Segundo um estudo recente, aproximadamente um em cada quatro pacientes com covid-19 não tratada apresenta recidiva dos sintomas, enquanto quase um em cada três apresenta retorno do aumento da carga viral.
Esses achados contribuem com o conhecimento da história natural da covid-19 e ajudarão a fundamentar discussões e pesquisas sobre o tratamento antiviral, relataram no periódico Annals of Internal Medicine o primeiro autor do estudo, Dr. Jonathan Z. Li, médico e professor associado de doenças infecciosas no Brigham and Women's Hospital e na Harvard Medical School, ambos nos Estados Unidos, e seus colaboradores.

Dr. Jonathan Z. Li
“Há cada vez mais relatos de que pacientes de alto risco estão evitando [usar] nirmatrelvir/ritonavir devido a preocupações com o [efeito] rebote após o uso do medicamento, mas ainda há uma lacuna no conhecimento sobre a frequência de sintomas e de recidiva viral durante a evolução natural [da doença] no cenário da infecção não tratada”, comentou o médico.
Para resolver essa questão, Dr. Jonathan et al. analisaram dados de 563 participantes do grupo placebo do estudo “Adaptive Platform Treatment Trial for Outpatients with COVID-19” (ACTIV-2/A5401).
Dos dias 0 a 28 do estudo, os pacientes registraram a gravidade de 13 sintomas, indicando pontuações que variavam de ausente a grave (ausente = 0, leve = 1, moderada = 2, grave = 3). O teste de ARN foi realizado em amostras de esfregaços nasais nos dias 0 a 14, 21 e 28.
“A definição de ‘rebote dos sintomas’ foi descrita [como uma situação] que provavelmente representa uma mudança clinicamente significativa nos sintomas, de acordo com um consenso da equipe do estudo, composta de mais de 10 médicos [especialistas em] infectologia, pneumologia e medicina intensiva”, explicou o Dr. Jonathan.
Para ser considerado como recidivante, o paciente precisava apresentar um aumento de pelo menos quatro pontos no escore de sintomas. Por exemplo, um paciente seria classificado assim caso apresentasse piora de quatro sintomas (de leves a moderados), surgimento de dois novos sintomas moderados ou surgimento de um novo sintoma moderado e dois novos leves.
O limiar para se considerar uma recidiva viral foi definido como um aumento de pelo menos 0,5 log10 cópias de ARN/mL de um esfregaço nasal para outro, enquanto uma recidiva viral de alto grau foi definida como um aumento de pelo menos 5,0 log10 cópias de ARN/mL. O primeiro limite foi escolhido com base na análise prévia de rebote viral após o tratamento com nirmatrelvir no estudo de fase 3 EPIC-HR, enquanto o ponto de corte para a recidiva de alto grau foi baseado no trabalho anterior do Dr. Jonathan e de seus colaboradores relacionando esse valor com a presença de vírus viável.
A análise atual revelou que 26% dos pacientes apresentaram recidiva dos sintomas em uma mediana de 11 dias após o início do primeiro quadro sintomático. A recidiva viral ocorreu em 31% dos pacientes, enquanto a recidiva viral de alto grau ocorreu em 13%. Em cerca de 9 em cada 10 casos, essas recidivas foram detectadas em apenas um ponto no tempo, sugerindo que foram transitórias. É importante observar que a recidiva dos sintomas e a recidiva viral de alto grau ocorreram simultaneamente em apenas 3% dos pacientes.
Essa falta de correlação foi “surpreendente” e “evidencia que a recuperação de qualquer infecção nem sempre é um processo linear”, explicou o Dr. Jonathan.
Esse achado também sugere que pacientes não tratados que apresentam sintomas recorrentes provavelmente têm baixo risco de transmitir o vírus, de acordo com o Dr. David Wohl, médico, coautor do artigo e professor de medicina na seção de doenças infecciosas da University of North Carolina nos EUA.
