COMENTÁRIO

Mais orientação necessária para o rastreamento do câncer nos pacientes da reumatologia

Dra. Karmela Kim Chan

Notificação

23 de janeiro de 2023

Algumas das doenças que os reumatologistas tratam estão associadas ao câncer. A mais conhecidas delas são as miopatias inflamatórias. A associação entre a miosite e o câncer foi descrita em um artigo de revisão em 1976; sabemos agora que existem características da doença, como anticorpos anti-NXP-2 ou anti-TIF1-γ positivos, que nos levam a considerar a possibilidade de câncer.

A síndrome de Sjögren predispõe ao câncer. Maior atividade da doença, edema recorrente de parótida, presença de crioglobulinas e hipocomplementemia ao início da doença indicam maior probabilidade de evoluir para linfoma. A esclerose sistêmica também está associada ao risco de câncer, como o câncer de pulmão e as neoplasias hematológicas, especialmente nos pacientes com doença em idade mais avançada e com anticorpo anti-ARN polimerase positivo. Os pacientes com artrite reumatoide têm risco mais elevado de linfoma e câncer de pulmão em comparação à população geral. Os pacientes com lúpus também apresentam aumento do risco de linfoma e neoplasia cervical.

Síndrome paraneoplásica

Há ainda pacientes com síndromes paraneoplásicas. Às vezes, essas síndromes são bem definidas. Por exemplo, nenhum artigo sobre síndromes reumáticas paraneoplásicas estaria completo sem a discussão da osteoartropatia hipertrófica, embora já tenha transcorrido uma década desde meu último diagnóstico de câncer com base nesse quadro, talvez por causa do advento do rastreamento por tomografia computadorizada de baixa dose para os pacientes com história de tabagismo importante. A sinovite simétrica e soronegativa remitente com edema com cacifo (RS3PE, do inglês remitting seronegative symmetrical synovitis with pitting edema) é outro exemplo de síndrome paraneoplásica bem definida, embora a maioria dos pacientes com esse diagnóstico não tenha, de fato, câncer associado. A fascite eosinofílica e a fascite palmar com poliartrite são outras doenças reumáticas comumente consideradas como possivelmente paraneoplásicas.

Outras vezes, no entanto, a natureza paraneoplásica de um quadro não é evidente. Em geral, diante de uma apresentação que parece incomum — poliartrite de início explosivo em uma pessoa mais velha ou polimialgia reumática que não responde como esperado aos esteroides — o médico tem de se perguntar se está lidando com um câncer mascarado de atrite.

Tipos de câncer associados a medicamentos

Além das nossas doenças, nossos medicamentos também têm sido associados ao câncer. A ciclofosfamida aumenta o risco de câncer de bexiga, síndrome mielodisplásica e distúrbios mieloproliferativos. Tanto o metotrexato quanto a azatioprina foram associados a aumento do risco de linfoma e câncer de pele (mais provável nos pacientes que estão recebendo azatioprina para imunossupressão após um transplante de órgãos), exceto o melanoma. O estudo ORAL Surveillance demonstrou que o tofacitinibe (Xeljanz) em qualquer dose conferiu aumento do risco de câncer, em comparação aos agentes antifator de necrose tumoral. E enquanto os médicos discutem sobre o (improvável) risco de tumores sólidos, linfoma ou melanoma com agentes antifator de necrose tumoral, esses medicamentos conferem maior risco de câncer de pele, exceto melanoma.

Limitações ao rastreamento do câncer adequado por idade

É irritante para esta reumatologista, portanto, não termos diretrizes sobre quais dos nossos pacientes devem ser rastreados para câncer e como esse rastreamento deve ser feito. Em 2017, a British Society for Rheumatology publicou diretrizes para a síndrome de Sjögren com a recomendação, com pouca evidência, mas com acordo substancial pelo método Delphi, de incentivar os pacientes a informar edemas glandulares firmes e indolores (nível de evidência IV/D) e de investigar lesões suspeitas com exames de imagem (nível de evidência III/C). As diretrizes das sociedades especializadas — medicina interna, dermatologia, oncologia, ginecologia — se destinam à população geral e não são adaptadas aos pacientes reumatológicos. O rastreamento do câncer adequado por idade, uma recomendação básica em nossas notas SOAP (acrônimo em inglês de Subjective, Objective, Assessment and Plan [queixas subjetivas, sinais objetivos, avaliação e conduta]), significa mamografias, Papanicolau, colonoscopias e talvez um antígeno específico da próstata, na idade certa. Mas se nos limitássemos a esses exames, não só perderíamos os linfomas e o câncer de pulmão, os tipos de câncer mais comuns entre os pacientes com artrite reumatoide, como também rastrearíamos tipos de câncer que parecem ter pouca frequência entre os pacientes com artrite reumatoide (ou seja, mama e cólon).

Isso complica o chamado “aconselhamento”. Você pode dizer ao seu paciente começando um agente antifator de necrose tumoral que ele precisa fazer uma verificação anual da pele (eu certamente digo), mas a U.S. Preventive Services Task Force não encontrou evidências suficientes para recomendar ou contraindicar o rastreamento do câncer de pele em pacientes assintomáticos e a American Academy of Dermatology recomenda o rastreamento anual apenas se os pacientes tiverem uma história de câncer de células basais ou escamosas.

Então, o que o reumatologista deve fazer?

Rastreamento do câncer nos pacientes com miosite

Na American College of Rheumatology Annual Meeting no ano passado, foram apresentadas diretrizes sobre o rastreamento do câncer para pacientes com miosite. As diretrizes, elaboradas pelo International Myosite Assessment and Clinical Studies Group, reconhecem que na miosite existem características específicas da doença que estão associadas ao câncer. Neste esquema, os pacientes são classificados em grupos de risco baixo, intermediário ou alto, dependendo das características da doença. Alguém com síndrome antissintetase, por exemplo, que não tem anticorpos anti-NXP-2 ou anti-TIF1-γ positivos, não precisaria fazer exames de imagem além da radiografia de tórax, enquanto um paciente com dermatomiosite e um desses dois anticorpos faria tomografia computadorizada, além da avaliação "básica" recomendada. As diretrizes também falam quando pode ser necessário proceder à endoscopia do trato digestivo superior e inferior, endoscopia nasofaríngea e tomografia PET.

O tempo dirá como essas diretrizes funcionam; como outras diretrizes, provavelmente evoluirão. Mas parece um grande primeiro passo na direção certa, que terá repercussão no atendimento em geral e nos ajudará a tratar melhor nossos pacientes. E na ausência de diretrizes definidas, exceto para a miosite, cabe ao reumatologista determinar a melhor forma de tratar nossos pacientes.

A Dra. Karmela Kim Chan é professora assistente no Weill Cornell Medical College e médica assistente no Hospital for Special Surgery e no Memorial Sloan Kettering Cancer Center nos EUA. Antes de se mudar para Nova York, teve consultório particular durante sete anos em Rhode Island e foi colunista de uma publicação mensal de reumatologia, escrevendo sobre os desafios de começar a vida como reumatologista em um consultório particular.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape .

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