As mulheres são minoria nos cargos de conselhos editoriais de revistas científicas na América Latina e no Caribe nas áreas de cirurgia, anestesiologia e ginecologia e obstetrícia. “Elas representam 17% do total de cargos de conselhos editoriais nas áreas citadas”, escreveram as autoras de uma das primeiras pesquisas sobre o tema na América Latina, que foi publicada recentemente pela revista World Journal of Surgery.
“Chegamos a esse índice com base nas revistas científicas que analisamos”, explicou por e-mail ao Medscape a pesquisadora Letícia Nunes Campos, afiliada à Ciências Médicas na Universidade de Pernambuco. Ela compartilha a autoria do estudo com uma equipe de pesquisadoras afiliadas a universidades no Brasil, na Argentina, nos Estados Unidos, na Rússia e no Canadá.
O grupo avaliou 19 dos 25 periódicos em atividade selecionados no portal Scimago Journal and Country Rank (SJR), que contém indicadores com base nas informações do banco de dados Scopus. Foram escolhidas nove revistas científicas focadas em cirurgia, três em anestesiologia e sete em ginecologia e obstetrícia, editadas em cinco países latino-americanos: Brasil, Colômbia, Chile, México e Cuba. Uma pesquisa nos sites das publicações retornou 1.320 nomes de participantes dos conselhos editoriais.
Esses membros foram classificados como sênior (editores-chefes, cargos especializados, cargos honorários), acadêmicos (cargos no conselho editorial nacional, peer-reviewer, cargos no conselho editorial acadêmico internacional) e categorias não acadêmicas (cargos não acadêmicos, cargos administrativos).
“Nosso estudo mostrou que as mulheres têm mais funções de revisão, e que não há mulheres em cargos honorários nos conselhos editorais na América Latina”, escreveram as autoras, que explicam no estudo que essa situação é o reflexo de um fenômeno conhecido como “leaky pipeline”, no qual a proporção de mulheres diminui substancialmente à medida que o grau de importância e hierarquia do cargo aumenta. “Como consequência, essas lacunas afetam a representação das mulheres nos cargos dos conselhos editoriais e a sua respectiva progressão na carreira acadêmica”, afirmaram por e-mail Letícia e as pesquisadoras Ayla Gerk, Júlia Loyola e Roseanne Ferreira em resposta às perguntas enviadas pelo Medscape.
De modo geral, a presença de médicas nos conselhos editoriais variou de 0,0% a 57,1%, com diferença significativa entre os periódicos (p = 0,007). Apenas o conselho editorial da Revista Cubana de Obstetrícia e Ginecologia possui mais de 50% de mulheres. No que se refere às categorias de participação, as mulheres ocuparam 14,3% das funções acadêmicas (14,3%, em 155/1.084) em comparação com funções sênior (28,9%, em 64/221) e não acadêmicas (38,4%, em 5/13).
No subgrupo dos cargos sênior, 31,5% (60/190) das posições especializadas, como editor-associado e editor-executivo, havia mais mulheres. Já em cargos honorários, não foram identificadas posições ocupadas por mulheres (0/15). No cargo de editor-chefe, elas perfizeram 25% (4/16).
Nas posições acadêmicas, as mulheres desempenharam mais funções de peer-reviewer (31,3%, em 26/83) do que posições editoriais acadêmicas internacionais (10%, em 25/251) ou nacionais (13,8%, em 104/ 750). Da mesma forma, as mulheres ocuparam mais cargos não acadêmicos (100%, 3/3), como diretor visual de Abstracts, do que administrativos (20%, em 2/10).
A análise revelou também que as revistas científicas focadas em cirurgia têm uma proporção menor de mulheres (7,7%, em 58/752) em comparação com anestesia (25,5%, em 52/204) e obstetrícia e ginecologia (31,5%, em 114/362). “Identificamos que o maior número de mulheres médicas nas áreas de cirurgia, anestesia e obstetrícia no país estava associado à presença de mais mulheres nos conselhos editoriais, sugerindo que uma representação mais equitativa se traduz em mais avanços na carreira para as mulheres”, disseram as pesquisadoras.
