Desafio clínico: Assistente pedagógica com transtorno bipolar e problemas pulmonares

Dr. Jonathan Katz; Dra. Shivani Garg

28 de fevereiro de 2023

Contexto

Uma mulher de 46 anos (gesta 1, para 1) com história de esplenomegalia e trombocitopenia congênitas, acompanhada pelo serviço de hematologia, é transferida ao hospital por piora de infiltrados pulmonares. Ela também tem história de asma, transtorno bipolar, migrânea e trombose venosa profunda recorrente nos membros inferiores, com duas sorologias positivas para anticoagulante lúpico (com 12 semanas de intervalo) durante tratamento com apixabana.

Inicialmente, procurou outro hospital com queixa piora da fadiga e episódios febris há vários dias. Lá, foi realizado um exame de imagem do tórax que revelou opacidades multifocais em vidro fosco e derrame pleural multiloculado à direita. Foi iniciada a antibioticoterapia e os sintomas melhoraram; entretanto, outra tomografia computadorizada mostrou novos infiltrados no lobo superior esquerdo com os achados no pulmão direito permanecendo estáveis. As novas descobertas levaram à transferência da paciente, para aprofundar a avaliação e a investigação diagnóstica.

A paciente refere falta de apetite e dor abdominal intermitente associadas a febre e fadiga durante algumas semanas. Apresenta úlceras orais há seis meses e tem história de dor bilateral nas mãos, no punho e no cotovelo, com edema intermitente, eritema e rigidez há dois anos, que vem progredindo ao longo dos últimos seis meses. O restante de sua revisão de sistemas revela fenômeno de Raynaud e história de fotossensibilidade, que se manifesta como fadiga profunda após exposição ao sol.

Antes da internação, a paciente havia procurado atendimento médico por causa da dor abdominal. Nessa consulta, uma tomografia computadorizada mostrou novos traços de líquido periesplênico e os resultados laboratoriais revelaram leucopenia com trombocitopenia, razão pela qual ela foi submetida a biópsia de medula óssea alguns dias antes da apresentação atual. Os resultados da biópsia estão pendentes.

A paciente nega história familiar de doença reumática ou pulmonar. Trabalha como assistente pedagógica e, em relação os hábitos sociais, é digno de nota o fato de que raramente toma bebidas alcoólicas e sua história de 30 anos de tabagismo.

Exame físico e propedêutica

Os sinais vitais da paciente estão estáveis, sem hipóxia. O exame físico revela ulcerações orais. Ritmo cardíaco regular em dois tempos. Na ausculta, é percebida a diminuição do murmúrio vesicular no lobo inferior direito, junto com crepitações no pulmão esquerdo. O exame musculoesquelético revela edema bilateral nos punhos, nas articulações interfalangianas proximais direitas e metacarpofalangianas esquerdas, com importante eritema associado. Ao exame neurológico a paciente está alerta e orientada alo e autopsiquicamente, com afeto adequado. Não tem déficits neurológicos visíveis.

Por conta da apresentação, é iniciado o aprofundamento da investigação diagnóstica. Os exames laboratoriais mostram leucometria de 6.100 células/mm3 (referência: 3.800 a 10.500 células/mm3, hemoglobina de 9,4 g/dL (referência: 11,6 a 15,6 g/dL) e plaquetometria de 115.000 células/mm3 (referência: 160.000 a 370.000 células/mm3). A bioquímica de rotina revela discreto aumento da creatinina sérica de 0,93 mg/dL (referência: 0,5 a 1,1 mg/dL). No último exame, o valor tinha sido de 0,8 mg/dL.

A investigação diagnóstica de doença inflamatória revela alto nível de proteína C reativa, de 14,1 mg/dL (referência: 0,0 a 1,0 mg/dL), e alta velocidade de hemossedimentação, de 41 mm/h (referência: 0 a 20 mm/h). As sorologias revelam:

  • Anticorpo antinuclear: 1:640 homogêneo (referência: negativo)

  • ADN de fita dupla: > 200 UI (> 200 UI = forte positivo)

  • Anticorpos anticitoplasma de neutrófilos: positivo (padrão atípico)

  • Anticorpo anti-Sm: 32 U (20 a 39 U = fraco positivo)

  • Componente 3 do complemento (C3): 39 mg/dL (referência: 83 a 193 mg/dL)

  • Componente 4 do complemento (C4): 6 mg/dL (referência: 15 a 57 mg/dL)

A sorologia para mieloperoxidase e proteinase 3 foi negativa. A sorologia para cardiolipina e glicoproteína β-2 foi negativa e o teste de anticoagulante lúpico foi positivo (na vigência de anticoagulação). A paciente tem história de resultados positivos para o anticoagulante lúpico no passado, junto com trombose venosa profunda recorrente, para a qual tomava apixabana antes desta internação.

Uma investigação de doenças infecciosas, incluindo culturas de sangue e escarro, tenta esta última revelado a presença de algumas pseudomonas. Sua cobertura antibiótica foi ampliada e ela fez uma toracocentese, com resultados indicativos de derrame exsudativo.

Após os exames de sangue seriados durante alguns dias, os resultados laboratoriais mostram deterioração da função renal, com nível de creatinina de 1,78 mg/dL, agora sem azotemia. Além disso, observa-se queda significativa da contagem de plaquetas, com um nadir a 67.000 células/mm3. Sua hemoglobina também diminuiu e agora é de 7,7 g/dL. Há preocupação com a hemólise. Outros exames laboratoriais revelam:

  • Bilirrubina total: 0,3 mg/dL (referência: 0,3 a 1,0 mg/dL)

  • Desidrogenase láctica: 297 U/dL (referência: 125 a 220 U/dL)

  • Coombs positivo

  • Haptoglobina: 282 mg/dL (referência: 35 a 250 mg/dL)

  • Tempo de tromboplastina parcial: 88,2 s (referência: 28 a 38 s)

Dado o alto nível de creatinina, é solicitado um exame de urina que não revela sangue ou hemácias, mas é positivo para proteínas. A quantificação adicional revela uma relação proteína-creatinina da urina de 0,42. Diante da apresentação da paciente, a preocupação é com lesão renal por lúpus, síndrome antifosfolipídica, púrpura trombocitopênica trombótica ou nefrite tubulointersticial. Assim, a paciente faz uma biópsia renal, que revela microangiopatia trombótica aguda com necrose cortical focal, junto com glomérulos contendo alguns depósitos mesangiais segmentares eletrodensos. Esses achados são compatíveis com nefrite lúpica de classe I e microangiopatia trombótica.

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