AAS: mais evidências contrárias ao uso para prevenção de eventos cardiovasculares

Richard Mark Kirkner

2 de março de 2023

Nova metanálise agrega evidências que questionam a utilidade e a eficácia de baixas doses de ácido acetilsalicílico para a prevenção de eventos cardiovasculares em pessoas sem doença cardiovascular aterosclerótica ─ em tratamento com estatinas ou não.

A pesquisa revelou que, em todos os níveis de risco da doença, o ácido acetilsalicílico promoveu risco de sangramento maior, com danos superando os potenciais benefícios de proteção.

Em um estudo publicado on-line no periódico JACC: Advances, pesquisadores liderados pelo Dr. Safi U. Khan analisaram dados de 16 ensaios clínicos feitos com 171.215 participantes, com mediana de idade de 64 anos. Da população analisada, 35% estavam tomando estatinas.

"O estudo se concentrou nos pacientes sem doença cardiovascular aterosclerótica que estão tomando ácido acetilsalicílico com ou sem estatinas para a profilaxia desta patologia", disse o Dr. Safi, médico especialista em doença cardiovascular no Houston Methodist DeBakey Heart and Vascular Institute. "Observamos que o risco absoluto de sangramento maior nesta população ultrapassa a redução absoluta do infarto agudo do miocárdio pelo ácido acetilsalicílico em [pacientes de] diferentes categorias de risco de doença cardiovascular aterosclerótica. Além disso, o uso concomitante de estatinas diminui ainda mais os efeitos cardiovasculares do ácido acetilsalicílico sem influenciar o risco de sangramento."

Nos 16 estudos, as pessoas que tomaram ácido acetilsalicílico tiveram uma redução relativa de 15% do risco de infarto agudo do miocárdio versus os controles (risco relativo de 0,85; intervalo de confiança [IC] de 95% de 0,77 a 0,95; < 0,001). No entanto, o risco de sangramento maior foi 48% mais alto (razão de risco de 1,48; IC 95% de 1,31 a 1,66; < 0,001).

A metanálise também descobriu que o uso de ácido acetilsalicílico, em monoterapia ou combinado com estatina, teve benefício leve a significativo, dependendo do risco estimado de doença cardiovascular aterosclerótica. O risco de sangramento maior ultrapassou o benefício nos três grupos estratificados pelo risco. O maior benefício e o maior risco foram identificados nos grupos com risco de doença cardiovascular aterosclerótica alto a muito alto, definidos como risco de doença cardiovascular aterosclerótica de 20% a 30% e ≥ 30%, respectivamente: 20 a 37 menos infartos agudos do miocárdio por 10.000 pacientes em monoterapia com ácido acetilsalicílico e 27 a 49 menos com o acréscimo da estatina, mas mais 78 a 98 episódios de sangramento maior com a monoterapia e mais 74 a 95 com a adição da estatina.

O ácido acetilsalicílico, em monoterapia ou combinado com estatina, não reduziu o risco de outros desfechos fundamentais: acidente vascular cerebral, morte por todas as causas ou morte de origem cardiovascular. Embora o uso de ácido acetilsalicílico tenha sido associado a menor risco de infarto agudo do miocárdio não fatal (razão de risco de 0,82; IC 95% de 0,72 a 0,94; ≤ 0,001), não foi associado à redução do risco de acidente vascular cerebral não fatal. Os pacientes em tratamento com ácido acetilsalicílico apresentaram um risco significativamente maior de hemorragia intracraniana (risco relativo de 1,32; IC 95% de 1,12 a 1,55; ≤ 0,001) e 51% deles tiveram maior risco de sangramento gastrointestinal (razão de risco de 1,51; IC 95% de 1,33 a 1,72; ≤ 0,001).

"Usamos dados randomizados de todos os principais ensaios clínicos com ácido acetilsalicílico para a prevenção primária e estimamos os efeitos absolutos do tratamento com ácido acetilsalicílico com ou sem estatina concomitante em relação aos diferentes perfis de risco dos pacientes ao início do estudo", disse o Dr. Safi. "Essa abordagem nos permitiu identificar o equilíbrio entre o risco e o benefício do tratamento com ácido acetilsalicílico, que tende a causar mais danos do que benefícios."

