A varfarina é melhor para a síndrome antifosfolipídica trombótica?

23 de janeiro de 2023

Os pacientes com síndrome antifosfolipídica trombótica respondem melhor a um antagonista da vitamina K, como a varfarina, do que a um anticoagulante oral direto, sugere nova revisão sistemática com metanálise.

"Nosso estudo está mostrando que nos ensaios clínicos randomizados e controlados com pacientes apresentando síndrome antifosfolipídica trombótica o risco de trombose arterial, particularmente de acidente vascular cerebral, é significativamente maior com anticoagulantes orais diretos em comparação aos antagonistas de vitamina K", disse para o Medscape o autor sênior, o médico Dr. Behnood Bikdeli do Brigham and Women's Hospital, nos Estados Unidos.

"Esses resultados provavelmente sugerem que os anticoagulantes orais diretos não sejam o esquema ideal para os pacientes com síndrome antifosfolipídica trombótica."

O estudo foi publicado on-line na edição de 03 de janeiro do periódico Journal of the American College of Cardiology.

Doença autoimunitária

A síndrome antifosfolipídica trombótica é uma doença autoimunitária sistêmica caracterizada por eventos trombóticos arteriais e/ou venosos recorrentes.

O Dr. Behnood estima que a síndrome antifosfolipídica seja a causa de 50.000 a 100.000 casos de acidente vascular cerebral, 100.000 casos de infarto agudo do miocárdio e 30.000 casos de trombose venosa profunda por ano.

"É uma doença séria, e este é um grupo de pacientes de alto risco e complexos", disse o médico.

O tratamento convencional tem sido a anticoagulação com um antagonista da vitamina K, como a varfarina. "Mas este é um tratamento complicado, com muitas interações farmacológicas e a necessidade de monitoramento do índice internacional normalizado, com o qual pode ser difícil de lidar nos pacientes com síndrome antifosfolipídica, pois às vezes pode haver números falsamente alterados", observou o Dr. Behnood.

"Por causa dessas dificuldades, parecia muito promissor explorar o uso de anticoagulantes orais diretos para esta população."

Quatro principais ensaios clínicos randomizados foram feitos para investigar o uso de anticoagulantes orais diretos na síndrome antifosfolipídica — três com rivaroxabana e um com apixabana. "Todos esses ensaios clínicos foram bem pequenos e, embora não tenham mostrado resultados definitivos, alguns sugeriram achados não significativos de desfechos ligeiramente piores para os anticoagulantes orais diretos em comparação aos antagonistas da vitamina K. Mas há muita incerteza, e é difícil olhar para subgrupos nesses pequenos ensaios clínicos", disse o Dr. Behnood.

"Ainda restam muitas dúvidas sobre se devemos usar anticoagulantes orais diretos em pacientes com síndrome antifosfolipídica e, em caso afirmativo, em quais subgrupos específicos."

Os autores, portanto, fizeram uma revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos randomizados e controlados que compararam anticoagulantes orais diretos a antagonistas da vitamina K em pacientes com síndrome antifosfolipídica. Os autores também entraram em contato com os pesquisadores responsáveis pelos ensaios clínicos para obter dados adicionais agregados não publicados sobre subgrupos específicos.

Foram incluídos na metanálise quatro ensaios clínicos randomizados, controlados e abertos com 472 pacientes.

De modo geral, o uso de anticoagulantes orais diretos em comparação aos antagonistas da vitamina K foi associado a maiores chances de trombose arterial subsequente (razão de chances [RC] de 5,43; P < 0.001), especialmente acidente vascular cerebral.

As chances de trombose venosa subsequente ou sangramento maior não foram significativamente diferentes entre os dois grupos. A maioria dos achados foi homogênea entre os subgrupos.

"Nossos resultados mostram que o uso de anticoagulantes orais diretos comparados aos antagonistas da vitamina K está associado a maior risco de trombose arterial — risco impulsionado principalmente pelo aumento significativo do risco de acidente vascular cerebral", comentou o Dr. Behnood.

Ao olhar para os subgrupos de interesse, acreditava-se que os anticoagulantes orais diretos poderiam não ser tão eficazes para os chamados pacientes com síndrome antifosfolipídica "triplo-positiva". Esses pacientes têm três tipos diferentes de anticorpos e maior risco de trombose, observou o Dr. Behnood.

"Mas um dos achados interessantes do nosso estudo foi que os resultados são realmente homogêneos entre as mulheres em comparação aos homens e entre as pessoas que têm três tipos de anticorpos positivos e as que têm dois tipos de anticorpos positivos ou um só tipo", disse o pesquisador.

"Nossas análises não mostraram modificação de efeito por subgrupos de anticorpos. Elas sugerem tendências semelhantes de piores desfechos em todos os subgrupos."

"Com base nesses resultados, eu estaria igualmente preocupado em usar anticoagulantes orais diretos, mesmo que alguém tenha anticorpos antifosfolipídios positivos duplos ou únicos”, acrescentou.

