COMENTÁRIO

Produtos químicos tóxicos que consumimos sem saber

Dr. Akash Goel

21 de março de 2023

Com a pandemia, a saúde ganhou ainda mais destaque, e isso revelou que a população dos Estados Unidos não só está doente como parece adoecer cada vez mais. A expectativa de vida está despencando. Três quartos da população está com sobrepeso ou obesidade, metade tem diabetes mellitus ou pré-diabetes e a maioria não tem um metabolismo saudável. Além disso, a prevalência de doenças alérgicas, inflamatórias e autoimunitárias está aumentando em uma velocidade de 3% a 9% ao ano no Ocidente ─ muito mais rápido do que as mudanças genéticas.

É claro que a alimentação e o estilo de vida são fatores importantes por trás dessas tendências, mas, apesar de extremamente subestimado, um deflagrador do problema que nos aflige é o papel das toxinas ambientais e dos produtos químicos que causam desequilíbrio endócrino. Nos últimos anos, esses fatores não receberam a devida atenção das instituições médicas tradicionais nos países ocidentais; no entanto, um número cada vez maior de evidências corrobora atualmente sua influência em termos de fertilidade, saúde metabólica e câncer.

Embora vários produtos químicos e toxinas industriais tenham sido identificados como cancerígenos, sendo regulamentados mais tarde, muitos outros permanecem no ambiente e continuam a ser usados livremente. Cabe, portanto, à população geral e aos médicos (em particular) conhecerem essas substâncias às quais estamos expostos. Aqui, analisamos algumas das mais comuns e os importantes riscos à saúde, junto com algumas orientações gerais sobre as melhores maneiras de minimizar a exposição a elas.

Microplásticos

"Microplástico" é um termo usado para descrever pequenos fragmentos ou partículas de degradação do plástico, ou ainda microesferas de produtos domésticos ou de higiene pessoal com < 5 mm de comprimento.

Os resíduos plásticos estão se acumulando em proporções alarmantes e devastadoras — estima-se que, em 2050, haverá mais plástico do que peixes nos oceanos. Isso se traduz em centenas de milhares de toneladas de microplásticos e trilhões dessas partículas nos mares. Um estudo recente de 22 participantes saudáveis demonstrou a existência de microplásticos na corrente sanguínea da maioria deles.

Desde a década de 1950, estudos de modelos animais mostraram que a exposição ao plástico promove a gênese tumoral, e estudos in vitro têm demonstrado os efeitos tóxicos dos microplásticos em nível celular. No entanto, não se sabe se o plástico em si é tóxico ou se simplesmente serve como um veículo para o acúmulo biológico de outras toxinas ambientais.

De acordo com Tasha Stoiber, cientista sênior no Environmental Working Group, "os microplásticos foram amplamente detectados em peixes e nos frutos do mar, bem como em outros produtos, como água engarrafada, cerveja, mel e água da torneira". O Environmental Working Group declarou que no momento não existem recomendações oficiais sobre o consumo de peixes para evitar a exposição aos microplásticos.

A pressão também está crescendo para a proibição do uso de microesferas nos produtos de higiene pessoal.

Até que essas proibições sejam postas em prática, é recomendável evitar plásticos descartáveis, dar preferência a sacolas de tecido reutilizáveis para compras de supermercado (em vez de sacolas de plástico) e optar por chá a granel ou em saquinhos de papel no lugar das alternativas em malha plástica.

Ftalatos

Os ftalatos são produtos químicos usados para tornar os plásticos macios e duráveis, bem como para a melhorar a adesão de fragrâncias. Costumam ser encontrados em itens domésticos, como vinil (usado, por exemplo, em pisos e cortinas de chuveiro) e fragrâncias, essências aromáticas e perfumes.

Os ftalatos são produtos químicos conhecidos por promover o desequilíbrio hormonal, e a exposição a eles tem sido associada a anomalias do desenvolvimento sexual e cerebral nas crianças, bem como a níveis mais baixos de testosterona nos homens. Acredita-se que a exposição a eles ocorra por inalação, ingestão e contato com a pele; no entanto, estudos de jejum demonstraram que a maior parte da exposição provavelmente está relacionada com os alimentos.

Para evitar a exposição aos ftalatos, recomenda-se evitar plásticos de cloreto de polivinila (especialmente recipientes para alimentos, filme plástico e brinquedos de criança), que são identificáveis pelo código de reciclagem número 3, bem como os aromatizadores de ambiente e os produtos perfumados.

