Pesquisadores anunciaram a conclusão da fase 3 do estudo multicêntrico CodeBreak 200, cujos dados de fase 1 e 2 embasaram a aprovação do sotorasibe (Lumakras ®) pelas agências regulatórias da Europa, dos Estados Unidos e também do Brasil. O fármaco é o primeiro tratamento para adultos com câncer de pulmão de células não pequenas (CPNPC).
O estudo de fase 3 comparou o uso do sotorasibe oral com o tratamento padrão — neste caso, o medicamento quimioterápico intravenoso docetaxel — para pacientes com CPNPC e mutação do oncogene KRASG12C com história de ao menos um tratamento sistêmico anterior.
As mutações do oncogene KRAS, identificadas pela primeira vez em 1982, são encontradas em cerca de um quarto de todos os tumores, o que as posiciona entre as mutações genéticas mais comuns no câncer. Ao mesmo tempo, o oncogene KRAS mutado é considerado um dos alvos terapêuticos mais difíceis do ponto de vista farmacológico. A mutação G12C (substituição do aminoácido glicina na posição 12 por uma cisteína) é a mais frequente em pacientes com CPNPC e KRAS mutado.
A aprovação do primeiro medicamento capaz de inibir a proteína codificada pelo gene KRAS só ocorreu 40 anos depois da sua identificação, em 1982. Em maio de 2021, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou o sotorasibe. Em janeiro de 2022, o uso da substância foi autorizado pela European Medicines Agency (EMA) e, em março do mesmo ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o medicamento no Brasil.
De acordo com a Anvisa, o estudo CodeBreak 200 demonstra que a monoterapia com sotorasibe produz uma resposta objetiva, clinicamente significativa e durável em pacientes com CPNPC avançado.
Entre 4 de junho de 2020 e 26 de abril de 2021, foram coletados dados em 148 centros de pesquisa em 22 países. O estudo recrutou 345 voluntários com CPNPC avançado e mutação KRASG12C cujos tumores progrediram mesmo após tratamento quimioterápico anterior à base de platina e de um inibidor de PD-1 ou PD-L1.
Os participantes foram designados aleatoriamente para receber sotorasibe oral (960 mg uma vez ao dia) ou docetaxel intravenoso (75 mg/m2 uma vez a cada três semanas) de forma aberta usando tecnologia de resposta interativa. O tratamento continuou até uma confirmação central independente de informações sobre progressão da doença, intolerância ao fármaco, início de outro tratamento oncológico, saída do estudo ou morte, o que ocorresse primeiro. O desfecho primário foi a sobrevida livre de progressão do tumor. O estudo segue ativo, mas sem recrutamento.
Após um acompanhamento médio de 17,7 meses (amplitude interquartil [IQR] de 16,4 a 20,1), o estudo revelou um aumento estatisticamente significativo na sobrevida sem progressão da doença com o uso de sotorasibe, em comparação com docetaxel: mediana de sobrevida sem progressão da doença: 5,6 meses (IC 95% de 4,3 a 7,8) vs. 4,5 meses (IC 95% de 3,0 a 5,7); razão de risco: 0,66 (IC 95% de 0,51 a 0,86); p = 0,0017).
Com o sotorasibe, os eventos adversos de grau ≥ 3 mais comuns foram diarreia (n = 20 [12%]), aumento dos níveis de alanina aminotransferase (n = 13 [8%]) e de aspartato aminotransferase (n = 9 [5%]). Já com o docetaxel, os eventos adversos de grau ≥ 3 mais comuns foram neutropenia (n = 13 [9%]), fadiga (n = 9 [6%]) e neutropenia febril (n = 8 [5%]).
Segundo os autores, o sotorasibe aumentou significativamente a sobrevida livre de progressão do câncer e apresentou um perfil de segurança melhor do que o docetaxel, em pacientes com CPNPC avançado e mutação KRASG12C que haviam sido previamente tratados com outros medicamentos antitumorais. O estudo foi financiado pela empresa farmacêutica Amgen e está disponível na edição de fevereiro do periódico Lancet. [1]
“É um passo muito importante. Antes da aprovação do sotorasibe, [o docetaxel] era uma indicação ‘órfã’, sem nenhuma [outra] opção de tratamento satisfatória”, disse ao Medscape o oncologista Dr. Carlos Gil Ferreira, presidente no Instituto Oncoclínicas e único pesquisador brasileiro a participar do estudo. Segundo o médico, serão analisados agora os efeitos do sotorasibe em estádios mais precoces da doença, bem como sua ação em pacientes com tumores de pâncreas e colorretais com a mutação KRASG12C.
Quanto à incorporação do medicamento ao arsenal terapêutico do Sistema Único de Saúde (SUS), a avaliação do Dr. Carlos Gil é de que isso não deve ocorrer em curto prazo.
Mais pesquisas de estratégias para tratamento do câncer de pulmão de células não pequenas estão sendo feitas com substâncias para bloquear a atividade da mutação KRAS ou de proteínas relacionadas a sua ativação e atividade. Em junho de 2021, o medicamento adagrasibe recebeu a designação de tratamento inovador da FDA, o que aproxima essa substância da aprovação pela agência dos EUA. Também há outros ensaios clínicos, avaliando ao menos sete outras substâncias, em andamento.
As empresas farmacêuticas investindo nessas pesquisas são: Amgen, Janssen, Mirati Therapeutics, Eli Lilly, Genentech, Inventis Bio, Novartis, Boehringer Ingelheim, de acordo com revisão publicada no periódico Journal of Experimental & Clinical Cancer Research. [2] A mesma revisão aponta que, como em outros ensaios envolvendo tratamentos direcionados, mecanismos clínicos de resistência já conhecidos ainda precisam ser elucidados.
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Citar este artigo: Sotorasibe mostra-se promissor no tratamento do CPCNP com mutação KRAS - Medscape - 17 de março de 2023.
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