Nirmatrelvir/ritonavir pode não ser o culpado pelo rebote da covid-19
“Esses resultados fornecem uma perspectiva importante para as publicações sobre o rebote com nirmatrelvir/ritonavir, e mostram que as taxas iniciais de recidivas virais e de sintomas devem ser consideradas ao se estudar o risco de rebote após o tratamento antiviral”, disse o Dr. Jonathan.
O Dr. David sugeriu que esses dados também possam ser úteis nas conversas com pacientes que apresentem rebote após o tratamento antiviral.
“Muitos indivíduos com retorno dos sintomas após uso de nirmatrelvir/ritonavir culpam o fármaco, e isso pode ser justificável; porém este estudo sugere que isso também acontece em pessoas não tratadas”, comentou ele por escrito.
Tratamento antiviral mais longo deve ser analisado
Este é um “estudo muito importante”, porque oferece um ponto de partida para comparar a história natural da covid-19 com o curso clínico da doença após o tratamento antiviral, disse o Dr. Timothy Henrich, médico e professor associado na seção de medicina experimental da University of California nos EUA.
“Ao contrário da história natural, em que se oscila à medida que vai declinando, [após o tratamento antiviral a infecção] desaparece por vários dias e depois retorna; e quando surge, as pessoas apresentam sintomas novamente”, contextualizou o médico em uma entrevista.
Isso sugere que cada tipo de rebote é um fenômeno único e, do ponto de vista clínico, o tratamento antiviral pode precisar ser estendido.
“Tratamos [a doença] por um período muito curto”, disse o Dr. Timothy. “Conseguimos suprimir [o SARS-CoV-2] a ponto de não o detectar na nasofaringe, mas claramente ele ainda está lá. E claramente ainda está em um lugar em que, sem o antiviral, pode se replicar.”
Dito isso, tratar por um período maior pode não ser uma solução infalível, especialmente se o tratamento antiviral for introduzido no início do curso clínico, pois o tratamento estendido pode atrasar as respostas imunes específicas contra o SARS-CoV-2 necessárias para a resolução do quadro, acrescentou o Dr. Timothy.
“Precisamos de mais estudos sobre tratamentos mais longos”, concluiu.

Dr. Aditya Shah
Uma série de questões relacionadas à pesquisa precisam ser abordadas, de acordo com o Dr. Aditya Shah, infectologista na Mayo Clinic nos EUA. Em um comentário por escrito, ele sondou a importância do rebote em vários cenários clínicos.
“Qual [tipo de] rebote importa e qual não importa?”, questionou. “O rebote dos sintomas é importante? Quantos ‘indivíduos com rebote de sintomas’ tratados e não tratados necessitam de tratamento ou de assistência à saúde adicionais? Talvez o rebote realmente não importe, mas se o nirmatrelvir/ritonavir ajuda em certos [casos de] pacientes não vacinados e de alto risco, [então] o rebote é relevante? Pesquisas futuras também devem focar na utilidade do fármaco em pacientes vacinados, mas de alto risco. [O medicamento] é tão benéfico para eles quanto em pacientes não vacinados de alto risco?”
Embora questões como essas, potencialmente modificadoras de esquemas terapêuticos, permaneçam sem resposta, o Dr. Timothy recomendou aos profissionais que mantenham os pacientes atentos ao que já se sabe sobre os benefícios do tratamento antiviral na indicação atual de cinco dias: ele reduz o risco de doença grave e hospitalização.
Os pesquisadores informaram conflitos de interesses a partir de relações com as empresas Merck, Gilead e ViiV, entre outras. O Dr. Timothy Henrich informou receber subsídio financeiro da Merck e ser consultor na Roche. O Dr. Aditya Shah informou não ter conflitos de interesses.
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Citar este artigo: Efeito rebote após o antiviral na covid-19: a doença não tratada geralmente envolve recidiva - Medscape - 16 de março de 2023.
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