Você está diagnosticando a síndrome do cólon irritável corretamente?

Nick Tate

21 de março de 2023

Por mais de uma década, Josh (39 anos) lutou contra uma doença que, segundo os seus médicos, seria a síndrome do cólon irritável. Mas, curiosamente, suas crises eram causadas por alguns alimentos que não cosutmam ser gatilhos nessa síndrome. Amendoim e marisco provocavam dor abdominal “em pontada” e Josh (nome fictício) ficava tonto só de sentir o cheiro desses alimentos. Ele também tinha constipação grave, que durava até uma semana, além de eliminação de muco pelo reto.

O paciente então buscou atendimento com uma gastroenterologista de Nova York, a médica Dra. Yevgenia Pashinsky. A médica fez uma avaliação nutricional abrangente e solicitou testes de alergia. Os resultados: Josh tinha uma doença pouco conhecida, chamada síndrome da alergia sistêmica ao níquel, que pode mimetizar alguns sintomas da síndrome do cólon irritável.

A Dra. Yevgenia, parceira dos New York Gastroenterology Associates e professora assistente de medicina na Mount Sinai School of Medicine, apresentou o caso de Josh como parte de um seminário sobre o mimetismo entre a síndrome de alergia sistêmica ao níquel e a síndrome do cólon irritável na Food and Nutrition Conference and Expo nos Estados Unidos em outubro de 2022, sob os auspícios da Academy of Nutrition and Dietetic.

A médica e duas nutricionistas da sua clínica, Suzie Finkel e Tamara Duker Freuman, disseram aos participantes do seminário que a síndrome da alergia sistêmica ao níquel raramente é diagnosticada e pode ser confundida com a síndrome do cólon irritável. Elas observaram que esta síndrome provavelmente acometa mais pessoas do que os médicos suspeitam.

"A alergia sistêmica ao níquel ocorre em pelo menos 10% da população dos EUA (sendo muito maior em alguns subgrupos)", disse a Dra. Yevgenia ao Medscape. "Mas sua conexão com sinais e sintomas gastrointestinais e distúrbios digestivos funcionais ainda está sendo estudada.”

"Penso na alergia ao níquel e em outras alergias quando, além dos sinais e sintomas digestivos, o paciente refere acometimento da pele e das mucosas, concomitante às suas reações abdominais", disse a especialista.

Para pacientes como Josh com síndrome da alergia sistêmica ao níquel, o diagnóstico e o tratamento deste quadro são surpreendentemente simples e eficazes.

"Josh tinha esses sinais e sintomas realmente pouco comuns e gatilhos alimentares que não são tradicionais da síndrome do cólon irritável", disse Suzie para o Medscape. "Então, essa é uma situação em que, como nutricionistas, dizemos, 'Ei, isso é estranho; se você tem síndrome do cólon irritável, então amendoim e camarão não deveriam causar nenhum problema'. Mas isso pode ser algo com o que os médicos podem não estar sintonizados, porque não faz parte de sua formação."

Suzie disse que Josh foi encaminhado para um alergista. Seu teste de sensibilização cutânea ao níquel foi positivo, e ele começou uma dieta com baixo teor de níquel, o que melhorou seus sintomas.

"Então, esse foi o final feliz", acrescentou.

A conclusão?

"Os médicos que tratam de pacientes com síndrome do cólon irritável que não respondem ao tratamento precisam considerar a possibilidade de eles terem a síndrome da alergia sistêmica ao níquel e encaminhá-los para fazer testes de alergia", disse Suzie. "Se o resultado for positivo, simples modificações alimentares podem resolver o problema."

Um quadro pouco reconhecido

Tem havido muito pouca pesquisa sobre a síndrome da alergia sistêmica ao níquel em pacientes com síndrome do cólon irritável, e não há diretrizes para diagnosticá-la e tratá-la.

Além disso, muitos gastroenterologistas não estão familiarizados com a doença. Mais de uma dezena de gastroenterologistas contatados para comentar se recusaram a ser entrevistados por não saber sobre a síndrome da alergia sistêmica ao níquel — ou, pelo menos, não o suficiente para agregar informações úteis ao caso.

Suzie disse que não se surpreende com o fato de que vários gastroenterologistas não sabem muito sobre como a síndrome da alergia sistêmica ao níquel pode mimetizar a síndrome do cólon irritável, e é por isso que ela e suas colegas apresentaram o seminário em outubro passado nos EUA. "É realmente uma alergia e não uma doença gastrointestinal. O quadro se manifesta como sintomas gastrointestinais, mas a raiz não está no trato digestivo; a raiz está em um verdadeiro processo alérgico — alergia clínica — ao níquel."

Para complicar, as pessoas com síndrome do cólon irritável e as pessoas com síndrome da alergia sistêmica ao níquel geralmente compartilham alguns sinais e sintomas comuns.