O banco de dados Skin Deep do Environmental Working Group é um recurso importante para descobrir quais produtos de higiene pessoal vendidos nos EUA não contêm ftalatos.

Apesar da pressão por parte dos grupos de defesa do consumidor, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA ainda não proibiu os ftalatos nas embalagens de alimentos.

Bisfenol A

O bisfenol A é um aditivo químico usado para fazer plásticos de policarbonato claros e duros, bem como epóxi e papéis térmicos. Ele é um dos produtos químicos produzidos em maior volume — cerca de 2,7 milhões de toneladas por ano. É tradicionalmente encontrado em muitas garrafas de plástico transparente e em copos para crianças pequenas, bem como no revestimento de latas de alimentos.

Estruturalmente, o bisfenol A mimetiza o estrogênio e tem sido associado a doença cardiovascular, obesidade e disfunção sexual masculina. Desde 2012, foi banido dos copos para crianças pequenas e das mamadeiras, mas ainda se discute se seus substitutos (bisfenol S e bisfenol F) são mais seguros; aparentemente, eles têm efeitos hormonais semelhantes aos do bisfenol A.

Como no caso dos ftalatos, acredita-se que a maior parte da ingestão dessa substância esteja relacionada com os alimentos. O bisfenol A foi encontrado no organismo de mais de 90% dos indivíduos de uma população representativa em um estudo nos EUA.

A orientação é de evitar plásticos de policarbonato (identificados com o código de reciclagem número 7), bem como evitar o manuseio de papéis térmicos, como tickets e recibos, se possível. Alimentos e bebidas devem ser armazenados em recipientes de vidro ou de aço inoxidável. Se for necessário utilizar plástico, opte pelos sem policarbonato e policloreto de vinila, e alimentos e bebidas nunca devem ser reaquecidos em recipientes ou embalagens de plástico. Os alimentos enlatados idealmente devem ser evitados, particularmente o atum enlatado e as sopas prontas; mas, se forem comprados, o melhor é que sejam isentos de bisfenol A.

Dioxinas e bifenilas policloradas

As dioxinas são principalmente subprodutos de processos industriais; são liberadas após a incineração, a queima do lixo e os incêndios. As bifenilas policloradas, que são estruturalmente bastante similares às dioxinas, eram encontradas antigamente em produtos como retardadores de chama e líquidos de refrigeração. As dioxinas e as bifenilas policloradas frequentemente são agrupadas na mesma categoria sob o termo "poluentes orgânicos persistentes", porque se decompõem lentamente e permanecem no ambiente mesmo após as emissões terem sido reduzidas.

A tetraclorodibenzodioxina, talvez a dioxina mais conhecida, é sabidamente um carcinógeno. As dioxinas também foram associadas a uma série de implicações de saúde em termos de desenvolvimento, imunidade e sistemas reprodutivo e endócrino. A exposição a níveis mais altos de bifenila policlorada também foi associada ao aumento do risco de morte por doença cardiovascular.

É importante notar que as emissões de dioxina foram reduzidas em 90% desde a década de 1980, e a Environmental Protection Agency dos EUA proibiu o uso de bifenilas policloradas na fabricação industrial desde 1979. No entanto, as duas substâncias presentes no ambiente ainda entram na cadeia alimentar e se acumulam no tecido adiposo dos animais e dos seres humanos.

As melhores maneiras de evitar a exposição a ela são a restrição do consumo de carne, peixe e laticínios e a retirada da pele e da gordura das carnes. Os níveis de dioxinas e bifenilas policloradas encontradas na carne, nos ovos, no peixe e nos laticínios são aproximadamente de 5 a 10 vezes maiores do que nos alimentos vegetais. A pesquisa revelou que o salmão de criadouro é provavelmente a fonte de proteína mais contaminada com bifenila policlorada na alimentação dos EUA; no entanto, formas mais recentes de aquacultura terrestre e sustentável provavelmente evitam esta exposição.

Pesticidas

Ao longo do século passado, o crescimento da agricultura moderna nos Estados Unidos, seguindo o modelo de monoculturas, coincidiu com um aumento drástico do uso de pesticidas industriais. Na verdade, mais de 90% da população dos EUA tem pesticidas na urina e no sangue, independentemente de onde moram. Acredita-se que a exposição esteja relacionada com os alimentos ingeridos.