O pesquisador reconheceu que as limitações do estudo foram o uso da metanálise de estudos, em vez da metanálise de dados dos paciente, e a incapacidade de calcular os efeitos em grupos mais jovens com alto risco absoluto.

Os pesquisadores reconheceram a controvérsia em torno do uso do ácido acetilsalicílico para a prevenção de doença cardiovascular aterosclerótica observando as três principais diretrizes das sociedades especializadas: as diretrizes do American College of Cardiology e da American Heart Association de 2019 e as da European Society of Cardiology de 2021, que recomendam uso do ácido acetilsalicílico somente para pessoas assintomáticas e com alto risco de doença cardiovascular aterosclerótica, baixo risco de sangramento e com 70 anos de idade ou menos; e as diretrizes da Preventive Services Task Force dos EUA, atualizadas em 2022, que recomendam baixas doses individualizadas de ácido acetilsalicílico apenas para adultos entre 40 e 59 anos com risco de doença cardiovascular aterosclerótica de 10% ou mais em 10 anos e baixo risco de sangramento.

Os resultados não são uma determinação de que a profilaxia com o ácido acetilsalicílico deve ser interrompida, disse o Dr. Safi. "Este estudo se concentra apenas nos pacientes sem doença cardiovascular aterosclerótica", disse o pesquisador. "Os pacientes com doença cardiovascular aterosclerótica devem continuar o tratamento com ácido acetilsalicílico e estatina. No entanto, observamos que o ácido acetilsalicílico tem um papel limitado para os pacientes sem doença cardiovascular aterosclerótica, [com benefícios que não vão] além [dos alcançados com] modificações do estilo de vida, cessação do tabagismo, prática de exercícios e profilaxia com estatina. Portanto, os pacientes só devem considerar o uso do ácido acetilsalicílico se seus médicos sugerirem que o risco de ter um evento cardiovascular supera o risco de sangramento. Caso contrário, devem conversar com seus médicos sobre suspender o uso do medicamento."

O estudo corrobora o abandono do uso de baixas doses de ácido acetilsalicílico para a prevenção da doença cardiovascular aterosclerótica, disse o Dr. Tahmid Rahman, cardiologista e diretor associado no Center for Advanced Lipid Management do Stony Brook Heart Institute nos EUA. "O estudo realmente acrescenta [evidências] essencialmente ao que já sabemos", disse. "Inicialmente, antes dos principais ensaios clínicos com estatinas, houve um grande impulso [em direção ao uso de] ácido acetilsalicílico como o caminho para prevenir a doença cardíaca, mas estudos feitos mais tarde e, especialmente agora, com os novos tratamentos antiplaquetários e a maior duração dos medicamentos para as pessoas fazendo prevenção primária e secundária, estamos nos afastando do [uso de] ácido acetilsalicílico de rotina, especialmente para a prevenção primária."

A redução dos níveis de lipoproteína de baixa densidade do colesterol é a meta definitiva para diminuir os riscos de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, disse o Dr. Tahmid. "As estatinas não causam risco de sangramento", disse o médico, "então minha recomendação é ser enérgico na redução do colesterol e na obtenção de nível de lipoproteína de baixa densidade do colesterol o mais baixo possível para de fato diminuir os desfechos, especialmente na prevenção secundária, bem como na prevenção primária para os pacientes de alto risco, especialmente os diabéticos".

O Dr. Tahmid acrescentou, no entanto, que a modificação do estilo de vida também tem um papel fundamental na prevenção de doença cardiovascular aterosclerótica. "Não importa o medicamento que tivermos [disponível], o mais importante é manter uma alimentação adequada, especialmente algo como a dieta mediterrânea, bem como fazer exercícios regulares", disse o especialista.

Os Drs. Safi U. Khan e Tahmid Rahman informaram não ter conflitos de interesses.

Este conteúdo foi originalmente publicado no MDedge.com ─ Medscape Professional Network

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