderbilt University nos EUA, pediu aos pais que "tenham regras e expectativas muito claras sobre o uso de mídias sociais".
A Dra. Mary, que também não participou do estudo, recomendou o site Wait Until 8th para ajudar pais a se comprometerem a adiar o acesso a smartphones até pelo menos a oitava série nos EUA — equivalente ao nono ano do ensino fundamental brasileiro.
A Dra. Sara recomendou o Family Media Plan, uma ferramenta da American Academy of Pediatrics que permite aos seus usuários criar um plano personalizado e completo com orientações adequadas à idade de cada pessoa e aos objetivos da família. Ela também deu duas dicas simples: separar uma cesta exclusivamente para guardar os dispositivos eletrônicos durante as refeições e usar audiolivros ou músicas relaxantes em vez de vídeos na hora de dormir.
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape
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Citar este artigo: Restringir o uso de mídias sociais a 1 hora/dia melhora a autoimagem de jovens - Medscape - 23 de março de 2023.
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