Como a síndrome do cólon irritável, a síndrome da alergia sistêmica ao níquel pode causar sinais e sintomas digestivos — como cólicas, dor abdominal, azia, constipação, distensão gasosa e muco nas fezes. Pode ser deflagrada por determinados alimentos frescos, cozidos e enlatados.

Mas os gatilhos alimentares que causam a síndrome da alergia sistêmica ao níquel não costumam ser os que causam os sinais e sintomas da síndrome do cólon irritável. Em vez disso, as crises da síndrome sistêmica da alergia ao níquel são quase sempre causadas por alimentos com alto teor de níquel. Como exemplo temos damascos, alcachofras, aspargos, feijão, couve-flor, grão-de-bico, cacau/chocolate, figos, lentilhas, alcaçuz, aveia, cebola, ervilhas, amendoim, batatas, espinafre, tomate e chá.

Segundo a American Academy of Allergy Asthma and Immunology, uma característica diferencial da síndrome da alergia sistêmica ao níquel é poder causar dermatite de contato alérgica quando uma pessoa encosta em algo feito de níquel. Moedas, joias, óculos, acessórios para casa, chaves, zíperes, dispositivos odontológicos e até panelas de aço inoxidável podem conter níquel antigênico.

O que Suzie mais vê são as reações cutâneas ao tocar uma superfície que contém níquel ou por ingestão, disse a nutricionista.

Outro sintoma imediato é a dor abdominal ou a alteração do hábito intestinal, como a diarreia, acrescentou.

O médico Dr. Christopher Randolph, alergista nos EUA, disse ao Medscape que é importante para os médicos perceberem que os pacientes que têm uma reação cutânea ao níquel também podem ter sintomas inflamatórios gastrointestinais.

"Definitivamente precisamos de mais estudos controlados", disse o Dr. Christopher, preceptor de alergia e imunologia da Yale University. "Mas a principal mensagem aqui é que os pacientes, e certamente os profissionais de saúde, estejam cientes de que é possível ter reações sistêmicas ao níquel, mesmo que você só o relacione com a dermatite de contato".

Recomendações de diagnóstico e tratamento

O teste de contato — no qual a pele de uma pessoa é exposta ao níquel — pode determinar rapidamente se um paciente com síndrome do cólon irritável está de fato tendo reações inflamatórias ao níquel alimentar e se beneficiaria de uma dieta com baixo teor ou isenta de níquel, mostram as pesquisas.

Para esses pacientes, a Dra. Yevgenia recomenda:

  • Evitar alimentos com alto teor de níquel

  • Restringir o consumo de alimentos enlatados

  • Usar panelas que não sejam inoxidáveis, especialmente para os alimentos ácidos

  • Ferver os alimentos para a potencial redução do níquel, especialmente cereais e vegetais

  • Deixar a torneira aberta antes de usar água para beber ou cozinhar como  primeira coisa a fazer pela manhã

A Dra. Yevgenia e sua equipe também recomendaram as seguintes diretrizes para os médicos:

  • Perguntar aos pacientes se os sinais e sintomas ocorrem imediatamente após comer certos alimentos com alto teor de níquel ou pioram com uma dieta com restrição de todos os carboidratos fermentáveis

  • Determinar se o paciente não está respondendo às intervenções médicas e alimentares convencionais usadas para tratar a síndrome do cólon irritável

  • Fazer uma anamnese detalhada dos sinais e sintomas alimentares para identificar potenciais deflagradores de alergia ao níquel

  • Fazer uma prova terapêutica com uma alimentação contendo baixo teor de níquel para ver se os sinais e sintomas do paciente melhoram em uma ou duas semanas

  • Encaminhar o paciente para fazer o teste de contato ou outros tratamentos

Uma abordagem multidisciplinar

Suzie disse que é importante que os médicos, particularmente os gastroenterologistas que tratam os pacientes por suspeita de distúrbios gastrointestinais, considerem a alergia ao níquel como causa.

"A síndrome da alergia sistêmica ao níquel é essa doença negligenciada... e a pesquisa na verdade só está começando", disse Suzie.

"Eu diria para só considerar fazer uma dieta com baixo teor de níquel ou isenta de níquel se os alimentos com alto teor de níquel forem um possível gatilho", disse a nutricionista. "É muito específico, olhando para a sua história alimentar, ter uma hipótese clara com base em quais são os seus gatilhos. Não é algo para experimentar com leviandade porque é uma dieta muito restritiva, então eu nunca indicaria a um paciente uma dieta que eu não considerasse necessária."

Suzie acrescentou que o tratamento da síndrome da alergia sistêmica ao níquel requer uma abordagem multidisciplinar com um gastroenterologista, um alergista e um nutricionista.

Médicos e nutricionistas exercem papéis diferentes na identificação e no tratamento desses pacientes, disse Suzie.

"Se houver suspeita de sinais e sintomas da síndrome do cólon irritável e o paciente não estiver respondendo aos tratamentos de primeira linha, então vale a pena consultar um nutricionista e um alergista", disse a especialista.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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