Médicos seniores e qualidade profissional: entre a experiência e a competência

Paolo Spriano

2 de fevereiro de 2023

Itália ─ A experiência clínica de um médico é tradicionalmente definida, embora de modo sumário, por sua idade ou pelos anos de prática clínica. A capacidade de um profissional para exercer o seu ofício pode diminuir com o tempo, e isso se deve a muitas razões. Evidências mostram que, de acordo com parâmetros de verificação da qualidade do atendimento, o atendimento prestado por médicos mais experientes pode ser pior do que o de seus colegas menos experientes. [1]

O declínio da função cognitiva relacionado à idade, até o ponto da demência franca, pode se tornar um aspecto cada vez mais comum com o envelhecimento da população médica (na Itália e no mundo). Por isso, está em discussão se é possível manter os médicos competentes em atividade, apesar da idade, e quais critérios de avaliação poderiam ser usados. [2]

Envelhecimento e declínio cognitivo

Nos Estados Unidos, estima-se que nos próximos 10 anos mais de 40% dos médicos em exercício terão ≥ 65 anos de idade, faixa etária na qual 11,7% das pessoas declaram algum tipo de declínio cognitivo. Embora o comprometimento cognitivo seja menos comum em pessoas com formação mais longa (como os médicos), os dados mostram que, entre médicos com > 70 anos de idade, cerca de um profissional em cinco pode ter deterioração cognitiva leve e um em 15 pode ter algum tipo de déficit cognitivo. [2]

Diversos fatores associados ao envelhecimento podem repercutir nos processos de análise dos médicos, como a diminuição da memória de trabalho e da acuidade visual, e a lentificação das operações mentais. Diferenças de desempenho podem se tornar aparentes após os 60 anos, uma vez que há menor probabilidade de adquirir novos conhecimentos ao longo do tempo, como novas estratégias terapêuticas aplicáveis na clínica. [3]

Diante do envelhecimento da população médica, a hipótese levantada nos EUA não compreende apenas um processo de verificação da competência profissional, mas também uma reavaliação da capacidade cognitiva e motora dos médicos mais velhos para que possam continuar a atender os pacientes com segurança e competência. No entanto, o grau de variação em termos de função executiva, sabedoria, memória e outros componentes cognitivos não é linear e pode se alterar imprevisivelmente ao longo do tempo, porque esses aspectos podem ser influenciados por vários fatores, independentemente da idade. [3]

Idade e valor da experiência

Os médicos mais velhos têm habilidades valiosas, experiência clínica e de vida profissional que só são alcançadas com anos de prática, enquanto os médicos mais jovens podem contribuir com vitalidade e inovação. Em vez de isolar os médicos idosos, os sistemas de saúde devem pensar em elaborar padrões aceitáveis de avaliação aplicáveis a todos os profissionais, não importando a idade.

Para muitos médicos, o declínio da competência profissional se deve simplesmente à incapacidade de acompanhar as últimas diretrizes e os rápidos avanços da medicina.

Se esse for o principal parâmetro, quanto mais anos o médico exercer a profissão, maior a probabilidade de ele ter um conhecimento divergente dos padrões de atendimento atuais. [4] Um estudo de revisão analisou como a experiência clínica de um médico pode influenciar a qualidade do atendimento e qual é a dimensão dessa qualidade que tende a ser influenciada. [5] No total, 27 avaliações (43%) encontraram associação positiva ou parcialmente positiva entre a experiência clínica dos médicos e a qualidade do atendimento; 22 (35%) não encontraram associação; e 14 (22%) descreveram uma associação negativa ou parcialmente negativa. A revisão descobriu uma associação proporcional entre a experiência clínica dos médicos e a qualidade no que diz respeito às medidas de sucesso que refletem a segurança do atendimento — particularmente no campo cirúrgico —, mas para outras dimensões de qualidade não houve nenhuma evidência de certeza. [5] Embora quase dois terços dos médicos especialistas dos EUA digam que não dedicam tempo suficiente para se manterem atualizados em sua área de especialização profissional, o percentual de reprovação nos exames de recertificação varia de 4% a 13%, e 6% dos médicos de família sequer tentam se recertificar. [6]

Na Itália, o tema da requalificação dos médicos não está em pauta, apesar do envelhecimento desta classe profissional que, em geral, tem até o final de 2023 para atender às obrigações da educação médica continuada. Com tantos médicos acima dos 60 anos de idade cansados do trabalho e dispostos a deixar a prática assim que puderem, essas são formas de remediar — sem resolver — o problema da verificação da competência dos médicos mais velhos.

Este conteúdo foi originalmente publicado na Univadis ─ Medscape Professional Network.

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