COMENTÁRIO

O que fazer quando os pacientes não nos ouvem

Rachel Reiff Ellis

25 de janeiro de 2023

Você conversa com o paciente e escolhe a melhor conduta terapêutica, o orienta sobre modificações de estilo de vida para melhorar os resultados da intervenção e o bem-estar geral, mas, do consultório para fora, a decisão de seguir ou não o tratamento e as orientações é dele. O que acontece quando os pacientes não nos ouvem?

O termo "sem adesão" substituiu gradualmente "sem seguir as orientações" no léxico médico como uma referência à evolução da relação entre o médico e o paciente. Não seguir as orientações significa que o paciente não está acatando as ordens de seu médico. A adesão, por outro lado, é uma medida de proximidade do comportamento do paciente em relação às recomendações recebidas. É uma diferença sutil, mas uma distinção importante no atendimento.

"Não seguir as orientações é um conceito intrinsecamente negativo para o paciente; por outro lado, existe alguma razão para não ter adesão, e costuma ser externa", disse a médica Dra. Sharon Rabinovitz, presidente da Georgia Academy of Family Physicians nos Estados Unidos.

Por que os pacientes não escutam?

As razões por trás do fato de um paciente não ter adesão são multifacetadas, mas muitas vezes são originadas por determinantes sociais da saúde, como transporte, falta de conhecimento sobre a saúde, dificuldades financeiras e falta de acesso às farmácias.

Outras vezes, os pacientes não querem tomar medicamentos, não priorizam sua saúde ou acham que as modificações alimentares e do estilo de vida sugeridas pelos médicos são muito difíceis de fazer. Ou então têm dificuldade para perder peso, se alimentar de forma mais saudável ou reduzir a ingestão de bebidas alcoólicas, por exemplo.

"A questão é que o grande obstáculo a tudo isso é o custo e a capacidade do paciente de conseguir arcar com algumas das coisas que achamos que eles devem poder fazer", disse a médica Dra. Teresa Lovins, proprietária do Lovin My Health DPC e membro do conselho de administração da American Academy of Family Physicians, ambos nos EUA.

Outro obstáculo comum ao tratamento são os efeitos colaterais indesejáveis que o paciente pode não querer mencionar.

"Por exemplo, muitos pacientes que tomam antidepressivos têm disfunção sexual associada a esses medicamentos", disse a Dra. Sharon. "Se você não fizer as perguntas certas, não conseguirá avaliar inteiramente a experiência do paciente e a razão pela qual ele pode não tomar o medicamento".

Muitas vezes não ter adesão é intencional e fundamentada na própria experiência, em sistemas de crença e no próprio conhecimento. Por exemplo, a American Medical Association descobriu que os pacientes podem não entender por que precisam de um determinado tratamento (e, portanto, não o fazem), ou podem estar sobrecarregados com vários medicamentos, ter medo de depender de um medicamento, desconfiar da indústria farmacêutica ou do sistema médico como um todo, ou ter sintomas de depressão , o que dificulta a adoção de atitudes saudáveis. Além disso, os pacientes podem não conseguir arcar com os custos dos seus medicamentos, ou a ausência de sintomas pode levá-los a acreditar que na verdade não precisam do medicamento, como ocorre em doenças como a hipertensão arterial sistêmica ou a hipercolesterolemia.

"Na minha formação, fizemos algo chamado de treinamento Balint, no qual nos reuníamos em grupo com médicos que atendiam pacientes e discutíamos os casos difíceis de uma perspectiva biopsicossocial e considerávamos todos os fatores da perspectiva do paciente, englobando dinâmica familiar, sistemas sociais e realidades econômicas", disse o médico Dr. Russell Blackwelder, diretor de educação geriátrica e professor associado de medicina da família na Medical University of South Carolina, nos EUA.

"Esse treinamento foi, para mim, muito útil para abrir minha mente e me tornar mais empático, e realmente levar em conta o ponto de vista do paciente e tudo o que o influencia".

A Dra. Teresa concorda que é crucial estabelecer uma boa relação e construir confiança recíproca.