Aproximadamente 450 mil toneladas de pesticidas são usadas anualmente nos EUA, incluindo quase 136 mil toneladas de glifosato, que foi identificado como um provável carcinógeno pelos órgãos de controle europeus. A Environmental Protection Agency ainda não chegou a esta conclusão, embora o assunto esteja atualmente em em discussão.

Um grande estudo de coorte prospectivo europeu demonstrou risco mais baixo de câncer entre as pessoas que informaram consumir alimentos orgânicos com maior frequência. Além do risco de câncer, níveis séricos relativamente elevados de um pesticida conhecido como β-hexaclorocicloexano estão associados a maior número de mortes por todas as causas. Além disso, foi demonstrado que a exposição ao DDE — metabólito do DDT, um pesticida clorado amplamente usado nas décadas de 1940 e 1960 que ainda persiste no ambiente — aumentou o risco de doença de Alzheimer, bem como de declínio cognitivo em geral.

Como esses pesticidas clorados costumam ser lipossolúveis, parecem se acumular em produtos de origem animal. Portanto, as pessoas que mantêm uma alimentação vegetariana têm níveis mais baixos de β-hexaclorocicloexano. Com isso, recomenda-se que os consumidores prefiram alimentos orgânicos aos convencionais, se possível. Mais uma vez, o Environmental Working Group oferece um recurso importante aos consumidores dos EUA: os guias de compras indicando a presença de pesticidas nos produtos.

Substâncias per e polifluoroalquil

As substâncias per e polifluoroalquil são um grupo de compostos fluorados descobertos na década de 1930. Sua composição química contém uma ligação estável de carbono-fluoreto, dando-lhes tamanha persistência no ambiente que foram intituladas "produtos químicos eternos".

Substâncias per e polifluoroalquil foram detectadas no sangue de 98% dos estadunidenses e na água da chuva de locais tão remotos como o Tibete e a Antártida. Mesmo baixos níveis de exposição foram associados a aumento do risco de câncer, doença hepática, baixo peso ao nascer e desequilíbrio hormonal.

As propriedades dessas substâncias também as tornam repelentes de água e resistentes em temperaturas muito elevadas. Notoriamente, o produto químico foi usado pela empresa 3M para fazer um impermeabilizante para tapetes e tecidos e pela Dupont para produzir o teflon, revestimento antiaderente de panelas e frigideiras. Embora o uso de ácido perfluorooctanoico tenha sido banido da produção de panelas antiaderentes em 2013, as substâncias per e polifluoroalquil — uma família com milhares de compostos sintéticos — ainda são comuns nas embalagens de alimentos ultraprocessados, nas roupas impermeáveis e antimanchas, na espuma de combate a incêndios e nos produtos de higiene pessoal. Essas substâncias são liberadas no ambiente durante a decomposição destes produtos industriais e de consumo, bem como no despejo de resíduos.

Diante de grande preocupação, o Environmental Working Group alerta que até 200 milhões de estadunidenses podem estar sendo expostos a substâncias per e polifluoroalquil pela água potável. Em março de 2021, a Environmental Protection Agency anunciou que iria regulamentar a presença dessas substâncias na água potável; no entanto, o processo não foi concluído. Atualmente, cabe a cada estado fazer testes para identificá-las na água. O Environmental Working Group compilou dados em um mapa indicando todos os locais onde houve contaminação por substâncias per e polifluoroalquil.

Para evitar ou prevenir a exposição a substâncias per e polifluoroalquil, as recomendações são a filtragem de água da torneira por osmose reversa ou com filtros de carbono ativado, bem como evitar alimentos ultraprocessados ou embalados para viagem, se possível, e produtos rotulados como "resistente à água", "resistente a manchas" e "antiaderente".

Como indicação do quão prejudiciais esses produtos químicos são, a Environmental Protection Agency revisou recentemente seus alertas vitalícios de saúde para substâncias per e polifluoroalquil, como o ácido perfluorooctanoico, estabelecendo o limite máximo de resíduos dessas substâncias para 0,004 partes por trilhão, o que é mais de 10 mil vezes menor do que o limite anterior, de 70 partes por trilhão. A Environmental Protection Agency também propôs formalmente a designação de certos produtos químicos com substâncias per e polifluoroalquil como "substâncias perigosas".

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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