Participar de conselhos editoriais é algo prestigioso do ponto de vista profissional. “Na medicina acadêmica, posições em conselhos editoriais proporcionam oportunidades que podem auxiliar na progressão de carreira. Essas oportunidades incluem maior experiência com pesquisa, constantes atualizações científicas e ampliação da própria rede de contatos (networking). Além disso, a experiência em participar de conselhos editoriais pode ser incluída no currículo e considerada em novas ofertas de trabalho e promoções”, disse Letícia.
As autoras concluíram que falta de diversidade observada nos conselhos é uma desvantagem para a progressão da carreira das mulheres e para os próprios periódicos. De acordo com o estudo, grupos de trabalho diversos estão associados ao desenvolvimento de pesquisas e inovações de maior qualidade, são mais citados, recebem mais financiamento e contam com uma organização mais eficiente. Além disso, ao não investirem na representação feminina, os periódicos exacerbam a distribuição desigual de recursos profissionais e diminuem a própria produtividade científica.
“Outro impacto da desigualdade de gênero nos conselhos editoriais pode ser visto na produção científica dessas revistas, pois os conselhos determinam o que é publicado e por quem. Por exemplo, pesquisas produzidas por mulheres podem ser consideradas irrelevantes, visto que essa população não está adequadamente representada nos processos de tomada de decisão da revista", afirmaram as pesquisadoras ao Medscape por e-mail.
A falta de representação feminina nos conselhos editoriais também é realidade em outras especialidades e países. “Um estudo feito nos Estados Unidos que avaliou as 42 revistas científicas de cirurgia mais importantes do país descobriu que 14% dos membros dos conselhos editoriais eram mulheres. De forma semelhante, no Reino Unido, um estudo concluiu que a representatividade feminina em conselhos de revistas britânicas de diversas especialidades cirúrgicas é de apenas 17,2% e não havia nenhuma editora-chefe”, mencionaram as quatro entrevistadas.
Nas especialidades não cirúrgicas, os dados são igualmente discrepantes. Na América Latina, por exemplo, um estudo de Aquino-Canchari et al. avaliou periódicos de outras áreas médicas e constatou que as mulheres compõem apenas 12,9% dos conselhos editoriais. “No geral, estes números demonstram que, ainda que haja mais mulheres ingressando no mercado de trabalho médico, elas enfrentam dificuldades para alcançar posições de liderança e outras oportunidades profissionais, independentemente de sua especialidade ou localização geográfica", afirmaram Letícia e colegas.
Ao serem indagadas sobre as estratégias possíveis para aumentar a participação feminina nos conselhos editoriais de periódicos latino-americanos, as pesquisadoras destacaram cinco medidas importantes para mudar esse cenário:
Desenvolver políticas editoriais voltadas à equidade, diversidade e inclusão, traçando pontos de ação em curto e longo prazos;
Informar ao população a quantidade de mulheres e as suas posições nos conselhos editoriais, assim como os critérios de recrutamento e seleção (com o cuidado de remover informações que identifiquem os candidatos para mitigar vieses na avaliação);
Criar um comitê focado em equidade, diversidade e inclusão. Além de promover a participação feminina no processo decisório, um comitê pode proporcionar mais oportunidades pedagógicas e profissionais às mulheres.
Realizar treinamentos sobre equidade, diversidade, inclusão, bem como viés implícito para os membros do conselho editorial. Tais ações se provaram eficazes para ajudar indivíduos a perceberem de que modo as suas posições na sociedade podem ser usadas para provocar mudanças.
Investir em eventos de networking, programas de mentoria, oportunidades de liderança e desenvolvimento profissional, promoção e crescimento profissional para as mulheres que pertencem aos conselhos editoriais são exemplos de iniciativas para atrair e reter líderes mulheres.
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Citar este artigo: Falta representação feminina nos conselhos editoriais de revistas científicas latino-americanas - Medscape - 8 de março de 2023.
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