O Dr. Behnood disse que ainda recomendaria a tomada de decisão compartilhada com os pacientes. "Se eu tivesse um paciente que tem síndrome antifosfolipídica trombótica, eu compartilharia minha reserva sobre os anticoagulantes orais diretos, mas há vários fatores que devem ser considerados na tomada de decisão. Se alguém tem dificuldade de verificar o índice internacional normalizado, podemos fazer uma escolha fundamentada e ainda usar um anticoagulante oral direto, mas os pacientes precisam saber que há provavelmente um risco excessivo de trombose arterial subsequente com os anticoagulantes orais diretos em comparação a um antagonista da vitamina K."

O autor observou que ainda não está completamente clara a situação para pessoas com síndrome antifosfolipídica positiva para apenas um tipo de anticorpo ou qual é o tipo de anticorpo presente. Também é possível que uma dose mais alta de anticoagulante oral direto possa ser mais eficaz, estratégia que está sendo investigada em outro ensaio clínico randomizado atualmente em andamento.

"Mas na rotina, eu teria preocupações sobre o uso de anticoagulantes orais diretos para os pacientes com síndrome antifosfolipídica em geral", disse o pesquisador. "Para os casos triplo-positivos, há mais dados e maior preocupação, mas eu não também não liberaria para um paciente com um ou dois anticorpos positivos".

A razão pela qual os anticoagulantes orais diretos seriam menos eficazes do que os antagonistas da vitamina K na síndrome antifosfolipídica não é conhecida.

"Essa é a pergunta que vale um milhão", comentou o Dr. Behnood. "Os anticoagulantes orais diretos têm sido medicamentos tão úteis para tantos pacientes e para os médicos também. Mas agora vimos que não são ideais em vários casos — pacientes com válvulas cardíacas mecânicas, pacientes com fibrilação atrial reumática e, agora, pacientes com síndrome antifosfolipídica trombótica."

Uma hipótese é que esses pacientes têm mais alguns componentes inflamatórios e são mais propensos à formação de coágulos, e como os antagonistas da vitamina K trabalham em várias partes da cascata de coagulação, podem ser mais bem-sucedidos em comparação ao tratamento mais direcionado com anticoagulantes orais diretos. "Mas acho que precisamos de mais estudos para entender isso", disse o autor.

Implicações importantes

No editorial que acompanha o estudo, o médico Dr. Mark A. Crowther da McMaster University, no Canadá, a farmacêutica Aubrey E. Jones e o farmacêutico Daniel M. Witt, ambos da University of Utah College of Pharmacy, nos EUA, disseram: "Como a qualidade das evidências foi classificada como 'alta' para o desfecho de trombose arterial e 'moderada' para os desfechos de trombose venosa e sangramento, esses resultados devem levar a uma revisão de diretrizes baseadas em evidências para contraindicar o uso de anticoagulantes orais diretos como opção para a maioria dos pacientes com síndrome antifosfolipídica".

Os editorialistas acrescentaram que essa recomendação para os antagonistas da vitamina K também se aplica aos pacientes previamente considerados com menor risco de síndrome antifosfolipídica — como aqueles com apenas um ou dois anticorpos positivos e aqueles apenas com história de trombose venosa.

Os editorialistas indicaram que isso terá implicações importantes, particularmente para o diagnóstico preciso da síndrome antifosfolipídica, incluindo a confirmação e a documentação dos exames laboratoriais positivos pelo menos 12 semanas após o exame positivo inicial.

Os editorialistas recomendam que, enquanto aguardam o resultado confirmatório, os pacientes com suspeita de síndrome antifosfolipídica devem evitar os anticoagulantes orais diretos, e que se deve "considerar seriamente" a troca para antagonistas da vitamina K de praticamente todos os pacientes com síndrome antifosfolipídica que fazem uso de anticoagulantes orais diretos.

O Dr. Behnood Bikdeli é perito, representante da acusação nos litígios relacionados com dois modelos específicos de marcas de filtros de veia cava inferior; recebe subsídios do Scott Schoen and Nancy Adams IGNITE Award do Mary Horrigan Connors Center for Women's Health and Gender Biology no Brigham and Women's Hospital, do Career Development Award da American Heart Association e do VIVA Physicians. O Dr. Mark A. Crowther recebeu honorários das empresas AstraZeneca, Precision Biologics, Hemostasis Reference Laboratories, Syneos Health, Bayer, Pfizer e CSL Behring; é catedrático da Leo Pharma Chair na pesquisa de tromboembolismo, feita na McMaster University. Aubrey E. Jones é subsidiada por um prêmio de desenvolvimento de carreira do National Heart, Lung, and Blood Institute; e Daniel M. Witt é financiado por doações da Agency for Healthcare Research and Quality.

J Am Coll Cardiol. Publicado on-line em 03 de janeiro de 2023. Abstract; Editorial.

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape.

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