Excesso de estresse pode contribuir para declínio cognitivo em idosos

Kelli Whitlock Burton

17 de março de 2023

Novo estudo indica que o risco de comprometimento cognitivo é quase 40% maior para idosos com altos níveis de estresse, em comparação com idosos com baixos níveis de estresse.

Na análise, os participantes com níveis elevados de estresse também apresentaram maior incidência de diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e outros fatores de risco de doenças cardiovasculares. No entanto, mesmo após os ajustes para esses fatores de risco, o estresse continuou sendo um preditor independente de declínio cognitivo.

O estudo de coorte populacional, que foi conduzido nos Estados Unidos, mostrou que a associação entre o estresse e a cognição foi semelhante entre os indivíduos negros e os brancos. Além disso, os participantes com níveis controlados de estresse apresentaram menos risco de comprometimento cognitivo do que aqueles com níveis descontrolados de estresse ou estresse inédito.

Dr. Ambar Kulshreshtha

“Sabemos há algum tempo que níveis excessivos de estresse podem ser prejudiciais para o organismo humano e para o coração, mas agora temos mais evidências de que o excesso de estresse pode ser prejudicial para a cognição”, disse ao Medscape o médico e pesquisador Dr. Ambar Kulshreshtha, Ph.D., professor associado de medicina de família, medicina preventiva e epidemiologia na Emory University, nos EUA. "Conseguimos verificar que, independentemente da raça ou do gênero, o estresse é deletério."

Os achados foram publicados on-line em 7 de março no periódico JAMA Network Open.

Fator de risco independente? 

No estudo em questão, os pesquisadores analisaram dados do estudo Reasons for Geographic and Racial Differences in Stroke (REGARDS), uma coorte populacional de participantes negros e brancos com no mínimo 45 anos, selecionados a partir da população geral dos EUA.

Os participantes do estudo REGARDS responderam um questionário desenvolvido para avaliar os níveis de estresse no momento da entrada no estudo, entre 2003 e 2007, e cerca de 11 anos após o início do estudo.

Dos 24.448 participantes (41,6% negros) do estudo, 22,9% relataram níveis elevados de estresse.

Os participantes com altos níveis de estresse eram, em sua maioria, mais jovens, mulheres, negros, tabagistas e tinham um índice de massa corporal mais alto. A minoria desses indivíduos tinha ensino superior e era fisicamente ativa. Esses participantes também tinham uma renda familiar mais baixa e maior probabilidade de ter fatores de risco de doenças cardiovasculares, como hipertensão, diabetes e dislipidemia.

Os participantes com níveis elevados de estresse percebido apresentaram um aumento de 37% do risco de declínio cognitivo após o ajuste por variáveis sociodemográficas, fatores de risco cardiovascular e depressão (razão de chances ajustada [RCa] de 1,37; intervalo de confiança [IC] de 95% de 1,22 a 1,53).

Não houve diferenças significativas entre os participantes negros e brancos.

Efeitos deletérios 

Os pesquisadores também encontraram uma relação do tipo dose-resposta, sendo que a maior intensidade de declínio cognitivo foi identificada nos participantes que relataram altos níveis de estresse nos dois momentos de avaliação e naqueles que apresentaram um estresse inédito no período de acompanhamento (RCa de 1,16; IC 95% de 0,92 a 1,45), em comparação com os pacientes com estresse resolvido (RCa de 1,03; IC 95% de 0,81 a 1,32) ou sem estresse (RCa de 0,81; IC 95% de 0,68 a 0,97).

A cada aumento unitário de estresse percebido, foi observado um aumento de 4% do risco de comprometimento cognitivo após o ajuste por variáveis sociodemográficas, fatores de risco de doenças cardiovasculares, fatores de estilo de vida e sintomas depressivos (RCa de 1,04; IC 95% de 1,02 a 1,06).

Embora o estudo não tenha descoberto quais seriam os mecanismos por trás da associação entre o estresse e a piora da cognição, ele aponta o estresse como um fator de risco potencialmente modificável de declínio cognitivo, disse o Dr. Ambar.

"Um em cada três dos meus pacientes teve que lidar com níveis extras de estresse e ansiedade nos últimos anos", disse o Dr. Ambar. "Nós, como médicos, sabemos que o estresse pode ter efeitos prejudiciais sobre o coração e outros órgãos, e quando atendemos pacientes com esse tipo de queixa, especialmente pacientes idosos, devemos gastar um tempo perguntando a eles sobre esse estresse e como eles estão lidando com isso."

‘Rastreando’ o estresse

Comentando o estudo para o Medscape, o Dr. Gregory Day, neurologista na Mayo Clinic, nos EUA, disse que seus achados ajudam a preencher uma lacuna nas pesquisas sobre estresse e cognição.

"É uma associação potencialmente importante, que facilmente passa despercebida na prática clínica", disse o Dr. Gregory, que é membro da American Academy of Neurology e não participou do estudo. "Esse é o tipo de coisa que todos reconhecemos que causa impactos sobre a saúde, mas temos pouquíssimos estudos grandes e bem desenhados que fornecem os dados necessários para nos orientar na tomada de decisões clínicas."

Além do grande tamanho da amostra, a alta representatividade de diversas populações é um ponto forte do estudo e uma contribuição para as pesquisas sobre esse tema, disse o Dr. Gregory.

"Uma pergunta que os pesquisadores não fizeram de forma direta foi: Será que essa associação talvez se deva a algumas diferenças relacionadas ao estresse [em si]? A resposta do estudo é que provavelmente não, pois, aparentemente, quando realizamos ajustes para todas essas variáveis, não vemos grandes diferenças nos fatores de risco entre as raças”, acrescentou.

Os achados também destacaram a necessidade de os médicos, especialmente na atenção primária, realizarem um "rastreamento do estresse" nas consultas de rotina.

“Cada consulta é uma oportunidade para rastrear fatores de risco que irão determinar a saúde cerebral dos pacientes no futuro”, disse o Dr. Gregory. “Além do rastreamento de todos esses outros fatores de risco de alterações cerebrais, talvez valha a pena incluir uma avaliação mais global do estresse em um rastreamento padrão.”

O estudo foi financiado pelo National Institute of Neurological Disorders and Stroke, pelos National Institutes of Health e pelo National Institute on Aging. O Dr. Ambar Kulshreshtha e o Dr. Gregory Day informaram não ter conflitos de interesses relevantes. 

JAMA Netw Open. Publicado on-line em 7 de março de 2023. Texto completo

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube

Comente

3090D553-9492-4563-8681-AD288FA52ACE
Comentários são moderados. Veja os nossos Termos de Uso

processing....