"Se você não conhece o paciente, você tem mais dificuldade de fazer as perguntas certas para chegar ao cerne da razão pela qual ele não está tomando o medicamento ou o que está deixando de fazer para ajudar sua saúde", disse a médica. "É preciso um pouco de confiança de ambas as partes para chegar à pergunta que realmente toca o centro do porquê eles não estão fazendo o que você está pedindo para fazerem."

Como incentivar a adesão

Embora possa não existir uma só estratégia para obter a adesão geral ou a adesão a um esquema farmacológico, alguns métodos têm o potencial de aumentar o sucesso.

O médico Dr. Kenneth Zweig, internista na Northern Virginia Family Practice Associates nos EUA diz que convencer os pacientes a fazer uma pequena mudança que possam manter pode fazer a coisa funcionar.

"Eu tinha um paciente que estava muito acima do peso e tinha hipertensão arterial, hipercolesterolemia, lombalgia, insônia e depressão, e também estava bebendo três a quatro cervejas por noite", disse o Dr. Kenneth. "Depois de uma longa conversa, eu o desafiei a parar de tomar bebidas alcoólicas por uma semana. Ao término dessa semana, ele percebeu que estava dormindo melhor, havia perdido algum peso, sua pressão arterial tinha diminuído e ele estava com mais energia. Quando viu os benefícios desta mudança, ficou motivado a melhorar outros aspectos de sua saúde também. Ele melhorou sua alimentação, começou a se exercitar e perdeu mais de 20 quilos. Ele persistiu com essas mudanças de estilo de vida desde então."

Uma abordagem em equipe também pode melhorar a compreensão e a adesão do tratamento. Em um estudo mais antigo, os pacientes que foram designados para atendimento em equipe, inclusive atendimento por farmacêuticos, foram significativamente mais aderentes aos esquemas de medicamentos. Os pacientes se sentiam mais à vontade para fazer perguntas e levantar questões quando achavam que seu plano terapêutico era uma colaboração entre vários profissionais de saúde e eles mesmos.

A Dra. Teresa disse para sempre abordar o paciente de modo positivo. "Diga ‘o que podemos fazer juntos para isso funcionar? Quais são as suas dúvidas sobre este medicamento?’ e tente se concentrar nas coisas positivas que você pode mudar em vez de deixar o paciente com um sentimento negativo ou de que você está com raiva deles ou está decepcionado com suas escolhas. Os pacientes respondem melhor quando são tratados como parte da equipe."

O medo do julgamento também pode ser uma barreira à honestidade entre os pacientes e os médicos. A vergonha cria resistência a admitir não ter adesão. A Dra. Teresa disse ao Medscape que é responsabilidade do médico criar um espaço livre de culpa para os pacientes falarem abertamente sobre suas dificuldades com o tratamento e razões para não terem adesão.

Quando você deve redirecionar o tratamento?

Em última análise, o objetivo é o tratamento efetivo da doença. No entanto, se você e seu paciente estiverem em um impasse e o progresso estiver estagnado ou não estiver ocorrendo, pode ser apropriado incentivar o paciente a procurar atendimento em outro lugar.

"Assim como ocorre com qualquer relacionamento, algumas relações entre o médico e o paciente simplesmente não são uma boa opção", disse o Dr. Russel. E essa pode ser a razão pela qual o paciente não tem adesão — vocês não têm afinidade.

Embora existam considerações éticas acerca dessa decisão, a maioria dos conselhos de medicina tem diretrizes sobre como lidar com isso, disse o Dr. Russel para o Medscape.

"No estado da Carolina do Sul, temos de estar disponíveis para fornecer atendimento de urgência por pelo menos 30 dias e notificar o paciente por escrito que ele precisa procurar outra pessoa e ajudá-lo a encontrar outra pessoa, se pudermos."

Assim como com o atendimento, uma conversa clara é a melhor atitude se você estiver propondo uma potencial troca de médico. Você pode dizer: “N ós não estamos progredindo como eu gostaria de ver, e eu estou me perguntando se você acha que ser atendido por outro médico seria melhor”.

"A coisa mais importante é ser muito honesto e transparente com o paciente, mostrando que você está preocupado porque você não está conseguindo fazer o tratamento ir adiante", disse a Dra. Sharon. Nesse momento você pode perguntar: " Eu sou o médico certo para ajudar você a alcançar seus objetivos? E se não for, como posso lhe ajudar a chegar aonde você precisa?"

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape.

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